As surpresas do Censo 2022 e a distribuição geográfica da população

Visão geral do metrô de São Paulo, estado ganhou mais de 3 milhões de habitantes entre os dois últimos censos. Foto Paulo Lopes/Anadolu Agency via AFP

Cidades grandes que perderam população, como Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e São Gonçalo, merecem estudos mais aprofundados

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 11 • Publicada em 3 de julho de 2023 - 09:50 • Atualizada em 19 de novembro de 2023 - 19:34

Visão geral do metrô de São Paulo, estado ganhou mais de 3 milhões de habitantes entre os dois últimos censos. Foto Paulo Lopes/Anadolu Agency via AFP

O censo demográfico de 2022, levado a campo pelo IBGE, confirmou as principais tendências históricas da população brasileira, mas trouxe algumas surpresas. Os estudiosos da demografia sabiam que o ritmo de crescimento populacional estava se reduzindo no Brasil, mas o número de 203.062.512 habitantes, em 01 de agosto de 2022, veio um pouco abaixo do esperado.

O primeiro censo do Brasil foi realizado ainda na época do Império, em 1872, e registrou 9,9 milhões de habitantes (menos do que a cidade de São Paulo hoje em dia). Nas décadas seguintes, a população cresceu em média algo como 2% ao ano e chegou a 51,9 milhões de habitantes em 1950. Nas décadas de 1950 e 1960 o Brasil teve o maior crescimento relativo, com cerca de 3% ao ano e a população brasileira chegou a 93 milhões “em ação”, na época da conquista do Tri na Copa do Mundo de 1970.

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A partir dos anos setenta, o ritmo de crescimento populacional começou a diminuir, ficando em 2,5% ao ano na década de 1970, 2% aa na década de 1980, 1,6% aa na década de 1990, 1,2% aa na primeira década do atual século, até chegar a 0,5% ao ano entre 2010 e 2022. Nos 10 anos entre o ano 2000 e 2010, o acrescimento da população brasileira foi de 20,4 milhões de pessoas e, nos 12 anos entre 2010 e 2022, o acrescimento foi de “apenas” 12,3 milhões de pessoas, conforme mostra o gráfico abaixo. As estimativas anteriores eram de um país um pouco mais populoso.

De fato, as projeções populacionais do IBGE, divulgadas em 2018, estimavam cerca de 214 milhões de habitantes em 2022. Evidentemente, este número estava superestimado pois não levou em consideração adequadamente a epidemia de Zika, a crise econômica de meados da década passada e, principalmente, não considerou os efeitos da pandemia da covid-19 que aumentou os óbitos e reduziu o número de nascimentos, pois muitas pessoas adiaram o casamento e a decisão de ter filhos. Pelos meus cálculos, a pandemia reduziu a população entre 2 e 3 milhões de pessoas. Portanto, o número de 214 milhões seria, indubitavelmente, inalcançável em 2022.

Uma outra possibilidade para aquilatar o tamanho da população brasileira é fazer o cálculo do crescimento vegetativo e, para tanto, podemos contar com os dados do Ministério da Saúde. Segundo o Datasus, o Brasil teve 34,4 milhões de nascimentos e 16,1 milhões de óbitos entre as datas de referência do censo de 2010 e do censo de 2022. Isto significa 18,3 milhões de pessoas a mais do que os 190,8 milhões habitantes de 2010, ou seja, os dados do censo 2010 mais o crescimento vegetativo do período intercensitário daria um valor de cerca de 209 milhões de habitantes. Neste cálculo não entra a migração internacional. Supondo que saíram 2 milhões de pessoas a mais do que aquelas que entraram no Brasil no período, teríamos uma cifra de 207 milhões de habitantes.

Por coincidência, em dezembro de 2022, o IBGE divulgou as prévias do censo e estimou a população em 207 milhões de habitantes. Desta forma, as estimativas anteriores contribuíram para que o valor de 203 milhões de habitantes gerasse surpresa na sociedade brasileira. Uma avaliação mais aprofundada dos resultados do censo de 2022 poderá ser feita quando o IBGE divulgar os demais dados sobre o perfil da população e a pesquisa de avaliação do censo.

A surpresa com o resultado nacional se reproduz em algumas regiões e Unidades da Federação, conforme apresentado na tabela abaixo.  Embora a distribuição espacial da população seja bastante desigual, todas as regiões e a UFs apresentaram grande crescimento entre 1970 e 2010. Mas o quadro se alterou no último período intercensitário.

A região Norte teve um aumento de 1,49 milhão de habitantes entre 2010 e 2022 e as UFs que apresentaram maior aumento absoluto foram Pará, Amazonas e Roraima. Os menores aumentos aconteceram em Rondônia e Amapá. O estado de Tocantins foi criado em 1998 e só possui dados a partir de 1991. A região Nordeste apresentou o menor crescimento demográfico dos últimos 50 anos e a Bahia, que é a UF mais populosa da região, apresentou aumento de somente 120 mil habitantes. O crescimento foi pequeno em todas as UFs da região, mas com destaque para Alagoas que teve a população praticamente estabilizada no período.

