Um futuro com ônibus gratuitos nas cidades e sem ponte aérea

Na cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, a tarifa zero para os ônibus urbanos funciona desde de 2013. Foto Divulgação

Debate ganha corpo no Brasil e no mundo e passa a ser só uma questão de tempo

Por Agostinho Vieira | ArtigoODS 11 • Publicada em 6 de dezembro de 2022 - 10:26 • Atualizada em 30 de janeiro de 2024 - 14:46

Na cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, a tarifa zero para os ônibus urbanos funciona desde de 2013. Foto Divulgação

Em um futuro cada vez menos distante, será possível pegar um ônibus elétrico, silencioso e gratuito, para ir até o aeroporto mais próximo da sua casa. No entanto, chegando lá, prepare-se, não haverá nenhum voo disponível para cidades que fiquem a menos de duas horas de distância. Este cenário está muito mais próximo do que você imagina e as razões de ser são as mesmas: garantir o direito universal à mobilidade urbana, reduzir as emissões de gases de efeito estufa, diminuir os acidentes e aquecer a economia.

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No Brasil, mais de 20 municípios já adotaram a proposta da tarifa zero para os ônibus urbanos. Maricá, no Rio de Janeiro; Vargem Grande Paulista, em São Paulo e Caucaia, no Ceará, estão entre elas. A iniciativa beneficia mais de 1 milhão de passageiros. Alguns que nem passageiros eram antes, simplesmente porque não tinham dinheiro para pagar a passagem. Caucaia, cidade com quase 400 mil habitantes, é um bom exemplo disso. Antes da adoção da tarifa zero, em julho de 2021, cerca de 500 mil moradores pagavam R$ 3,80 pela passagem. Hoje, com o ônibus gratuito, o número de usuários passou para 2 milhões de pessoas. Com isso, o custo por passageiro para a prefeitura caiu para R$ 1,35. Caucaia investe 25 milhões por ano para manter o sistema, que já reduziu o número de carros particulares nas ruas, diminuiu os acidentes, a poluição e aqueceu a economia local.

A discussão sobre tarifa zero para os ônibus urbanos agora chegou a São Paulo, a maior cidade do país. E vem ganhando corpo na equipe de transição do governo Lula, que pretende incentivar a prática. Em São Paulo, há algum tempo, a prefeitura já subsidia o preço das passagens. Do custo anual da operação, que é de R$ 7,7 bilhões, cerca de R$ 3,3 bilhões vêm do preço das passagens, o resto é custeado pelo poder público. A ideia agora é zerar esse valor, com os mesmos objetivos de Caucaia: reduzir o número de carros nas ruas, diminuir os acidentes, a poluição local, as emissões de gases de efeito estufa e aquecer a economia. Parece óbvio, mas ainda há muita resistência.

Em Caucaia, no Ceará, número de passageiros passou de 500 mil para 2 milhões após a adoção da tarifa zero. Foto Divulgação
Em Caucaia, no Ceará, número de passageiros passou de 500 mil para 2 milhões após a adoção da tarifa zero. Foto Divulgação

A discussão esbarra sempre no regime de financiamento. Ou, em linguagem mais simples: quem vai pagar a conta? Não existe um modelo único, mas são muitas as possibilidades. Caucaia, por exemplo, renegociou os contratos com as empresas de transporte e banca o sistema com recursos próprios. Maricá, onde o modelo funciona desde 2013, é o dinheiro dos royalties do petróleo que financia a operação. Em Vargem Grande Paulista, a prefeitura combinou com as empresas da região que os recursos do vale-transporte seriam repassados para a prefeitura para subsidiar os ônibus gratuitos para todos. Essa é uma das ideias que está sendo analisada pela equipe de transição do governo Lula, mudar a lei do vale-transporte. Outra é criar uma espécie de SUS da Mobilidade Urbana, o SUMU (Sistema Único de Mobilidade Urbana), com recursos públicos.

“Quando a Prefeitura vem pegar o lixo na sua porta, você não questiona por que uma tarifa não foi paga. O mesmo deveria acontecer com o transporte coletivo”, explica o engenheiro Lúcio Gregori, que foi secretário de transportes do governo Luiz Erundina, em São Paulo, e há mais de 30 anos defende a adoção da tarifa zero.

Mas num país que sonha em ser um dos mais sustentáveis do planeta, não basta garantir transporte público gratuito e de qualidade. Por que não aproveitar a onda e investir em ônibus elétricos? Para o professor Roberto Schaeffer, da Coppe/UFRJ, não há mais nenhuma razão para que os ônibus urbanos e a frota de caminhões do Brasil não sejam totalmente eletrificados. Essa seria outra opção de investimento do governo federal. Eletrificar essas frotas via financiamento do BNDES, com clausulas que incluíssem a garantia de tarifa zero.

Neste nosso futuro nem tão hipotético assim, já temos a tarifa zero e os ônibus elétricos. E a ponte aérea? Bem, na semana passada a Comissão Europeia aprovou uma medida que proíbe voos de curta distância na França. A decisão faz parte da Lei do Clima e Resiliência, adotada em 2021 no país. O objetivo, mais uma vez, é reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O conceito é relativamente simples. Se uma viagem pode ser feita de trem ou de ônibus em até 2 horas ou 2 horas e meia, o avião deve ser proibido. No caso da ponte aérea Rio-São Paulo, isso ainda deve demorar um pouco. Não temos trem ligando as duas maiores cidades do país e o ônibus leva cerca de seis horas. Mas essa também pode ser só uma questão de tempo.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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