Brasil: mais urbano, mais concentrado em grandes cidades e mais interiorano

Senador Canedo, em Goiás, cidade que mais cresceu no país entre 2010 e 2022: população aumentou mais em áreas urbanas e longe do litoral (Foto: Divulgação / Prefeitura de Senador Canedo)

Censo 2022 indica que as cidades e as regiões não litorâneas do país são as que mais cresceram no atual século

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 11 • Publicada em 31 de julho de 2023 - 08:45 • Atualizada em 21 de novembro de 2023 - 19:50

Senador Canedo, em Goiás, cidade que mais cresceu no país entre 2010 e 2022: população aumentou mais em áreas urbanas e longe do litoral (Foto: Divulgação / Prefeitura de Senador Canedo)

O Brasil do século XXI terá uma dinâmica demográfica completamente diferente daquela apresentada nos cinco séculos anteriores. As informações do censo de população e domicílio mostrarão a cara do país em 2022 – nos 200 anos da Independência – e possibilitarão atualizar as projeções de longo prazo. Por enquanto, o IBGE divulgou apenas os dados do quantitativo populacional nos municípios, estados, regiões e do total nacional. Ainda são poucas as informações disponibilizadas, mas já dá para dizer que o país está ficando mais urbano, mais concentrado em grandes cidades e mais interiorano.

Leu essa? As surpresas do Censo 2022 e a distribuição geográfica da população

Na maior parte de sua história, o Brasil foi um país rural e agrário e tinha a maioria de sua população concentrada no litoral. Como observou Frei Vicente do Salvador (1564 – 1639), os portugueses não se aventuraram pelo interior do Brasil, já que “sendo grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar como caranguejos” (Alves, 2022).

Embora grande parte dos brasileiros continue ocupando uma pequena faixa em torno do litoral, a população já se espalhou por todos os cantos do território nacional e o Censo 2022 indicou que as cidades e as regiões não litorâneas são as que mais cresceram no atual século. O Brasil está entre os países do mundo que apresentaram maior incremento em termos populacionais e econômicos no século XX. Mas internamente, desde os anos 1970, a população rural tem diminuído e todo o crescimento tem ocorrido em áreas urbanas.

A dinâmica das grandes regiões brasileiras

O primeiro censo demográfico brasileiro foi feito cinquenta anos após a Independência do país. Em 1872, a população nacional era de 9,9 milhões de habitantes e estava distribuída da seguinte forma entre as grandes regiões: Nordeste com 4,6 milhões (46,7% do total), Sudeste com 4 milhões (40,5%), Sul com 721 mil (7,3%), Norte com 333 mil habitantes (3,4%) e Centro-Oeste com 221 mil (2,2% do total). Em 1890, o Nordeste e o Sudeste praticamente empataram em tamanho, com cerca de 42% da população para cada uma das regiões, conforme mostra o gráfico abaixo.

Com o avanço da cafeicultura e, especialmente, com a expansão da indústria nos chamados 30 anos gloriosos (1950-1980), a região Sudeste ultrapassou a região Nordeste e se tornou o centro dinâmico da demografia e da economia do país. No século XX, a região Sudeste ganhou participação absoluta e relativa e se manteve sempre com uma proporção populacional acima de 40%, enquanto o Nordeste caiu para menos de 30% do total nacional.

A região Sul emulou o modelo do Sudeste e também cresceu em termos absolutos e relativos chegando a atingir 17,7% da população brasileira em 1970. Mas caiu para cerca de 14,4% em 2010 e apresentou ligeira alta para 14,7% em 2022, puxada pelas atividades agropecuárias de Santa Catarina e do Paraná.

As duas regiões menos populosas foram também as que mais cresceram nos últimos 150 anos, sendo que, em 2022, e a região Norte chegou a 8,5% e a região Centro-Oeste (a que mais cresceu no último período intercensitário) chegou a 8,0%. Essas duas regiões, juntas, ultrapassaram a região Sul em número de habitantes. Com o processo de desindustrialização nacional e a reprimarização da economia, o novo polo de crescimento se transferiu para as regiões de fronteira, com ampla disponibilidade de terras, onde predomina a produção de commodities agrícolas e minerais.

As duas maiores concentrações urbanas e as duas maiores cidades do Brasil – São Paulo e Rio de Janeiro – estão localizadas no Sudeste. Mas, embora predominantemente urbano e com grande peso destas duas megalópoles, as cidades que mais crescem foram aquelas de 100 mil a 500 mil habitantes, conforme mostra o gráfico abaixo.

