ODS 1
CREN – Centro de Recuperação e Educação Nutricional

“Cenourinha, cenourão, vou comer de montão”. Na rua das Azaléias, em Mirandópoles, zona sul de São Paulo, é esse o som que escapa de uma das cinco janelas do prédio que anuncia presença pela vivacidade de suas cores: vermelho, azul e amarelo. A canção é puxada por uma voz adulta que, a cada refrão, ganha coro infantil e entusiasmado. Já do lado de dentro dos portões do número 244, deixamos a audição de lado para dar vez a outro sentido, o olfato. Em uma terça-feira, às dez e meia da manhã, o lugar está preenchido pelo cheiro do almoço que está sendo preparado – capaz de nos remeter às refeições de domingo em família, ou do final de tarde, na casa da avó.
O Centro de Recuperação e Educação Nutricional, conhecido como Cren, é responsável pelo tratamento de crianças e adolescentes em situação de subnutrição e obesidade. Na década de 1980, o “Projeto Favela”, desenvolvido como um programa de extensão por professores e estudantes da antiga Escola Paulista de Medicina (Unifesp) levantou a questão da desnutrição infantil em favelas. Com a pesquisa em comunidades ao redor da universidade, identificou-se um número de crianças subnutridas três vezes maior do que os índices oficiais do município.
Por meio do levantamento e da vontade de tratar o problema encontrado, a ONG surge em 1993 impulsionado por um investimento do governo italiano e da Fundação AVSI, sediada na Itália. Com uma equipe de profissionais voltada principalmente às áreas de nutrição e psicologia, o centro funciona na Vila Mariana e na Vila Jacuí. Ao todo 95 funcionários trabalham com carteira assinada em meio a cerca de 40 voluntários, que fazem trabalhos pontuais. O atendimento à crianças e adolescentes se dá em três níveis: à comunidade, ambulatorial, com capacidade para atender mais de mil crianças em cada unidade, e em hospital-dia, que atende 142 crianças nas duas unidades.
A partir da avaliação nutricional e da situação social da família, determina-se o tratamento adequado para cada criança. Uma das principais preocupações da ONG é garantir que o tratamento não influencie apenas no desenvolvimento físico do paciente subnutrido ou obeso, mas garanta, sobretudo, condições de estabilidade familiar e social que vão permitir a ela uma vida saudável mesmo após o término do tratamento. No hospital-dia, as crianças subnutridas, de 0 a 6 anos de idade, em estado mais grave, recebem tratamento de segunda a sexta-feira, das 7h às 17h. São oferecidas refeições balanceadas e acompanhamento médico, nutricional, psicossocial e educacional. A parte ambulatorial, por sua vez, presta assistência a crianças e adolescentes (0 a 18 anos) subnutridos e obesos tanto em suas sedes quanto nas comunidades.
Além do arroz com feijão
Com o apoio da Prefeitura Municipal de São Paulo e da Secretaria Municipal de Educação desde o seu nascimento, Gisela Solymos, gerente geral do Cren, conta que a organização não se restringe às atividades internas: “Tentamos influenciar nas políticas públicas.”
A convite do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), nos anos 2000, a ONG sistematizou sua metodologia de trabalho.O objetivo da instituição era facilitar a clonagem do trabalho para o restante do Brasil e, paralelamente, fosse traduzido para espanhol e francês por meio da coleção “Vencendo a desnutrição” – um conjunto de manuais técnicos, livros de receita, folhetos educativos e vídeos. Três anos depois, o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP) montou um grupo de trabalho junto com a equipe do Cren para dialogar com o poder público. O “Nutrição e Pobreza” existe até hoje e organiza estudos, debates e oficinas.
Em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o programa de combate à subnutrição foi replicado em Minas Gerais, em parceria com a Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais. Batizado de “Eu aprendi, eu ensinei”, o programa foi implantado em 53 escolas públicas mineiras, na região Norte do Estado, atingindo 16 mil alunos e 800 professores.
Como consta no relatório de 21 anos de atividade da instituição, o Cren surge como uma proposta acadêmica e estrutura-se como tal, mas tem como objetivo, sobretudo, construir pontes para alcançar a sociedade. Além de sua relação com o governo nos âmbitos federal, estadual e municipal, o Centro tem como seus principais apoiadores o Hospital Nove de Julho, a Fundação AVSI e o Instituto AZZI.
[g1_quote author_name=”Juliana Calia” author_image=”Nutricionista” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Hoje as pessoas economicamente desfavorecidas têm mais acesso aos alimentos industrializados, que são mais baratos e mais ricos em gordura e açúcar
[/g1_quote]A ONG agiu até 2006 voltada apenas à subnutrição, quando estabeleceu um convênio com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e precisou reorganizar-se internamente para ampliar sua atuação e atender casos de obesidade infantil também.
A prestação de contas do Cren não é publicada no site, embora, de acordo com a gerente geral Gisela Solymos, haja planejamento para que isso comece a ser feito. Não tem ainda data marcada para começar. Por outro lado, Giuliano Giovanetti, analista de comunicação da organização, afirma que, a cada ano, é publicado o balanço contábil da instituição nos jornais, especialmente publicações de bairro, como o “Ipiranga News” e o “Jabaquara News” – veículos que divulgaram o balanço dos dois últimos anos, por terem menor preço de edição. Periodicamente, a ONG apresenta sua contabilidade à Prefeitura Municipal de São Paulo, além de auditorias externas independentes, onde é avaliado contratos, fluxos de pagamento e patrimônio. Nos últimos anos, as auditorias foram realizadas pela Ernst & Young e pela Cokinos Auditores & Consultores.
De acordo com dados fornecidos pelo Cren para a reportagem, em 2014 foi servido o total de 32.805 refeições em suas unidades.
Larissa Rosa
Fotógrafa e estudante do 2º ano de jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, onde também trabalha como monitora da Pós-graduação e assistente editorial da Revista Líbero.