Número de nascimentos no mundo está caindo. E essa é uma boa notícia

Bebês recém-nascidos na maternidade do hospital Vita, em Sófia, capital da Bulgária. Número de nascimentos no mundo deve cair de 134 milhões, em 2023, para 111 milhões em 2100. Foto Nikolay Doychinov/AFP

ONU estima que taxa de fecundidade deve se estabilizar em 2,1 filhos por mulher até 2055

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 10 • Publicada em 1 de abril de 2024 - 09:01 • Atualizada em 9 de abril de 2024 - 15:47

Bebês recém-nascidos na maternidade do hospital Vita, em Sófia, capital da Bulgária. Número de nascimentos no mundo deve cair de 134 milhões, em 2023, para 111 milhões em 2100. Foto Nikolay Doychinov/AFP

“Crescimento pelo crescimento é a ideologia da célula cancerosa”

Edward Abbey (1927-1989)

O número de nascimentos no mundo já chegou ao pico, ou seja, o número de bebês que vinha crescendo na segunda metade do século XX, estabilizou na virada do milênio, atingiu um valor máximo, passou a diminuir e vai continuar decrescendo ao longo do atual século. É o prelúdio de um decrescimento da população total que será a grande novidade do último quartel do século XXI.

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O número de nascimentos no mundo era de 92 milhões de bebês em 1950, subiu para 142 milhões em 1990, caiu para 134 milhões no ano 2000 e atingiu o pico de 144,2 milhões de bebês em 2012. Em 2023, nasceram 134 milhões de bebês, este número deve subir até 139 milhões em 2042 e vai apresentar um declínio contínuo até 111 milhões de bebês em 2100, conforme mostra o gráfico abaixo, com dados da projeção populacional média da Divisão de População da ONU (revisão 2022).

A diminuição do número de nascimentos é uma boa notícia em dois sentidos. Em termos sociais é uma ótima notícia, pois o menor número de crianças abre espaço para o investimento na qualidade de vida das novas gerações, para a ampliação dos direitos de cidadania e para a melhor qualificação da força de trabalho. Por exemplo, ao invés de investir em novas instalações escolares, a diminuição do número de potenciais estudantes permite se investir na melhoria da qualidade da educação e na expertise profissional. Em termos ambientais é uma notícia excelente, pois diminui a demanda por serviços ecossistêmicos e reduz, inevitavelmente, a poluição gerada por cada nova pessoa, que é também, em maior ou menor proporção, uma unidade de consumo.

A redução do número de nascimentos é fruto da queda da taxa de fecundidade total (TFT) que vem diminuindo no mundo desde a década de 1960. Nos 15 anos entre 1950 e 1965, a TFT variou um pouco, ano a ano, mas, na média, ficou em torno de 5 filhos por mulher. A partir de 1966, a TFT começou a cair e chegou a 2,73 filhos por mulher no ano 2000 e a 2,31 filhos por mulher em 2023. Na estimativa da ONU, a TFT deve chegar a 2,1 filhos por mulher em 2055. Este número, considerado o longo prazo, representa a taxa de fecundidade de reposição. Isto é, uma taxa acima de 2,1 filhos por mulher implica no crescimento populacional, uma taxa igual a 2,1 filhos por mulher implica em zerar a variação e estabilizar o número de habitantes e uma taxa abaixo de 2,1 filhos por mulher implica no decrescimento populacional.

Na projeção média da Divisão de População da ONU, a taxa de fecundidade global de reposição será alcançada em 2055 e o pico populacional será atingido 3 décadas depois. Os números mostram que a população mundial era de 2,5 bilhões de habitantes em 1950, chegou a 8 bilhões de habitantes em 2022, deve atingir o pico populacional em 2086, com 10,43 bilhões de habitantes. A partir de 2087, haverá o início do decrescimento da população mundial que deve apresentar um ligeiro declínio para 10,35 bilhões de habitantes em 2100 e continuar caindo no século XXII.

Portanto, demograficamente, o século XXI será totalmente diferente de tudo que aconteceu antes, nos mais de 200 mil anos, desde o surgimento do Homo sapiens. Evidentemente, houve períodos de declínio da população mundial no passado, mas as crises demográficas aconteciam em função do aumento da mortalidade, por motivos de doença, fome, miséria, epidemias ou guerras.

Mas o decrescimento populacional, em um quadro de aumento do bem-estar humano, é a grande novidade da contemporaneidade. Neste sentido, a transição da fecundidade (de altas para baixas taxas) pode ser considerada uma conquista civilizacional, que ocorre de maneira sincrônica ao processo de desenvolvimento econômico e social.

As taxas de fecundidade começaram a cair nas camadas mais ricas e escolarizadas da população, após o início da queda das taxas de mortalidade infantil. Em geral, as pessoas e os casais tinham muitos filhos para contrarrestar a mortalidade elevada. Quando as crianças pararam de morrer “como mariposas”, as famílias puderam optar por uma prole mais enxuta. Neste processo, ganharam os filhos e, principalmente, o sexo feminino.

