Ponte entre pessoas trans e o mercado de trabalho

Maite Schneider, mulher trans e uma das fundadoras da Transempregos: 347 empresas parceiras para a busca de vagas para pessoas trans (Foto: Reprodução)

Transempregos ajuda a enfrentar discriminação e conseguir vagas; projeto já tem 347 empresas parceiras

Por Chico Alves | ODS 16ODS 8 • Publicada em 15 de novembro de 2019 - 13:04 • Atualizada em 15 de novembro de 2019 - 16:00

Maite Schneider, mulher trans e uma das fundadoras da Transempregos: 347 empresas parceiras para a busca de vagas para pessoas trans (Foto: Reprodução)
Maite Schneider, mulher trans e uma das fundadoras da Transempregos: 347 empresas parceiras para a busca de vagas para pessoas trans (Foto: Reprodução)
Maite Schneider, mulher trans e uma das fundadoras da Transempregos: 347 empresas parceiras para a busca de vagas para pessoas trans (Foto: Reprodução)

Entre os obstáculos a serem derrubados na vida de uma pessoa trans, um dos mais prioritários é a inserção no mercado de trabalho. É comum entre elas a triste experiência de concorrer a uma vaga de emprego, passar por várias etapas do processo de seleção e criar esperança de que enfim conseguirá a colocação. Até chegar a hora da entrevista. “Então, você senta à frente de um funcionário do RH sabendo que tem a qualificação, as ferramentas e tudo o que uma vaga pede e simplesmente, por conta da sua condição, vê a pessoa desmoronar”, descreve Maite Schneider, mulher trans que é uma das fundadoras das Transempregos, projeto social criado há seis anos para ser a ponte entre esse público discriminado e os empregadores. “O funcionário diz: ‘Ah, sim eu vou te ligar’ e o telefone não toca”.

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É preciso tanto haver uma qualificação do departamento de Recursos Humanos como um projeto de inclusão e conscientização dentro da empresa para criar ambiente inclusivo para que essa pessoa consiga trabalhar com naturalidade

Diante de tantos relatos semelhantes de amigas com boa qualificação, competências diversas e graduações acadêmicas que não conseguiam emprego, Maite  juntou-se à advogada travesti Márcia Rocha (que foi a idealizadora), à cartunista Laerte Coutinho e à psicanalista transgênera Letícia Lanz para criar a Transempregos. “O trabalho para uma pessoa trans que não tem apoio familiar é  extremamente necessário, até para conseguir estruturar a questão identitária, pagar cirurgias, hormônios ou mesmo ter estabilidade emocional nesse mundo capitalista”, diz ela.

Marcia, Laerte e Maite: combate à discriminação (Foto: Arquivo Pessoal)
Marcia, Laerte e Maite: combate à discriminação (Foto: Arquivo Pessoal)

“A gente achou que essa discriminação é uma coisa que deveria ser combatida e precisávamos propor uma via de acesso que fosse mais sólida”, diz Laerte. O grupo também concluiu que não adiantava apenas inserir a pessoa no mercado de trabalho se não houvesse sensibilização da empresa antes. “Porque a pessoa vai conseguir entrar , mas não vai ter ambiente pra ficar”, explica Marcia Rocha. “É preciso tanto haver uma qualificação do departamento de Recursos Humanos como um projeto de inclusão e conscientização dentro da empresa para criar ambiente inclusivo para que essa pessoa consiga trabalhar com naturalidade”.

É emocionante ver uma nova perspectiva e ser sementinha dessa nova revolução que está acontecendo. Cada capacitação que a gente consegue, cada oportunidade que a gente serve de ponte, é incrível

A iniciativa é um sucesso. Logo no início os empresários começaram a se interessar pelo projeto e as contratações foram surgindo. O primeiro emprego foi para o Carrefour, que na época participava do Fórum LGBT. Hoje são 347 empresas parceiras e toda semana uma nova entra no portfólio. Atualmente, a maior empregadora é a Atento, empresa de telemarketing que tem 80 mil empregados em todo o país, dos quais 1.300 são trans. O projeto não tem o número total de quantas pessoas conseguiu colocar no mercado de trabalho, mas informa que são contadas aos milhares.

Maite tenta descrever a emoção de receber a notícia de que uma das cadastradas conquistou uma vaga. “É um momento incrível. Tem pessoas trans com mais de 50 anos que conseguem o seu primeiro registro pela CLT na vida, algumas conseguem sair da prostituição, as que não queriam estar lá”, relata. “É emocionante ver uma nova perspectiva e ser sementinha dessa nova revolução que está acontecendo. Cada capacitação que a gente consegue, cada oportunidade que a gente serve de ponte, é incrível”.

Segundo ela, a Transempregos não sofre segregação. “Ou eu parei de ver essa discriminação tanto na minha vida quanto nas coisas que eu faço”, corrige-se Maite. Seu foco está voltado para a criação de alternativas e caminhos para as questões de empregabilidade, educação, capacitação. A co-fundadora do projeto social não acha que a discriminação às pessoas trans tenha aumentado nos últimos tempos, mas sim se tornado mais visível. “Por isso é tão importante qualquer batalha contra qualquer tipo de preconceito voltado para a não-inclusão. Essa luta a gente faz com empatia, não com mais dor, com mais agressão”. O caminho que escolheu para se contrapor ao preconceito, garante, é o do amor, da conversa, do diálogo.

Desde o surgimento, as fundadoras da Transempregos estabeleceram o tempo de existência do projeto: 15 anos. Nos próximos 10 anos imaginam que esse tipo de intermediação não vá ser mais necessária e que as empresas terão ampliado os filtros seletivos de processamento e de seleção de pessoal. Até o início de 2020 esperam criar a Transjobs, um braço internacional que passará a dar acesso mundial ao projeto que auxiliará a empregabilidade em vários países. 

Chico Alves

Chico Alves tem 30 anos de profissão: por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Na maior parte da carreira atuou como editor-assistente na revista ISTOÉ, mais precisamente por 19 anos. Foi editor-chefe do jornal O DIA por mais de três anos. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho.

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