A festa da firma

Conforme o teor alcoólico coletivo entra no grau inflamável, começa o apocalipse. Foto Divulgação

Cuidado, ela está chegando, você precisa estar preparado e manter a dignidade

Por Leo Aversa | ArtigoODS 12 • Publicada em 15 de dezembro de 2017 - 09:48 • Atualizada em 15 de dezembro de 2017 - 13:05

Conforme o teor alcoólico coletivo entra no grau inflamável, começa o apocalipse. Foto Divulgação
Conforme o teor alcoólico coletivo entra no grau inflamável, começa o apocalipse. Foto Divulgação
Conforme o teor alcoólico coletivo entra no grau inflamável, começa o apocalipse. Foto Divulgação

Chega o fim do ano e com ele uma das mais terríveis e horrendas formas de tortura: a festa da firma

Se você já teve algum contato com o mundo corporativo, sabe do que estou falando e treme de medo à sua menção. A festa de fim de ano da firma serve para juntar, sob efeito excessivo do álcool, pessoas que convivem o ano inteiro, oito horas por dia, cinco dias por semana, o que também é um excesso. Aquela gente que você vê mais que seus amigos e familiares e se lamenta profundamente por isso.

Não existe escapatória para a festa de fim de ano. Se você não for será considerado metido a besta, uma fama que pode custar sua promoção

As empresas tem normas internas que impedem, em tese, a selvageria no dia a dia: linchamentos e execuções sumárias não são vistos com bom olhos, ao menos dentro das dependências e em horário comercial. A festa de confraternização existe para preencher esse vácuo. É lá que o Mendoncinha do almoxarifado vai dizer umas verdades pro chefe dele, é lá que o Erivelton do Marketing vai confessar sua paixão pela Jéssica do Financeiro e também é lá que a rixa entre os petralhas do RH e os coxinhas do jurídico vai ser resolvida de uma maneira definitiva. E você, você vai ser o convidado de honra dessa novela mexicana anabolizada, sem intervalos comerciais ou final feliz.

Não existe escapatória para a festa de fim de ano. Se você não for será considerado metido a besta, uma fama que pode custar sua promoção. Por outro lado, isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde, já que hoje em dia quem lê mais de cinco linhas e utiliza talheres é considerado um esnobe incorrigível. De qualquer maneira, em nome da carreira, é preciso ser forte e encarar a tigrada.

A festa até começa bem, com aquelas migalhas de educação que os cariocas chamam de formalidade. Mas aí a vontade de dar prejuízo no open bar cobra o seu preço. O aperto de mão logo vira tapão nas costas que por sua vez vira abraço suado. É quando surge o Waldomiro, mala mestre da repartição, cuja gagueira (redundância vocal, para não ser politicamente incorreto) lhe rendeu o apelido de wawawa.  Ele vai ficar pendurado por horas no seu pescoço, dizendo, naquele idioma de bebum que arrasta as palavras e é metade falado e metade cuspido, que te “considera pra c..,” e que você é um sujeito incrível.

A ele vão se juntar a Zenaide, de Compras, e a Dorinha, da portaria. Os três vão ficar falando mal de todos os outros funcionários. Inclusive de você, assim que der as costas.

Não podemos esquecer do dress code, que é um capítulo à parte nas festas de firma. Se no dia a dia os funcionários escondem a cafonice atrás de ternos baratos e tailleurs ultrapassados, no dia da festa querem “arrasar”, o que significa abrir a porta do inferno do mau gosto. Aparecem aquelas misturas de estilos e décadas, como clubber-sertanejo, chacrete funkeira e o personagem símbolo desse tipo de evento, o tiozão coxinha vintage, como o Wawawa, cujo figurino faria um bonito no desfile de fantasias do Hotel Glória de 1973, categoria originalidade. É o Waldomiro e seus clones que vão dar o tom da festa.

Conforme o teor alcoólico coletivo entra no grau inflamável, começa o apocalipse. A Dona Clotilde, secretária do vice presidente, que tem idade para ser a sua avó, começa a te jogar um papo furado sobre um after party no Bairro Peixoto. Já o Wawawa, o mala mestre, explica para a estagiária que o casamento dele está em crise e que ele está à procura de “opções”, tudo isso a dois centimetros do ouvido da pobre moça. Quando esta consegue fugir ele vai chatear o treinee, dando lições de vida não solicitadas e conselhos inúteis ao novato, que na manhã seguinte vai pedir demissão, horrorizado com seu futuro corporativo.

Wawawa vai terminar a noite em cima de uma mesa, cantando “Evidências” atracado à Dona Clotilde. O Erivelton do Marketing vai tomar um fora da Jéssica do financeiro e, aos prantos, vai se juntar ao Mendoncinha do almoxarifado, que mais uma vez não teve coragem de dizer umas verdades para o chefe. Já os petralhas do RH e os coxinhas do jurídico vão resolver as suas diferenças misturando fermentados e destilados e terminarão abraçados, fazendo coreografias bizarras ao som de Abba e Village People

Já você terminará a noite apoiando a reforma trabalhista: se o emprego de carteira assinada resulta nisso que você acabou de ver  é melhor mesmo acabar com ele. Melhor partir para a mendicância de uma vez por todas.

Mas mantendo a dignidade.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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