Os pais trocaram o investimento na quantidade, pelo investimento na qualidade de vida dos filhos, privilegiando a saúde e a educação. As novas gerações passaram a ter mais direitos de cidadania e mais qualificação para o mercado de trabalho. As mães – que passavam toda a vida adulta voltadas para a criação dos filhos e os cuidados domésticos – puderam investir em si próprias e conquistaram uma carreira profissional com retornos cada vez mais compensadores. Portanto, a transição da fecundidade empoderou as novas gerações e garantiu maior equidade de gênero ao empoderar as mulheres.

Assim, a transição da fecundidade é uma filha legítima da modernidade. O avanço do processo de desenvolvimento (melhoria da renda, educação, moradia, consumo, etc.) ajuda na redução do número de filhos e a queda das taxas de fecundidade ajuda o desenvolvimento humano, pois famílias menores possuem maior mobilidade social ascendente e a redução da base da pirâmide populacional gera uma mudança na estrutura etária que possibilita o surgimento do 1º bônus demográfico.

Por conseguinte, há um processo de retroalimentação recíproco com o desenvolvimento ajudando na redução do número de filhos e a transição da fecundidade ajudando no ritmo de avanço do desenvolvimento. As regiões mais ricas do mundo, com maiores taxas de escolaridade, com maior expectativa de vida e maior padrão de bem-estar, são aquelas que constituíram a vanguarda da transição demográfica (transição de altas para baixas taxas de mortalidade e natalidade).

O gráfico abaixo mostra a transição da fecundidade e a redução do número de nascimentos nas regiões mais desenvolvidas do mundo entre 1950 e 2100. Nos países ricos, a taxa de fecundidade total estava perto de 3 filhos por mulher em meados do século passado, caiu para o nível de reposição (2,1 filhos) em 1974, diminuiu para 1,5 filho por mulher durante a pandemia da covid-19 e deve recuperar um pouco e chegar a 1,7 filho por mulher na década de 2090. O número de nascimentos estava pouco acima de 18 milhões de bebês na década de 1950, caiu para 12 milhões na atual década e deve ficar abaixo de 10 milhões no final do século XXI.

A população das regiões mais desenvolvidas era de 806 milhões de habitantes em 1950, chegou a 1,19 bilhão de habitantes no ano 2000 e deve atingir o pico populacional em 2035, com 1,28 bilhão de habitantes, e, mesmo com o processo de imigração, vai iniciar um processo de decrescimento até 1,15 bilhão de habitantes em 2100.

O gráfico abaixo mostra a transição da fecundidade e a redução do número de nascimentos nas regiões menos desenvolvidas do mundo entre 1950 e 2100. Nos países de renda baixa e média, a taxa de fecundidade total estava acima de 6 filhos por mulher entre 1950 e 1968, caiu para 3 filhos no ano 2000, chegou a 2,4 filhos por mulher em 2023 e deve alcançar o nível de reposição (2,1 filhos) em 2060, finalizando o século em 1,85 filho por mulher. O número de nascimentos era de 74 milhões de bebês em 1950, subiu para 120 milhões no ano 2000 e já alcançou o pico de 130 milhões de bebês em 2012. Portanto, o número de nascimentos já começou  a decrescer também nas regiões menos desenvolvidas, onde deve encerrar o século com 102 milhões de nascimentos em 2100.

A população das regiões menos desenvolvidas era de 1,7 bilhão de habitantes em 1950, chegou a 4,96 bilhões de habitantes no ano 2000 e deve atingir o pico populacional em 2088, com 9,3 bilhões de habitantes. Neste grupo de países também deverá haver uma pequena redução populacional para 9,2 bilhões de habitantes em 2100.

 Portanto, o decrescimento demográfico deve ser a grande novidade do século XXI, tanto nas regiões mais desenvolvidas, quanto, posteriormente, nas regiões menos desenvolvidas. No Brasil, o número de nascimentos foi de 2,5 milhões bebês em 1950, atingiu o pico de 4 milhões no primeiro quinquênio da década de 1980, caiu para 2,6 milhões em 2023 e deve diminuir para 1,5 milhão de bebês em 2100.

De fato, as taxas de natalidade e mortalidade são muito influenciadas pelo avanço da modernização e a melhoria dos indicadores sociais. Sem dúvida, existe uma grande sinergia e uma retroalimentação entre a transição demográfica e o avanço do desenvolvimento humano e ambiental.

O gráfico abaixo apresenta a evolução da população mundial, segmentada por 3 grandes grupos etários, entre 1950 e 2100. A população total era de 2,5 bilhões de habitantes, chegou a 3 bilhões em 1960, 4 bilhões em 1974, 5 bilhões em 1987, 6 bilhões em 1999, 7 bilhões em 2011, 8 bilhões em 2022, deve alcançar 9 bilhões em 2037 e 10 bilhões de habitantes em 2058. Mas o pico populacional global está estimado em 10,43 bilhões em 2086 e a Divisão de População da ONU prevê um decrescimento para 10,35 bilhões em 2100.

