ODS 1
Aqui se colhe o que se descarta
Associação Prato Cheio
Em meio a toneladas de concreto e quilômetros de asfalto, São Paulo tem se tornado terreno fértil para uma rede de atores que busca cultivar solidariedade e sustentabilidade. Através de uma verdadeira colheita urbana — sem enxadas, mas também sujeita a safras e metas de produção —, entidades dedicam-se a coletar alimentos excedentes em comércios e distribuir à população em situação de vulnerabilidade social.
A atividade tem sido a receita da Associação Prato Cheio há 18 anos para reduzir o desperdício de alimentos e minimizar os efeitos da fome. A iniciativa surgiu depois que um grupo de amigos universitários identificou o descarte de um grande volume de alimentos no Mercado Municipal de São Paulo. Na ocasião, o comércio encerrava as atividades aos sábados para retomar apenas na segunda, o que gerava um excedente não comercializado, mas ainda próprio para o consumo.
Da distribuição informal dos alimentos fora do padrão comercial, o grupo se formalizou e constituiu-se como organização da sociedade civil. Atualmente, o principal projeto, a Rota Solidária, funciona como um sistema de arrecadações e redistribuições. Em 2018, movimentou 278 toneladas de alimentos, beneficiando três refeições diárias de 11,8 mil pessoas em entidades assistenciais parceiras, como creches, orfanatos, asilos e abrigos. São frutas, verduras, legumes e outros perecíveis descartados por supermercados, hortifrútis, indústrias ou padarias por questão de tamanho, aparência ou mesmo grau de amadurecimento.
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A alimentação faz parte do desenvolvimento humano básico. É essencial para garantir o desenvolvimento intelectual e físico, principalmente para crianças e adolescentes. Buscamos nesse trabalho promover o fortalecimento nutricional com frutas, legumes e verduras. As instituições recebem normalmente os produtos industrializados, não perecíveis. Itens frescos fazem a diferença na qualidade nutricional
[/g1_quote]— A alimentação faz parte do desenvolvimento humano básico. É essencial para garantir o desenvolvimento intelectual e físico, principalmente para crianças e adolescentes. Buscamos nesse trabalho promover o fortalecimento nutricional com frutas, legumes e verduras. As instituições recebem normalmente os produtos industrializados, não perecíveis. Itens frescos fazem a diferença na qualidade nutricional — ressalta Nuria Chaim, engenheira de alimentos e gerente-geral da Prato Cheio.
Há quase três décadas, o Núcleo de Convivência São Martinho de Lima atende moradores de rua do Centro de São Paulo. A unidade funciona no estilo portas abertas servindo cerca de 900 refeições por dia, além de oferecer atendimentos de saúde e atividades socioeducativas. Um convênio com a prefeitura garante 75% das refeições, o restante vem de doações de entidades como a Prato Cheio. A ONG indica semanalmente o local de retirada dos alimentos, cerca de 200 quilos.
— A parceria possibilita atender um número maior de pessoas e também diversificar e complementar as refeições oferecidas com ingredientes frescos. Muitos dos frequentadores têm no núcleo a única possibilidade de alimentação saudável. Consomem frutas e legumes
em vez de ficar na rua à mercê da doação de transeuntes — explica Rosário Dourado, assistente técnica na São Martinho.
Apesar de ter saído do Mapa da Fome da ONU em 2014, quando a taxa de cidadãos ingerindo menos calorias que o recomendado caiu para 3% da população, o Brasil ainda enfrenta o desafio nutricional. De acordo com estudo da FAO — braço da ONU dedicado à alimentação
e agricultura —, havia 5,2 milhões de pessoas desnutridas no país em 2017, cerca de 2,5% da população. Levantamento suplementar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios também apontava para o gargalo: 14,3 milhões de pessoas de 10 anos ou mais moravam em
domicílios com restrição alimentar moderada ou grave em 2013.
— A valorização do consumo consciente, da comida de verdade, tem ajudado nosso trabalho. A coleta traz produtos realmente bons, que foram descartados por questões estéticas na maioria das vezes. É preciso entender que o alimento meio feio tem tanto valor quanto o bonito — explica Núria, que coordena na ONG a realização de oficinas culinárias para as entidades atendidas e interessados como forma de melhorar o aproveitamento integral dos alimentos. — É um desafio diário de logística manter a rede de distribuição
numa cidade como São Paulo.
Estima-se que 60% de todo desperdício de alimentos no Brasil ocorra entre a colheita e transporte, outros 30% em centrais de abastecimento e 10% diluídos entre supermercados e consumidores. O custo ambiental, portanto, inicia-se com o uso intensivo de energia, água e solo durante a produção e amplia-se com a geração de resíduos na fase final da cadeia produtiva. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, 51% dos resíduos sólidos coletados nas cidades brasileiras em 2017, ou
36,5 milhões de toneladas, corresponderam à material orgânico. E quase metade foi despejada em locais inadequados.
Para combater as perdas — um dos objetivos da Agenda 2030 da ONU — , uma das principais estratégias na pós-colheita têm sido os chamados bancos de alimentos. A Rede Brasileira de Bancos de Alimentos é hoje composta por 239 unidades. Em 2018, 177 unidades distribuíram 70,5 toneladas de alimentos a 9,5 mil entidades.
Criado em 2002, o Banco de Alimentos da Ceagesp faz a coleta e distribuição de alimentos a partir de doações voluntárias de permissionários do mercado e de produtos apreendidos por fiscais no local. Hoje, conta com 172 entidades cadastradas, entre elas a Prato Cheio. A instituições são atendidas em sistema de rodízio, conforme a oferta e sazonalidade de alimentos, e prestam contas do encaminhamento aos beneficiados. Apenas no mês de julho, foram distribuídas 87 toneladas de alimentos, beneficiando 124 mil pessoas.
— São 87 toneladas que iriam para o lixo, onerando o custo de coleta para os permissionários e sem nenhum benefício social — aponta Marcus Teles, coordenador de sustentabilidade do banco. — Quando entramos em contato para a entidade fazer a retiradas, não é para buscar apenas caixas de tomates. Organizamos uma coleta com produtos variados porque há uma preocupação com o consumidor final, com a alimentação saudável e sustentável.
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Thais Lobo
É jornalista freelancer. Trabalhou nas editorias de Política, Economia, Internacional e Rio do jornal O Globo durante oito anos. Recentemente, atuou em análises do debate sobre políticas públicas em redes sociais e do impacto de práticas de desinformação.