Em 1970, mais da metade da população brasileira estava concentrada nos municípios entre 20 mil e 50 mil habitantes. Mas, ao longo das décadas seguintes, o peso dos municípios com menos de 50 mil habitantes se reduziu bastante, os municípios entre 50 mil e 100 mil habitantes mantiveram aproximadamente o mesmo percentual e, concomitantemente, cresceu a concentração populacional nos municípios com mais de 100 mil habitantes.

Apenas 319 municípios (5,7% das 5.570 cidades brasileiras) concentravam 57% da população nacional em 2022. Há 278 municípios com tamanho entre 100 mil e 500 mil habitantes (concentrando 28% da população nacional) e 41 municípios com mais de 500 mil habitantes (concentrando 29% da população total). Por outro lado, 5.251 municípios (94,3% das cidades brasileiras) concentravam 43% da população do país.

As cidades que apresentaram os maiores crescimentos populacionais, entre 2010 e 2022, foram todas do interior (em áreas não litorâneas): Senador Canedo (GO), aumento de 84%, Fazenda Rio Grande (PR), com 82%, Luís Eduardo Magalhães (BA), com 80%, Sinop (MT), com 73% e Parauapebas (PA), com 73%. Algumas dessas cidades estão em áreas metropolitanas e outras não. No geral, a população cresceu mais naquelas cidades localizadas em regiões de exportação de commodities e com forte reprimarização da economia e aumentou menos em municípios com maior base produtiva do setor secundário.

O crescimento das cidades e a concentração de mais da metade da população nacional nos municípios com mais de 100 mil habitantes é um reflexo da transição urbana que já vinha ocorrendo desde o final do século XIX, mas teve o ritmo acelerado depois da Segunda Guerra Mundial. Em um futuro não muito distante, a população brasileira deve começar a decrescer. Todavia, ainda assim, o Brasil continuará sendo mais urbano, mais concentrado em grandes cidades e cada vez mais interiorano.

Engarrafamento no Eixo Monumental em Brasília: Censo 2022 mostra que capital, em 60 anos, tornou-se a terceira maior cidade do país (Foto: Renato Araújo / Agência Brasília)
Engarrafamento no Eixo Monumental em Brasília: Censo 2022 mostra que capital, em 60 anos, tornou-se a terceira maior cidade do país (Foto: Renato Araújo / Agência Brasília)

A dinâmica das capitais brasileiras

Em mais de 500 anos de história, a população brasileira cresceu e, progressivamente, se concentrou nos grandes centros urbanos, especialmente os mais antigos. Seis das expressivas capitais brasileiras foram fundadas no século XVI: Recife/PE (1537), Salvador/BA (1549), Vitória/ES (1551), São Paulo/SP (1554), Rio de Janeiro/RJ (1565) e Natal (25 de dezembro de 1599).

Outras capitais foram fundadas no século seguinte, como Belém/PA (1616), Curitiba/PR (1661), Manaus/AM (1669) e Florianópolis/SC (antiga Desterro, 1673). No Brasil Colônia, foram fundadas Cuiabá/MT (1719), Fortaleza/CE (1726), Macapá/AP (1758) e Porto Alegre/RS (1772).

No período monárquico, foi fundada Teresina/PI (1852), em homenagem à imperatriz Teresa Cristina. Na República Velha, foi fundada Belo Horizonte/MG (1997). A capital do Brasil, Brasília/DF, foi fundada em 1960. E a última capital inaugurada foi Palmas/TO, em 1989.

Surpreendentemente, o censo 2022 indicou que 9 capitais apresentaram decrescimento demográfico nos últimos 12 anos: Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Natal, Fortaleza, Belém e Vitória.

A tabela abaixo mostra a população de Brasília e das 26 capitais das Unidades da Federação, segundo dados de censos demográficos selecionados, entre 1872 e 2022. No primeiro censo realizado no país, a cidade do Rio de Janeiro era a capital mais populosa com 274,9 mil habitantes, em 1872, vindo em seguida Salvador com 129 mil habitantes e Recife com 117 mil habitantes. A cidade de São Paulo possuía apenas 31,4 mil habitantes em 1872 e só assumiu a liderança do ranking dos maiores municípios brasileiros no censo de 1960. A capital paulista apresentou o maior crescimento no período republicano e chegou a 11,45 milhões de habitantes em 2022.

A segunda maior cidade do Brasil parou de crescer de acordo com o último recenseamento. O município do Rio de Janeiro chegou a 6,3 milhões de habitantes em 2010 e caiu para 6,2 milhões de habitantes em 2022. Salvador que era a segunda maior cidade do país em 1872, foi ultrapassada por São Paulo em 1900, estava em terceiro lugar até 2010, mas teve um decrescimento populacional no último período intercensitário e caiu para o 5º lugar em 2022.

