A quem interessa a guerra Israel-Hamas?

Palestino caminha entre os escombros de edifícios destruídos durante os ataques aéreos israelenses no campo de refugiados de Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Foto Mohammed Abed/AFP. Em 16 de outubro de 2023.

Por trás de canhões, bombas, reféns, mortos e muito medo, uma batalha fratricida pela opinião pública

Por Agostinho Vieira | ArtigoODS 16 • Publicada em 16 de outubro de 2023 - 16:26 • Atualizada em 25 de janeiro de 2024 - 16:51

Palestino caminha entre os escombros de edifícios destruídos durante os ataques aéreos israelenses no campo de refugiados de Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Foto Mohammed Abed/AFP. Em 16 de outubro de 2023.

Existe uma técnica muito antiga, muito simples e muito eficiente usada em redações de jornais para investigar determinadas histórias. Ela começa com uma pergunta básica: Quem ganha com isso? Vou dar um exemplo. Imagine uma cidade qualquer onde o prefeito decidiu gradear todas as suas praças. Quem ganha com isso? Essa pergunta pode ter várias respostas. Alguns podem dizer que parte da população, preocupada com falta de segurança vai ficar feliz. Outros dirão que a população em situação de rua que antes dormia na praça ficará ainda mais abandonada, talvez revoltada e todos vão perder. Só que população em situação de rua não vota. Pode ser que o prefeito ganhe alguns votos com a decisão. Quem mais ganha com isso? Que empresa ou empresário local seria capaz de produzir tantas grades no prazo estipulado? Quanto ele vai ganhar com isso? Qual o tamanho desse negócio? E a licitação? Acho que vocês já entenderam. São muitas as perguntas que precisam ser respondidas.

Mas, neste momento, ninguém está muito interessado em grades e prefeitos. A pergunta é: Quem ganha com a guerra Israel-Hamas? Assim como no exemplo das praças, uma primeira linha de investigação poderia ter relação com negócios, dinheiro. Só para se ter uma ideia, as 100 maiores empresas da indústria bélica mundial venderam, em 2020, US$ 531 bilhões, o equivalente a R$ 3 bilhões. Advinha quem domina esse mercado? Só as empresas dos Estados Unidos são responsáveis por 54% desse valor. Os dados são do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês).

Soldado israelense apoia a cabeça no cano de um obus de artilharia autopropelida enquanto soldados israelenses tomam posições perto da fronteira com Gaza, no sul de Israel. Foto Jack Guez/AFP. Em 9 de outubro de 2023
Soldado israelense apoia a cabeça no cano de um obus de artilharia autopropelida enquanto soldados israelenses tomam posições perto da fronteira com Gaza, no sul de Israel. Foto Jack Guez/AFP. Em 9 de outubro de 2023

Mas a ideia de seguir o dinheiro, tão popularizada nas produções cinematográficas, não é o único caminho. Uma outra pergunta possível é: Por que diabos um pequeno grupo terrorista abrigado na faixa de Gaza resolveu atacar um país que tem um dos exércitos mais equipados e treinados do planeta? Visibilidade, prestígio? Bem, isso, certamente eles ganharam. O que mais? Nessa batalha de Davi e Golias, o que eles pareciam querer, e estão conseguindo, é exatamente uma reação extremada e tresloucada de Israel. Se as tropas de Benjamin Netanyahu cumprirem todas as ameaças e invadirem a faixa de Gaza por terra, matando 500 mil ou 1 milhão de civis, incluindo mulheres e crianças, quem terá vencido a guerra?

Do outro lado da fronteira a situação não é muito diferente. Logo no início dos conflitos, o maior jornal israelense, o Haaretz, publicou uma reportagem revelando que, em uma reunião fechada do Likud, partido de Netanyahu, o primeiro-ministro disse: “qualquer pessoa que queira impedir o estabelecimento de um estado palestino tem que apoiar o fortalecimento do Hamas e a transferência de dinheiro para o Hamas. Isso faz parte da nossa estratégia”. Traduzindo: quanto mais radical for o Hamas, quanto mais for possível transformar a causa palestina em sinônimo de terrorismo, melhor para Israel. Desenhando: Hamas = Terror = Palestina. Aliás, o único jornal brasileiro que publicou essa história foi o Intercept, o link é este aqui.

Parece loucura e é loucura, mas quem mais ganha ou pensa que ganha com o ataque terrorista do Hamas e com a reação genocida de Israel são, exatamente, o Hamas e Israel. Ou melhor, para ser honesto, a ala radical de extrema-direita de Israel representada pelo atual primeiro-ministro. A briga, no fundo, não é só por territórios, é pela opinião pública. Ou, como virou moda no Brasil, pela melhor “narrativa”. Terroristas ou Genocidas, de que lado você está? E nessa briga por likes, vale tudo, especialmente mentir. Tem a história dos bebês degolados pelo Hamas, uma mentira que até o presidente americano Joe Biden ajudou a espalhar e depois desmentiu. Teve a cascata dos aviões israelenses que teriam bombardeado uma igreja histórica em Gaza. A igreja continua lá. Tem gente espalhando fotos de guerras antigas dizendo que são atuais, não importa.

O Brasil, obviamente, não podia ficar de fora desse Fla x Flu. Os robôs da extrema-direita nacional se apressaram em espalhar o discurso de que o PT ou a esquerda apoiava o Hamas, logo, os terroristas, logo são todos terroristas. Já os partidários do ex-presidente Bolsonaro estariam com Israel, com as vítimas. No melhor estilo mocinho e bandido, Tom e Jerry, Coiote e Papa-Léguas etc. Resumir a questão palestina ao Hamas é como dizer que o Brasil é dominado por loucos, reacionários, racistas, misóginos, que destroem o Congresso, o STF e duvidam que a Terra seja redonda. Todos sabemos que isso não é verdade, certo? Aqui, mais uma vez, cabe a pergunta: Quem ganha com isso? As respostas não são difíceis, basta sair do campo de batalha das redes sociais por alguns minutos e pensar um pouco. Agora, e se a pergunta for, quem perde com isso? Essa resposta é ainda mais fácil: todo mundo.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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