A região Sudeste, a mais populosa do país, teve um crescimento de 4,5 milhões de habitantes entre 2010 e 2022, sendo que a maior parte deste crescimento ocorreu em São Paulo que variou em 3,2 milhões de habitantes no período. Já o Rio de Janeiro, assim como Alagoas, também teve a sua população praticamente estabilizada no período intercensitário.

A região sul teve crescimento de 2,5 milhões de habitantes entre 2010 e 2022, com destaque para Santa Catarina que apresentou o maior crescimento da região. Paraná também cresceu acima da média nacional, mas o Rio Grande do Sul teve um crescimento muito pequeno.

A região Centro-Oeste teve um crescimento de 2,2 milhões de habitantes entre 2010 e 2022, representando o maior aumento relativo do país. Todas as UFs cresceram acima da média nacional, com destaques para Goiás que é o estado mais populoso da região e para Mato Grosso com crescimento de 624 mil habitantes no período intercensitário. O estado de Mato Grosso do Sul foi criado em 1977 e só possui dados a partir de 1980.

A tabela abaixo mostra as taxas de crescimento geométrico anual para o Brasil, as regiões e as Unidades da Federação. Nota-se que o Brasil crescia a 2,5% ao ano na década de 1970 e passou a crescer 0,52% entre 2010 e 2022.

A região Norte crescia em torno de 5% ao ano até 1991 e passou a crescer a 0,75% no último intervalo intercensitário. Mesmo assim, a região Norte cresceu acima da média nacional no período. Abaixo da média nacional estão as regiões Nordeste e Sudeste, sendo que Alagoas e Rio de Janeiro apresentaram as menores taxas de crescimento entre 2010 e 2022.

A região Sul cresceu acima da média nacional, sendo que Santa Catarina apresentou o segundo mais alto índice de crescimento e o Rio Grande do Sul apresentou o terceiro mais baixo ritmo de crescimento. O Centro-Oeste apresentou a maior taxa de crescimento entre as regiões e o Mato Grosso apresentou o terceiro maior ritmo de crescimento entre as Unidades da Federação.

No ano de 1627, Frei Vicente de Salvador escreveu que os portugueses pareciam caranguejos, pois ficavam apenas arranhando as costas do Brasil. Efetivamente, a maior parte da população brasileira se concentrou no litoral ao longo da história. Mas nas últimas décadas há uma tendência de maior interiorização e a tabela mostra que as UFs que mais crescem são aquelas não litorâneas.

A tabela abaixo apresenta um exercício para se complementar a avaliação dos resultados do censo 2022 para o Brasil, regiões e Unidades da Federação (UFs). Na primeira coluna estão os dados do censo 2010. Na segunda coluna, os dados do crescimento vegetativo, que é a soma de todos os nascimentos menos a soma dos óbitos do período intercensitário, com base nas informações do Datasus, do Ministério da Saúde. Para o Brasil como um todo, o crescimento vegetativo foi de 18,3 milhões de pessoas, o que somado à população de 2010 daria um valor de 209 milhões de habitantes, número cerca de 6 milhões acima do apresentado pelo censo 2022.

Evidentemente, o número de 209 milhões proveniente da soma da população de 2010 e o crescimento vegetativo não leva em consideração a migração internacional, como vimos anteriormente. Na hipótese de que tenha saído mais de 2 milhões de brasileiros em relação aos estrangeiros que entraram no país no período intercensitário, o número de 209 milhões se reduziria para menos de 207 milhões. De qualquer forma um valor superior aos 203 milhões indicado pelo censo 2022.

Quando analisado o quadro regional, as únicas regiões que apresentaram população acima do crescimento vegetativo foram o Sul e o Centro-Oeste, as demais apresentaram números abaixo do crescimento vegetativo, com destaque para o Nordeste que apresentou quase 4 milhões de pessoas a menos que a soma da população de 2010 e a diferença entre nascimentos e óbitos do período.

Nas Unidades da Federação apenas Roraima, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Goiás apresentaram números superiores ao do crescimento vegetativo. Isto indica que estas UFs receberam migrantes e as demais perderam migrantes. Cidades grandes que perderam população, tais como Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e São Gonçalo, ainda merecem estudos mais aprofundados.

Como o IBGE ainda não divulgou os dados de sexo, idade, educação, mercado de trabalho e migração seria prematuro fazer uma avaliação mais detalhada e precisa. Mas ao longo dos próximos meses o Instituto vai divulgar as demais informações do censo demográfico de 2022 e os cientistas sociais poderão se debruçar sobre os dados para entender o tamanho da população e o perfil sociodemográfico da sociedade nacional, em todas as suas escalas geográficas. Houve muita dificuldade para se realizar o censo 2022, mas a tarefa agora é utilizar da melhor maneira possível as ricas informações do 13º recenseamento brasileiro.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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