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Fundo Brasil. Foto de Ernesto Rodrigues/ Fundo Brasil

Fundo Brasil de Direitos Humanos

Por Florência Costa | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 23 de janeiro de 2017 - 09:21 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:19

Fundo Brasil. Foto de Ernesto Rodrigues/ Fundo Brasil
Fundo Brasil. Foto de Ernesto Rodrigues/ Fundo Brasil
Militantes do Fundo Brasil lançam campanha em São Paulo, em frente ao Masp, na Avenida Paulista. Foto de Ernesto Rodrigues/ Divulgação

Uma das poucas organizações capazes de mobilizar verbas para apoiar temas que questionam o status quo e dividem opiniões, o Fundo Brasil de Direitos Humanos completou 10 anos em dezembro.

A ideia de criar este fundo nasceu em 2003, quando ativistas de direitos humanos de diferentes ONGs do Brasil começaram a perceber que a captação internacional minguava. Para olhares internacionais, o Brasil deixara de ser prioridade de investimento em direitos humanos.

A ideia era dialogar com duas questões fundamentais para os direitos humanos no país. A primeira era a proteção dos direitos das vítimas da violência institucionalizada e da discriminação. A segunda, o fato de que a sociedade brasileira desconhecia a importância e dificilmente apoiava organizações de direitos humanos

Em 2006, o fundo foi criado com o aporte de US$ 3 milhões da Fundação Ford. “A ideia era dialogar com duas questões fundamentais para os direitos humanos no país. A primeira era a proteção dos direitos das vítimas da violência institucionalizada e da discriminação. A segunda, o fato de que a sociedade brasileira desconhecia a importância e dificilmente apoiava organizações de direitos humanos”, explica Ana Valéria Araújo, coordenadora executiva do Fundo Brasil.

Apoio a projetos

Reunião do Fundo Brasil. Foto de Ronny Santos/ Divulgacao
Representantes das organizações apoiadas pelo Fundo Brasil participam de reunião anual da entidade. Foto de Ronny Santos/Divulgação

Nestes últimos 10 anos, foram apoiados cerca de 300 projetos com a doação de R$ 12 milhões diretamente a organizações que trabalham com temas variados como justiça criminal, racismo, orientação sexual, defesa de mulheres, terra e território, cidadania, questões socioambientais, tráfico de pessoas, entre outros.

O Fundo Brasil, sustentado em boa parte com recursos de ONGs internacionais, é fiscalizado pelo Ministério Público por ser uma fundação.  A instituição atua como uma ponte entre potenciais doadores de recursos e organizações locais, especialmente as que se dedicam às mobilizações.

A ajuda financeira é oferecida por meio de editais e cartas-convites para pequenas organizações e grupos sem possibilidade de acesso a verbas. Há os editais anuais – com foco na proteção dos direitos das vítimas da violência institucionalizada e da discriminação – editais específicos e cartas-convites.

O foco desde o início foi o de atuar nas causas, mais do que minimizar as consequências das desigualdades no país. “Apoiamos grupos e organizações que estavam na vanguarda dos temas de direitos humanos, como por exemplo o direito das mulheres, o enfrentamento ao racismo, a violência policial e os direitos dos jovens, que hoje estão, inclusive, pautando o debate político no Brasil. Empoderamos os que tem pouco ou nenhum acesso a outras fontes de recursos. Estamos onde ninguém está”, diz Ana Valéria.

Seleção rigorosa

Fundo Brasil Foto de Jarbas Oliveira/ Divulgacao
Povo Tabepa conta com o apoio do Fundo Brasil na luta pela demarcação de suas terras, no Ceará. Foto de Jarbas Oliveira/ Divulgação

Os vencedores dos editais anuais recebem até R$ 40 mil, cada. Há uma média de 800 propostas por ano. Destas, são selecionadas cerca de 20. Os projetos inscritos passam por um processo de seleção rigoroso: são analisados por comitês formados por especialistas sem nenhum laço com a fundação. Os editais com temas específicos são feitos em parceria com outros financiadores e permitem a expansão do alcance do apoio oferecido no campo dos direitos humanos.

As cartas-convites acontecem em determinados temas nos quais poucas organizações estão aptas a trabalhar. Um exemplo: em 2012, o Fundo Brasil escolheu o tema “Justiça Criminal” e, após uma pesquisa para detectar as organizações que trabalham com a questão, apoiou a Pastoral Operária e a Justiça Global (as duas entidades têm permissão de entrar em presídios). O foco eram os presos provisórios, maioria em todos os estados brasileiros.

A intenção da fundação é ter abrangência geográfica e temática. Organizações das mais variadas áreas já foram contempladas, como a Associação Pernambucana de Mães Solteiras (APEMAS), o Fórum Estadual da Juventude Negra do Espírito Santo (FEJUNES), o Centro de Defesa da Vida dos Direitos Humanos Carmen Bascaran, que luta contra a escravidão contemporânea em Açailândia (MA), o Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM), de luta por justiça ambiental, e a Conexão LGBT nas Favelas.

Uma determinada organização pode receber verbas apenas duas vezes, em um prazo de cinco anos. O limite de tempo é para garantir a diversidade e para que a ajuda possa ser oferecida a novos atores. Pelos contratos, o dinheiro é parcelado, em duas vezes. No meio do trajeto, há uma prestação de contas e, somente após a aprovação, a segunda parcela do dinheiro é liberada.

Além da doação financeira, os projetos selecionados são apoiados com o oferecimento de formação dos defensores dos direitos humanos e com visitas de monitoramento, que tem o objetivo de fortalecer as organizações.

Neste ano, além do edital anual , há o edital específico “litigância estratégica, advocacy e comunicação para promoção, proteção e defesa dos direitos humanos”, que procura apoiar ações de litígio estratégicas que conduzam à transformação social. Serão apoiados 11 projetos com duração máxima de 18 meses. Neste caso, cada organização selecionada receberá até R$ 80 mil.

Ativistas de renome

Quatro personalidades reconhecidas pela sociedade brasileira e internacional pelo seu exemplo de dedicação à causa dos direitos humanos foram os instituidores do Fundo Brasil: Abdias do Nascimento (1914-2011), um dos mais importantes ativistas brasileiros na luta contra o preconceito racial; a socióloga Margarida Genevois, que lutou contra as violações da ditadura militar e foi presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Rose Marie Muraro (1930-2014), ativista do movimento feminista e autora de dezenas de livros; e Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT), adepto da Teologia da Libertação, defensor da reforma agrária, atuante na luta contra o trabalho escravo.

Há um conselho-curador de 15 pessoas (voluntárias), que se reúne duas vezes por ano para traçar as linhas gerais de atuação. Quatro integrantes deste conselho formam uma diretoria que acompanha mais de perto a execução das políticas da instituição.

 

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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