Enquanto a água do São Francisco não vem, agricultor investe em reaproveitamento de recursos

Morador de vila produtiva rural no Ceará quer estar preparado para o futuro: ‘Um dia o auxílio do governo vai acabar e quem não tiver começado a plantar vai ter dificuldades’, diz

Por Marco Zero Conteúdo | ODS 6 • Publicada em 28 de setembro de 2020 - 18:40 • Atualizada em 21 de junho de 2021 - 10:04

Josué criou um sistema integrado em seu quintal onde tudo se aproveita (Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Josué criou um sistema integrado em seu quintal onde tudo se aproveita (Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Morador de vila produtiva rural no Ceará quer estar preparado para o futuro: ‘Um dia o auxílio do governo vai acabar e quem não tiver começado a plantar vai ter dificuldades’, diz

Por Marco Zero Conteúdo | ODS 6 • Publicada em 28 de setembro de 2020 - 18:40 • Atualizada em 21 de junho de 2021 - 10:04

(Por Inês Campelo e Sérgio Miguel Buarque) Josué Raimundo dos Santos mora, com a mulher Maricleide e os dois filhos, em uma das trinta propriedades da Vila Produtiva Rural Retiro, no município de Penaforte/CE, uma das 18 do mesmo tipo para onde foram remanejadas famílias desalojadas pelas obras de transposição do Rio São Francisco, a partir de 2010, e nas quais a falta de infraestrutura, como abastecimento de água, tem sido um obstáculo. Desde que chegou a Retiro, em 5 de agosto de 2015, Josué tem uma preocupação: como se manter depois que o auxílio do governo acabar. 

Nós vamos buscando mais, inventando os projetos, até chegar água

O que ele chama de “auxílio” está previsto no plano estratégico de implementação do Programa de Reassentamento de Populações, que estabelece uma ajuda técnica para a produção (começou com 1,5 salário-mínimo e, em 2017, foi reduzido para um) até a entrega dos terrenos irrigados, com uma carência de seis meses até a primeira colheita. 

O “auxílio”, que garante a sobrevivência das famílias enquanto esperam pelos lotes irrigados, na opinião de Josué, pode ser uma armadilha. Ele vê com preocupação muitos vizinhos que vivem exclusivamente do “dinheiro do governo” e não buscam alternativas para o futuro. “Um dia vai acabar e quem não tiver começado a plantar vai ter dificuldades”, prevê. A questão levantada por Josué é um problema que afeta os moradores de todas as dezoito vilas produtivas rurais.

Poço comunitário

A solução de Josué para fugir da armadilha foi buscar capacitação técnica e ideias criativas para conviver com a escassez de água. Participou das capacitações da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), procurou ideias na internet com a ajuda do filho e, aos poucos, foi criando um sistema integrado em seu quintal, onde tudo se aproveita.

O primeiro desafio, claro, é a água. Em Retiro tem um poço com capacidade para 28 mil litros/hora que é administrado pela própria comunidade. Josué paga R$ 14,50 por 10 mil litros de água que usa para irrigar o que planta no quintal e para o consumo da casa. Planeja ter o próprio poço que, a longo prazo, representaria uma economia. Mas já fez as contas e, para perfurar, gastaria algo em torno de R$ 20 mil, mas uns R$ 300 mensais de energia para bombear a água. Ainda não dá.

Para minimizar os custos, Josué e a família reaproveitam a água do banho. O sistema faz parte de um projeto da Univasf e utiliza a água que seria jogada fora para irrigar a plantação de palma e milho no quintal da casa. O sistema é simples e engenhoso, podendo ser implantado com baixo custo. 

Josué Raimundo dos Santos e sua família vivem na VPR Retiro, em Penaforte (CE): reaproveitamento de recursos (Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Com a água do poço a família de Josué vive uma situação bem diferente do que estava acostumada na antiga casa, em Quixaba, distrito de Salgueiro/PE. “A gente precisava andar uns oito quilômetros. Pegava um jumentinho, colocava uma cangaia e ia no açude pegar a água”, lembra. “A gente só vive através da água”.

A água está no centro de todos os outros pequenos projetos que Josué desenvolve no quintal de casa, uma área de meio hectare. Também com o apoio da Univasf, ele cultivou milho hidropônico que serviu para a alimentação das galinhas, porcos e gado que cria para subsistência. O gado também se alimenta da palma produzida com o aproveitamento da água do banho.

Josué também está apostando na criação de peixes. Em uma caixa d’água de 500 litros ele cria cerca de 100 carpas e tilápias. Para oxigenar a água, ele utiliza um motor adaptado de uma máquina de lavar roupas. Os peixes chegam a pesar entre 300 e 400 gramas. Com ajuda dos filhos já cavou no fundo do quintal um barreiro com capacidade para mais de mil peixes. Josué imagina que a piscicultura possa ser um negócio bem rentável.

“Nós vamos buscando mais, inventando os projetos, até chegar água”. Josué explica que os projetos servem de teste para saber o que é mais viável economicamente para desenvolver em uma escala maior quando receber os lotes irrigados.

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