O eterno status provisório

Assinar uma escritura sem usar uma Monblanc ou uma Parker 51 era como estar condenado à mediocridade eterna. Foto de Monika Skolimowska/DPA

Da Montblanc ao tablet, os sinuosos caminhos da aprovação social

Por Leo Aversa | ODS 12 • Publicada em 6 de setembro de 2016 - 09:45 • Atualizada em 6 de setembro de 2016 - 13:15

Assinar uma escritura sem usar uma Monblanc ou uma Parker 51 era como estar condenado à mediocridade eterna. Foto de Monika Skolimowska/DPA
Assinar uma escritura sem usar uma Monblanc ou uma Parker 51 era como estar condenado à mediocridade eterna. Foto de Monika Skolimowska/DPA
Assinar uma escritura sem usar uma Monblanc ou uma Parker 51 era como estar condenado à mediocridade eterna. Foto de Monika Skolimowska/DPA

– Os bancos de couro estavam no pacote premium de acessórios, vieram junto com o ar condicionado…

– Ar condicionado!!!???

O espanto e admiração tomavam conta da sala

– Pois é, voces não imaginam a diferença que faz…

– E o motor?

Um suspense se formava. O proprietário administrava o seu momento de glória com habilidade. Esperava alguns segundos antes de responder

– Seis cilindros, 4100cc.

E completava para a platéia embevecida

–  Passa dos cento e cinquenta!

A inveja e a admiração tomavam conta do ambiente e todos saiam numa romaria invejosa conferir o carro que acabava de ser adquirido.

Quando eu era criança, nos anos 70/80 a compra de um automóvel era um grande momento. Era o principal símbolo de status da classe média. Carro zero então, nem se fala, só faltavam fogos de artifício e tapete vermelho. E o assunto sempre estava presente em almoços ou reuniões familiares. Sempre tinha alguém esperando um modelo novo sair, ou uma rodinha comentando as vantagens de um motor sobre o outro, etc e tal.

O cobiçado Rolex, um dos maiores símbolos de status de todos os tempos. Foto de Astrid Stawiarz/Getty Images
O cobiçado Rolex, um dos maiores símbolos de status de todos os tempos. Foto de Astrid Stawiarz/Getty Images

Com relógios era a mesma coisa.

Tinha o que podia mergulhar quinhentos metros, tinha o que só atrasava um segundo a cada mil anos, tinha o que valia milhões e estava na familia há mais de dez gerações. As  pessoas enchiam a boca para falar Rolex, Omega ou Patek Philippe. Nem os suíços tinham tanta obsessão com o registro do tempo. O dia em que o pai presenteava o filho com um relógio era o ápice da adolescência. Ali se separavam os homens de classe média dos meninos de classe média. Um rito de passagem comparável à carteira de motorista aos dezoito.

E as canetas?

Tinha que escrever algo importante, assinar uma escritura, dar o sim do casamento no registro civil? Se não fosse de Monblanc ou Parker 51 sua vida estava condenada à mediocridade eterna. Caneta Bic só era admitida, a contragosto, no dia a dia, para a lista de compras anotada no papel do pão ou recado de telefone. Cheque? Só se fosse de valor baixo. A caneta grifada no estojo de veludo era um presente clássico do avô para o neto. A cara de decepção do neto que esperava receber um autorama também era outro clássico.

Acho que, ao menos na classe média daquele tempo, um homem só ganhava  o respeito irrestrito com um bom relógio, carro decente e caneta cara.

Por sorte o tempo passou

Carro? Virou coisa de tiozão cafona.

Se você vai de carro numa festa de fotógrafos/designers/músicos/atores, por exemplo, tem que dizer que pegou emprestado do seu avô excêntrico. Ou então, melhor ainda, estacione dois quarteirões antes, pegue um onibus, ponha a cabeça para fora para que todos na porta o vejam e desça no primeiro ponto. É a melhor maneira de chegar causando. Carro é poluidor, carro gasta, carro atrapalha o transporte público. Tudo de ruim. Se for grande então, pior. Esportivo então, pior ainda, é caso de internação por surto de coxinhice.

Relógio? Tem hora no celular

Um acessório geriátrico, se for dos modelos normais. Tipo bengala mas sem o charme desta. Um ou outro hipster pode admitir algum que tenha história de família, desde que seja de ponteiros e tenha fundo azul turquesa. Um Casio digital vintage também tá valendo, ainda mais se vier acompanhado de bigode irônico. Se voce não entendeu, saia pela rua e conte o numero de pessoas com menos de vinte e cinco usando relógio de pulso. Pois é.

Caneta? Serve pra quê mesmo?

Montblancs e Parkers são usadas atualmente apenas para assinar extrema unção fashion e atestado de óbito social. É mais fácil uma criança adivinhar a função de um gramofone do que a de uma caneta-tinteiro. Fora do circuito ABL – Antiquarius – Confeitaria Colombo pode ser confundida com uma arma de defesa pessoal. Ou um vibrador

Ainda bem que me livrei desses símbolos de status rídiculos, fúteis e desnecessários. Sou moderno e antenado. Agora só quero saber de celular, televisão e tablet.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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