E as pessoas continuam na sala de jantar

Rita Lee, em 2012, se apresentando durante o show de Serginho Groisman, em São Paulo. Foto Marcos Mazini/TV Globo via AFP

Que bom seria se a vida e as músicas de Rita Lee tivessem ajudado os brasileiros a tirar a bunda da cadeira

Por Agostinho Vieira | ArtigoODS 16 • Publicada em 9 de maio de 2023 - 19:11 • Atualizada em 25 de janeiro de 2024 - 17:00

Rita Lee, em 2012, se apresentando durante o show de Serginho Groisman, em São Paulo. Foto Marcos Mazini/TV Globo via AFP

“Mandei fazer
De puro aço luminoso um punhal
Para matar o meu amor e matei
Às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer”

Esta estrofe de “Panis Et Circenses”, canção de Caetano Veloso e Gilberto Gil, imortalizada na voz de Rita Lee, quando ainda fazia parte dos Mutantes, poderia perfeitamente servir como fundo musical da história do comerciante Osil Vicente Guedes, que morreu esta semana após ser espancado numa rua do Guarajá, no litoral paulista. Uma das versões do caso dá conta de que ele teria sido acusado, injustamente, de roubar uma moto. Outra levanta a suspeita de que seria uma vingança da ex-mulher. Pouco importa. Osil morreu por ser espancado, na rua, na frente de um monte de gente. Não foi na avenida central e nem às cinco horas, mas as pessoas continuaram na sala de jantar, ocupadas em nascer e morrer.

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Na verdade, “Panis Et Circenses” ou “Pão e Circo”, composta em 1968, em plena ditadura militar, funcionaria bem como música de fundo para centenas de outras notícias. Muitas que nem saem mais no jornal. O Brasil terminou o ano de 2022 com 33 milhões de famintos, quase o dobro do que tinha em 2020? O preço dos remédios subiu novamente? Os Yanomamis continuam sendo massacrados por garimpeiros? O desmatamento da Amazônia bateu um novo recorde? O ex-presidente falsificou o certificado de vacinação? Ninguém sabe ainda quem mandou matar Marielle Franco? E daí? As pessoas seguem na sala de jantar, ocupadas em nascer e morrer.

Rita Lee, maior estrela do rock brasileiro, morreu aos 75 anos, vítima de um câncer no pulmão que vinha combatendo há dois anos. Em sua autobiografia, no seu estilo irreverente, contou o que aconteceria quando morresse: “Quando morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá. Fãs, esses sinceros, empunharão meus discos e entoarão ‘Ovelha Negra’, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória. Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a véia já tivesse morrido, kkk’.” Exato, todos indiferentes, nas suas salas de jantar, ocupados em nascer e morrer.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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