No grupo etário 0 a 14 anos havia 868 milhões de pessoas em 1950 e chegou ao pico em 2001, com 1,86 bilhão de pessoas. Portanto, o grupo de crianças e adolescentes (0-14 anos) do mundo já começou a diminuir desde 2002 e deve chegar a 1,70 bilhão de pessoas em 2100. Esta pequena diminuição do número de crianças e adolescentes abre uma janela de oportunidade para o investimento na saúde e na educação dos jovens, preparando as novas gerações para uma vida mais saudável e mais produtiva.

No grupo etário 15-59 anos havia 1,43 bilhão de pessoas em 1950, passou para 3,68 bilhões na virado do milênio, chegou a 4,89 bilhões em 2023, deve atingir o pico em 2068 com 5,75 bilhões de pessoas e apresentar um decrescimento para 5,56 bilhões em 2100. Portanto, globalmente, a população em idade ativa vai continuar crescendo nos próximos 50 anos e a redução da força de trabalho será pequena nas últimas 3 décadas do atual século.

Desta forma, não haverá falta de mão-de-obra no século XXI e, caso haja adequados investimentos na saúde e educação, a força de trabalho poderá produzir mais bens e serviços com menos pessoas e recursos naturais, aproveitando o 2º bônus demográfico (bônus da produtividade). Ou seja, o mundo pode conquistar maiores patamares de bem-estar humano e ambiental privilegiando, não a quantidade, mas a qualidade e a qualificação da população em idade ativa.

No grupo etário 60 anos e mais de idade havia somente 199 milhões de pessoas em 1950, passou para 610 milhões no ano 2000, chegou a 1,14 bilhão de pessoas em 2023 e deve continuar crescendo no restante do século até atingir 3,1 bilhão de idosos em 2100. Portanto, o envelhecimento populacional será a principal característica na nova estrutura etária global, sendo um processo que antecede ao decrescimento populacional. O grupo idoso constituía 5,8% da população total em 1950, passou para 12,5% no  ano 2000, alcançou 14,2% em 2023 e deve atingir 30% em 2100. Não haverá decrescimento da população idosa global no século XXI. Mas este enorme contingente de pessoas pode se transformar em um ativo se houver aproveitamento do 3º bônus demográfico (bônus da longevidade). Para tanto, é preciso vencer o etarismo e a segregação contra as pessoas da terceira idade e investir no envelhecimento saudável e ativo.

Indubitavelmente, vivemos o período de maiores transformações demográficas da história da humanidade. O número de nascimentos globais já está diminuindo desde 2012. O número de crianças e adolescentes, de 0 a 14 anos de idade, já está encolhendo desde 2002. O número de pessoas em idade ativa, entre 15 e 59 anos de idade, deve começar a decrescer a partir de 2069. A população idosa de 60 anos e mais de idade vai decrescer somente no século XXII. E a população total deverá começar a decrescer em 2087.

A despeito da redução do número de nascimentos, há uma grande demanda global não atendida de métodos contraceptivos e de serviços de saúde materna e neonatal, segundo o Instituto Guttmacher. Nos países em desenvolvimento, 214 milhões de mulheres querem evitar a gravidez, mas, por diversas razões, não possuem acesso aos métodos modernos de contracepção. Desta forma, a redução global do número de nascimentos poderá ser maior se houver garantia dos direitos sexuais e reprodutivos.

Assim, o cenário demográfico global do século XXI pode se tornar extremamente positivo, especialmente se houver redução significativa da taxa de gravidez indesejada. A literatura científica mostra que existe uma relação direta entre a queda da fecundidade (com a consequente diminuição do número de nascimentos) e o aumento do Índice de Desenvolvimento Humano. Se as políticas públicas garantirem uma educação universal e de qualidade, o pleno emprego, o trabalho decente, os direitos sexuais e reprodutivos, a justiça social e a sustentabilidade ambiental, então o mundo poderá ter um futuro promissor.

O decrescimento demográfico abre espaço para o decrescimento econômico. Se o ritmo da diminuição da população for superior ao ritmo de redução da economia, haverá crescimento da renda per capita, como mostrei no artigo “Decrescimento demográfico e econômico, mas com bem-estar social e ambiental” (Alves, 13/11/2022). Um menor número de pessoas, especialmente nas camadas mais abastadas, abre espaço para a redução da Pegada Ecológica e a diminuição do déficit ambiental.

O decrescimento demoeconômico com prosperidade social abrirá caminho para as políticas de mitigação e adaptação frente aos desafios da emergência climática e para o fortalecimento do meio ambiente, juntamente com a aceleração da restauração ecológica.

Como disse o economista ecológico Kenneth Boulding (1910-1993): “Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista”. Ao invés de um planeta lotado com baixa qualidade de vida humana e ambiental, há sempre a possibilidade de escolha de um mundo com menos gente, menos consumo conspícuo e mais justiça social e ambiental, acompanhadas de um padrão elevado de bem-estar e da busca da felicidade para toda a comunidade biótica.

Referência:

ALVES, JED. Decrescimento demográfico e econômico, mas com bem-estar social e ambiental, # Colabora, 13/11/2022 https://projetocolabora.com.br/ods10/decrescimento-demografico-e-economico-mas-com-bem-estar-social-e-ambiental/

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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