Sem emprego e auxílio emergencial, mulheres sofrem com panelas vazias em Paraisópolis

Moradores da favela de Paraisópolis se reúnem na Avenida Giovanni Gronchi, na zona sul de São Paulo, segurando panelas e faixas em protesto contra falta de comida. Foto Victória Bechara

Manifestação em São Paulo tenta chamar a atenção do poder público e impulsionar a arrecadação de alimentos nas favelas

Por Victória Bechara | ODS 10 • Publicada em 26 de março de 2021 - 18:57 • Atualizada em 29 de março de 2021 - 13:44

Moradores da favela de Paraisópolis se reúnem na Avenida Giovanni Gronchi, na zona sul de São Paulo, segurando panelas e faixas em protesto contra falta de comida. Foto Victória Bechara

“Faz muito tempo que eu não como carne. Antes eu comprava, hoje não consigo mais. Compro só ovo e salsicha”. Ironicamente em frente a uma casa de carnes, Luana da Silva, de 37 anos, protesta de máscara, face shield e uma panela vazia nas mãos – uma representação da fome que atinge as comunidades do Brasil, potencializada pela pandemia de covid-19, o desemprego e a falta do auxílio emergencial.

Nesta sexta-feira (26), membros do G10 Favelas e moradores da comunidade de Paraisópolis se reuniram na Avenida Giovanni Gronchi, na zona sul de São Paulo, segurando panelas e faixas. O ato tinha como objetivo chamar a atenção do poder público para o problema da fome e impulsionar a campanha de arrecadação de alimentos nas favelas de todo o país.

Luana saiu de Pernambuco aos 15 anos de idade e veio para São Paulo em busca de emprego. Trabalhava como manicure, mas teve que parar porque engravidou e não tinha com quem deixar os dois filhos. Agora ela atende algumas clientes em sua casa, em Paraisópolis, o que rende cerca de R$ 200 reais por mês.

Luana da Silva trabalhava como manicure, mas teve que parar por não ter com quem deixar os filhos. Foto Victória Bechara
Luana da Silva trabalhava como manicure, mas teve que parar por não ter com quem deixar os filhos. Foto Victória Bechara

Com a pandemia do coronavírus, Luana se cadastrou no sistema do auxílio emergencial. No entanto, mesmo desempregada e com dois filhos para criar sozinha, não recebeu o benefício. No momento, tem a ajuda do G10 Favelas e da União de Moradores de Paraisópolis, que doam marmitas e cestas básicas para os moradores da comunidade. O problema é que as doações diminuíram e muitos acabam ficando sem a ajuda. “Semana passada eu ganhei uma cesta. Aí uma moça que eu conheci tinha acabado de chegar da Bahia e não conseguiu ganhar, então eu dividi a minha cesta com ela”, conta a manicure.

Uma pesquisa feita pelo Data Favela, divulgada neste mês, mostrou que 68% das pessoas que moram em comunidades brasileiras não têm dinheiro para comprar comida. Gilson Rodrigues, presidente do G10 Favelas, afirma que a organização distribuía em torno de 10 mil marmitas por dia em Paraisópolis no ano passado. Em 2021, são cerca de 600. Só nesta sexta, havia mais de 1.000 pessoas na fila.

“A marmita não está dando para todo mundo. As pessoas chegam na fila por volta das 9h, às vezes sem tomar café da manhã, e tem que esperar até meio dia”, relatou Gilson ao Colabora. O ativista conta que já viu 3 pessoas desmaiarem na fila, esperando pelo almoço.

As ‘presidentes’ de rua

Para tentar conter o impacto da pandemia, Paraisópolis criou diversas soluções, entre elas os “presidentes” de rua. São 680 pessoas que cuidam de 50 famílias cada e levam as demandas dos moradores para os líderes da comunidade – de produtos de higiene e cestas básicas até atendimento médico.

