Bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar

O ex-presidente Lula, que fará 77 anos no dia 27 de outubro, chega ao segundo turno liderando todas as pesquisas. Foto Nelson Almeida/AFP

Nunca antes na história deste país, tantos brasileiros vão dever tanto para um senhor de quase 80 anos

Por Agostinho Vieira | ArtigoODS 16 • Publicada em 11 de outubro de 2022 - 10:05 • Atualizada em 30 de janeiro de 2024 - 14:51

O ex-presidente Lula, que fará 77 anos no dia 27 de outubro, chega ao segundo turno liderando todas as pesquisas. Foto Nelson Almeida/AFP

Nos últimos 30 anos, desde a promulgação da Constituição de 88, os idosos entraram na lista dos principais provedores das famílias brasileiras. Eles são responsáveis por 70% da renda em 34% dos domicílios, e chegam a responder por 90% do orçamento familiar em 21% das casas. Hoje, cerca de 20 milhões de pessoas dependem do dinheiro ganho pelos maiores de 60 anos. Mas, nesta eleição, um idoso específico, que vai completar 77 anos no próximo dia 27 de outubro, vem pagando a conta de mais de 210 milhões de brasileiros. Exagero? Tire o rosto de Luiz Inácio Lula da Silva da urna eletrônica e veja o que sobra: desemprego, fome, miséria, desmatamento, universidades fechadas, saúde sucateada, mulheres agredidas, mentiras, negacionismo, ódio…

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Pense em outro brasileiro ou brasileira, jovem, velho, negro, branco ou indígena com condições de angariar mais de 57 milhões de votos num primeiro turno? Apesar deste resultado impressionante contra a máquina do governo e a indústria da mentira, o velhinho de São Bernardo continua sofrendo bulling. Uns pedem a divulgação do nome de um ministro da Fazenda, outros exigem uma política econômica, os detalhes das reformas…Até a camiseta vermelha, de que tanto gosta, dizem que não deveria mais usar.

Tratam o campeão de votos como se fosse um desconhecido. Ele foi presidente por duas vezes, respeitou contratos, manteve o equilíbrio fiscal, levou o país a ser a sexta maior economia do mundo. Trouxe Geraldo Alckmin, antigo adversário, para ser seu vice. Conquistou o apoio dos economistas do Real, de Simone Tebet e de FHC por conta do seu inabalável respeito à democracia. O artigo 10 do Estatuto do Idoso diz que “é dever de todos zelar pela dignidade da pessoa idosa, colocando-a a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Logo, o que estão fazendo com o Lula é crime.

Quem vê esse pernambucano de Garanhuns pulando num carro de som na Avenida Paulista ou dançando xaxado com Janja em ato de campanha esquece que ele tem quase 80 anos, e que não precisaria estar ali. Numa espécie de Geni da política, Lula passou a ser o único nome capaz de enfrentar o fantasma da extrema direita no Brasil, a estupidez dos camisas amarelas, a violência do comandante de um zepelim de Fake News que ameaça emparedar o STF, destruir as instituições e envergonhar o país.

Lula posa para foto após encontro com o Frei Davi e os frades franciscanos. Foto Maurício Rummers/Brazil Photo Press
Lula posa para foto após encontro com o Frei Davi e os frades franciscanos. Foto Maurício Rummers/Brazil Photo Press

Há dois anos, em entrevista à repórter Ana Carolina Amaral, da Folha de S.Paulo, o antropólogo, filósofo e professor francês Bruno Latour, que morreu esta semana, disse que se o Brasil encontrasse uma solução para suas crises política e ecológica poderia salvar o resto do mundo:

“Como eu posso dizer isso sem parecer desesperado? Se vocês administrarem uma solução, vocês salvam o resto do mundo. Porque em nenhum lugar há a mesma intensidade das duas tempestades se juntando, a ecológica e a política. O Brasil é hoje como a Espanha era em 1936, durante a Guerra Civil: é onde tudo que vai ser importante nas próximas décadas está visível”, explicou Latour, um dos mais importantes pensadores da sua geração.

Latour liga o crescimento da extrema direita no mundo com a crise climática, em um movimento que ele chama de escapismo: “A crise é tamanha que já se entende que o mundo todo vai ser impactado, mas, como sempre, os mais impactados serão aqueles que sofrem com as desigualdades. Fiquei espantado quando soube que o presidente do Brasil disse que não se importava ou que não podia fazer nada sobre as mortes por coronavírus. Sempre foi básico, até para neandertais, que, se você é um líder, terá que cuidar do seu povo, não pode apenas dizer “que pena, pessoal”. O escapismo é a principal ameaça no mundo”, sentencia o filósofo.

Ainda bem que esse brasileiro de quase 80 anos não escapou da sua responsabilidade. E segue lutando. Os seis milhões de votos de vantagem abertos no primeiro turno e os números das pesquisas do segundo turno ainda não garantem a vitória final, mas Lula pode dizer, como São Paulo, na bíblia, que combateu o bom combate, terminou a corrida e guardou a fé. Ele não precisa mostrar mais nada. Seu legado e sua trajetória já fazem parte da história do Brasil, ninguém muda mais isso.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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