Combustível de aviação sustentável: a próxima escala para reduzir emissões de carbono

Pieter Elbers, CEO da KLM, entre o funcionário da Shell Roland Spelt (à direita) e Jeroen Kok, capitão do primeiro voo de passageiros da companhia a usar combustível de aviação sustentável | Foto de divulgação/KLM

Empresas aéreas e fabricantes de aviões investem em pesquisas para voos comerciais com querosene de fontes renováveis, etanol de lixo reciclado e hidrogênio

Por Carla Lencastre | ODS 9 • Publicada em 19 de fevereiro de 2021 - 09:28 • Atualizada em 24 de março de 2021 - 20:20

Pieter Elbers, CEO da KLM, entre o funcionário da Shell Roland Spelt (à direita) e Jeroen Kok, capitão do primeiro voo de passageiros da companhia a usar combustível de aviação sustentável | Foto de divulgação/KLM

A aviação é uma das indústrias que mais emite monóxido de carbono (CO2) em todo o mundo. Mas no início de 2021 surgem nos céus sinais de mudanças significativas além dos compromissos das companhias aéreas em neutralizar emissões. Em janeiro, a holandesa KLM realizou o primeiro voo comercial com passageiros usando 5% de querosene sintético, produzido a partir de fontes de energia renováveis. Quase simultaneamente, a British Airways assumiu o compromisso de testar etanol feito a partir de produtos agrícolas e de lixo urbano reciclado. As empresas fabricantes de avião também se movimentam. Tanto a americana Boeing quanto a europeia Airbus anunciaram recentemente investimentos em projetos de aeronaves que usariam 100% de combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês)

Dados da Agência Europeia do Ambiente mostram que, em 2017, o setor aéreo emitiu cerca de 3,7% dos gases de efeito estufa da União Europeia. Globalmente, a aviação responde por entre 2% e 3% das emissões de carbono. A meta é reduzir pela metade até 2050 as emissões de 2005. O voo é de longa distância. Segundo a Iata (International Air Transport Association), em 2019 as companhias usaram cerca de 340 bilhões de litros de combustível fóssil convencional. Por enquanto, a produção de combustível de aviação sustentável fica em torno de 50 milhões de litros. O setor vive a pior recessão da história, porém a pandemia também pode acelerar a pesquisa, a produção e o uso de combustíveis sustentáveis.

Fabricantes de avião investem em combustível de aviação sustentável

Em janeiro de 2021 a Boeing se comprometeu a fabricar até 2030 um avião comercial capaz de voar usando 100% de combustível de aviação sustentável. A empresa começou a experimentar voos com menos emissões de carbono em 2008. Dez anos depois, realizou um primeiro teste usando combustível sustentável em um 777 Freighter, avião de carga. Já a concorrente Airbus anunciou no final de 2020 que pretende entregar em 2035 o primeiro avião comercial que voará sem emitir carbono. A empresa trabalha em três protótipos diferentes de aeronaves que usariam hidrogênio verde, obtido de fontes de energia renováveis.

“O hidrogênio, tanto em combustíveis sintéticos quanto como fonte de energia primária para aviões comerciais, pode reduzir significativamente o impacto da aviação na questão climática”, disse o CEO da Airbus, Guillaume Faury, no anúncio do projeto.

Refinaria de etanol da LanzaJet, empresa de combustível de aviação sustentável | Foto de divulgação/Doug Peters/PA/British Airways

Companhias aéreas apostam em combustíveis sintéticos

Etanol é uma das apostas da British Airways, que apresentou no início de fevereiro uma parceria com a empresa americana de combustível de aviação sustentável LanzaJet para investir em uma refinaria nos Estados Unidos. O etanol será produzido a partir da agricultura (milho, cana-de-açúcar) e de lixo urbano reciclado. A BA pretende fazer voos transatlânticos com uso parcial de combustível de aviação sustentável já em 2022. Segundo a companhia, estes voos emitiriam 70% menos de carbono. Outra empresa britânica, a Virgin Atlantic, tem desde 2018 um acordo com a LanzaTech, empresa da qual saiu a LanzaJet. Mas, por enquanto, ainda não usou mais do que 5% de combustível de aviação sustentável em voos de demonstração.

Este foi o mesmo percentual no avião da KLM que fez o primeiro voo comercial de passageiros com combustível de aviação sustentável. Um Boeing 737 voou entre Amsterdã e Madri com 500 litros (5% do total utilizado) de querosene sintético produzido pela Shell a partir de fontes de energia renováveis.