Fortaleza que estava em 5º lugar em 2010 (atrás de SP, RJ, BH e Salvador) passou para o 4º lugar em 2022. Mas o maior salto populacional ocorreu em Brasília, que foi criada em 1960, e saiu de um pequeno município para se tornar a terceira maior cidade do país em 2022, com 2,8 milhões de habitantes.

A soma da população das capitais, em 1872, representava 9,6% do total de habitantes do país, passou para 16% do total em 1950 e chegou a 24,1% da população brasileira em 1980. Todavia, nos últimos 40 anos, a proporção da população das 27 capitais se estabilizou em relação à população total e até diminuiu um pouco, ficando em 23,8% em 2010 e em 22,9% em 2022.

Farol da Barra no Carnaval 2023: Salvador perdeu mais de 400 mil habitantes desde 2010 (Foto: Manu Dias / Governo da Bahia - 19/02/2023)
Farol da Barra no Carnaval 2023: Salvador perdeu mais de 400 mil habitantes desde 2010 (Foto: Manu Dias / Governo da Bahia – 19/02/2023)

O surpreendente declínio populacional de Salvador

Das 9 capitais brasileiras que tiveram redução da população entre 2010 e 2022, o caso de Salvador é o mais surpreendente. A capital da Bahia tinha 129 mil habitantes na época do Império, em 1872 (primeiro censo do Brasil). Chegou a 417 mil pessoas em 1950. Pulou para 2,44 milhões de habitantes no ano 2000 e 2,68 mil em 2010. Contudo, os dados do censo 2022 indicaram uma população soteropolitana de 2,42 milhões de pessoas, voltando aos patamares do fim do século XX.

Este resultado não era esperado, pois os dados do Ministério da Saúde mostram que houve em Salvador um crescimento vegetativo de 206.603 pessoas, sendo 412.191 nascimentos e 205.588 óbitos no período intercensitário. Se somarmos o crescimento vegetativo com a população de 2010 teríamos 2.882.259 habitantes em 2022. Mas os resultados do censo indicaram uma população com 464 mil pessoas a menos, conforme mostra o gráfico abaixo.

O que teria acontecido? Uma possibilidade é que tenha havido uma grande emigração da capital baiana. Mas o volume de perda é muito grande, ficando além de qualquer estimativa anterior. Outra possibilidade é que tenha havido subenumeração da população soteropolitana. Como o IBGE ainda não divulgou os resultados da pesquisa de avaliação e nem disponibilizou os dados de sexo, idade, educação, mercado de trabalho e migração, então seria prematuro fazer uma avaliação definitiva.

Defender o censo, analisar as inconsistências e aperfeiçoar as estimativas

O censo demográfico é a mais profunda e abrangente pesquisa do país e é essencial para a formulação das políticas públicas e para a decisão de investimentos da iniciativa privada. Mas é preciso reconhecer que houve muita dificuldade para se realizar o recenseamento 2022. O governo passado restringiu os recursos para o IBGE se equipar e se preparar para realizar o levantamento em 2020. As dificuldades já eram grandes quando veio a pandemia da covid-19 que inviabilizou a realização da pesquisa no segundo semestre de 2020. Em 2021, novamente, faltou dinheiro e vontade. A questão foi judicializada e o Supremo Tribunal Federal obrigou o Governo Federal a liberar os recursos e fazer o censo em 2022.

Na corrida de obstáculos impostos pelo extremismo bolsonarista, o recenseamento foi a campo com a sociedade dividida e em meio a uma eleição extremamente polarizada. Houve atraso na coleta dos dados e não foi fácil aplicar os questionários nos inúmeros domicílios brasileiros. Desta forma, não tivemos um censo perfeito, mas sim um censo possível.

Todavia, com modelos estatísticos, dados secundários de registros administrativos e uma boa dose de criatividade os demógrafos e demais cientistas sociais poderão corrigir as eventuais falhas e desvendar a realidade da sociedade brasileira. O Brasil está em seu 13º recenseamento. Outros censos virão. O importante não é focar em pequenos detalhes, mas sim desvendar as grandes tendências de longo prazo e os traços mais definitivos do perfil sociodemográfico do Brasil.

Referências:

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), maio de 2022. (Colaboração de Francisco Galiza). Acesso gratuito em: https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf

IBGE. Primeiros resultados: população e domicílios, 28/06/2023

https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/ 

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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