Flávia Rodrigues, de apenas 22 anos, coordena a iniciativa. Segundo ela, 82% das presidentes de rua são mulheres. Mas também são as mulheres de Paraisópolis quem sofrem mais com a falta de comida e o desemprego nas favelas. “A maioria das mulheres que mora na favela é chefe de família. Elas não têm o que dar para os seus filhos e encontram, muitas vezes, as panelas vazias. As doações diminuíram muito, o que a gente precisa é de políticas públicas”, afirma.

Rosilene Nunes, 36, é uma das 680 presidentes de rua de Paraisópolis. Nesta sexta, também saiu de casa para protestar contra a fome nas favelas. “A gente está sem dinheiro, sem comida e os preços no mercado estão lá nas alturas”, diz. “Quando chega alguma doação, a gente vai até a casa das famílias, leva a cesta básica e eles ficam muito felizes. Eles agradecem muito e dizem: ‘Se não fosse o Gilson Rodrigues e o G10 favelas, a gente já teria morrido de fome’. Se depender do governador João Doria, do prefeito Bruno Covas e do presidente Jair Bolsonaro, ficamos sem nada”, completa.

Falta do auxílio emergencial evidencia mais o problema

Apesar de trabalhar levando ajuda para 50 famílias da comunidade, Rosilene também passa por dificuldades. Ela trabalhava como faxineira, mas engravidou e teve que deixar o emprego para cuidar da filha mais nova, agora com 2 anos. Sem renda, dependia do auxílio emergencial para fazer as compras do mês e pagar contas.

Mãe solo, ela recebia R$ 1.200 nos primeiros meses de 2020. No final do ano, o valor diminuiu para R$ 600. A última parcela foi paga em dezembro. Na noite desta quinta-feira (25), o presidente Jair Bolsonaro afirmou, em sua live semanal, que o auxílio voltará a ser pago no dia 4 ou 5 de abril. No entanto, o valor do benefício para mulheres chefes de família neste ano será de R$ 375.

Gilson Rodrigues: "É absurdo a gente viver um Brasil da fome e outro Brasil do home office". Foto Victória Bechara
Gilson Rodrigues: “É absurdo a gente viver um Brasil da fome e outro Brasil do home office”. Foto Victória Bechara

“Será que o presidente acha que esse dinheiro vai dar para a gente levar um mês de compras para dentro de casa?”, questiona Rosilene. “Não dá para sustentar uma família. Na minha casa tem 5 pessoas. Quando a gente estava recebendo, a gente ia ao supermercado, ao açougue e dava para comprar as coisas. Agora, sem o auxílio e sem renda nenhuma, não tem como”, completa.

Sheila Juliana, 31, também sofreu com a falta do auxílio emergencial nos últimos meses. Ela trabalhava como auxiliar de cozinha em eventos, um dos setores mais afetados pela pandemia. Sheila mora sozinha em Paraisópolis com a filha de 3 anos e usava o valor do benefício para comprar comida. Agora, também depende de doações. “Se você vai ao mercado com R$ 100, não dá para comprar quase nada. Graças a Deus temos essa ONG em Paraisópolis que ajuda bastante”, afirma.

Em meio às panelas vazias e um vírus que colocou todo mundo em casa, muita gente passou a depender do auxílio emergencial, principalmente nas favelas. Quem não recebeu no ano passado, não poderá se cadastrar em 2021. Além disso, o valor para famílias não chefiadas por mulheres passou de R$ 600 para R$ 250. Para quem mora sozinho, R$ 150.

“Precisamos mudar essa realidade, fazer o auxílio emergencial chegar de maneira rápida e digna. Com R$ 150 não dá para comprar o gás e mais o arroz e o feijão,” diz Gilson Rodrigues. “É absurdo a gente viver um Brasil da fome e outro Brasil do home office.”

Victória Bechara

Formada em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, foi estagiária no Metro Jornal e repórter no Portal iG, em São Paulo. Também colabora para o UOL. Cobre principalmente segurança pública, direitos humanos, política e educação.

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