“A transição do combustível fóssil para alternativas sustentáveis é um dos maiores desafios do setor aéreo. A renovação da frota contribui para a redução das emissões de CO2, mas o combustível de aviação sustentável fará mais diferença. Este primeiro voo com querosene sintético mostra que é possível”, disse o CEO da KLM, Pieter Elbers, no anúncio do voo.

A Holanda é um dos países europeus que incentivam a pesquisa de combustíveis para tornar o setor aéreo mais verde. A meta holandesa é que, até 2050, todas as companhias aéreas do continente usem combustível de aviação sustentável.

“O querosene sintético é promissor e poderá ser de grande importância nas próximas décadas para reduzir as emissões de CO2 da aviação. Espero que seja também inspirador nestes tempos turbulentos da aviação”, disse Cora van Nieuwenhuizen, ministra de Infraestrutura e Gestão da Água da Holanda, na apresentação do voo da KLM.

Já a aposta da Delta é em celulose. No início de 2020, a companhia aérea americana anunciou um acordo com a Northwest Advanced Bio-Fuels para compra de combustível de aviação sustentável. Ainda em fase de estudos, o combustível seria produzido em um refinaria no estado de Washington e usado nas operações da empresa na Costa Oeste dos Estados Unidos.

Bons ventos podem ser aliados da aviação mais sustentável

Os “tempos turbulentos” abriram uma janela de oportunidade para a economia de combustível convencional nos voos transatlânticos. Nas rotas entre a Europa e a América do Norte, um dos espaços aéreos mais movimentados do mundo, os voos seguem por aerovias pré-determinadas. Mas com a redução brutal do número de trajetos transatlânticos, controladores de voos começam a permitir que pilotos escolham seus próprios percursos. Por tempo indeterminado, controladores de voos responsáveis pelo espaço aéreo do Reino Unido e do Canadá estão autorizando que nos dias de baixo tráfego aéreo transatlântico (cerca de menos de 500 aviões no ar, e não os mais de 1.700 pré-pandemia) as companhias aéreas tracem rotas mais econômicas. O resultado é uma redução do uso de combustível em cada voo e, consequentemente, das emissões de carbono.

Pesquisadores da Universidade de Reading, no Reino Unido, estudaram 35 mil voos transatlânticos realizados no inverno passado no Hemisfério Norte e concluíram que os ventos poderiam ser mais bem aproveitados.

“Ajustar a rota dos voos é muito mais barato e pode oferecer benefícios imediatos. A aviação precisa urgentemente baixar suas emissões para reduzir o impacto nas mudanças climáticas”, disse a CNN Business Paul Williams, cientista atmosférico da Universidade de Reading.

Acertos nos trajetos para que as aeronaves aproveitem melhor os ventos podem proporcionar economia de combustível de até 16% em cada voo. Este percentual é semelhante ao esperado quando se substitui uma aeronave por uma mais nova.

“Estimamos que cada nova geração de aeronaves de passageiros aumenta a eficiência de combustível entre 15% e 20%”, disse a CNN Michael Gill, diretor de meio ambiente da Iata. “Seria bem-vinda a possibilidade de usar os ventos com mais frequência e de forma permanente”.

A Virgin Atlantic já anunciou mudanças nos trajetos de seus voos para melhor aproveitar o padrão de ventos. A United Airlines pretende fazer o mesmo para “viagens mais rápidas, confortáveis e sustentáveis” usando menos combustível convencional na travessia do Oceano Atlântico. Bons ventos aliados aos novos combustíveis de aviação sustentáveis, que ainda não estão amplamente disponíveis e custam mais caros que os combustíveis fósseis, podem ser parte da solução para reduzir os danos ambientais causados pelos voos.

Carla Lencastre

Jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou por mais de 25 anos na redação do jornal O Globo nas áreas de Comportamento, Cultura, Educação e Turismo. Editou a revista e o site Boa Viagem O Globo por mais de uma década. Anda pelo Brasil e pelo mundo em busca de boas histórias desde sempre. Especializada em Turismo, tem vários prêmios no setor e é colunista do portal Panrotas. Desde 2015 escreve como freelance para diversas publicações, entre elas o #Colabora e O Globo. É carioca e gosta de dias nublados. Ama viajar. Está no Instagram em @CarlaLencastre 

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