Educação e saúde fora das vilas de reassentados da transposição do São Francisco

Escolas e postos foram construídos, mas muitos não entraram em funcionamento; companhias de abastecimento de água também não cumpriram promessas

Por Marco Zero Conteúdo | ODS 6 • Publicada em 28 de setembro de 2020 - 18:10 • Atualizada em 17 de novembro de 2020 - 09:02

Descanso, em Mauriti (CE), é uma vila de produção rural com 80 casas, mas a prometida escola não funciona (Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Descanso, em Mauriti (CE), é uma vila de produção rural com 80 casas, mas a prometida escola não funciona (Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Escolas e postos foram construídos, mas muitos não entraram em funcionamento; companhias de abastecimento de água também não cumpriram promessas

Por Marco Zero Conteúdo | ODS 6 • Publicada em 28 de setembro de 2020 - 18:10 • Atualizada em 17 de novembro de 2020 - 09:02

(Por Inês Campelo e Sérgio Miguel Buarque) O Programa de Reassentamento das Populações afetadas pelas obras de transposição do Rio São Francisco previa a entrega de uma escola e um posto de saúde para cada uma das 18 vilas de produção rural (VPR), onde vivem 848 famílias cujas propriedades estavam no caminho da obra. Nesse ponto o programa (PBA08) foi cumprido, já que as VPRs receberam a estrutura física dos dois equipamentos. O problema foi na hora de colocá-los para funcionar, o que seria responsabilidade dos municípios. São poucas as vilas que têm, pelo menos, um deles funcionando, como foi prometido na hora das negociações, o que obriga os moradores a procurarem atendimento médico ou colocarem os filhos para estudarem nos núcleos urbanos mais próximos.

Esse negócio de escola tá péssimo. Tem que ir para Palestina, que fica a uns seis quilômetros

Descanso é uma das maiores VPRs com 80 casas. Mesmo assim, a escola e o posto de saúde não funcionam. Para Maiara Gomes, moradora da vila Descanso, em Mauriti (CE), esse é o maior problema da vila no momento. “Esse negócio de escola tá péssimo. Tem que ir para Palestina, que fica a uns seis quilômetros. O ônibus sai às 11h40 e volta entre 18h30, 19h. O posto de saúde só funcionou no primeiro ano. Somos atendidos no Sítio Quixabinha, que fica a oito quilômetros.”

Francisco de Souza da VPR Ipê, em Jati CE, com 10 casas: falta escola e posto de saúde (Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Ipê é a menor VPR com apenas dez casas. Francisco Félix de Souza, 59 anos, mora em uma delas. Em 2016, quando foi reassentado, poderia ter escolhido a VPR de Vassouras, mas optou por um lugar menor e mais perto da “cidade”. O tamanho e a localização da vila colaboraram para que escola e posto de saúde nunca tenham funcionado. “Escola e posto são os da rua”, conta Francisco, explicando que “a rua” é a sede do município de Jati/CE, a cerca de 1,5 quilômetro de distância.

Manter as escolas em pleno funcionamento envolve orçamento, logística e proporção que não se adequam à realidade das prefeituras. Mesmo as maiores vilas, como no caso de Descanso, não têm crianças suficientes para justificar a estrutura necessária para manter as turmas do ensino fundamental. De maneira geral, os municípios também oferecem transporte escolar para os casos de deslocamentos mais longos, possibilidade prevista no programa de reassentamento.

Jogo de empurra

Além das questões envolvendo o atendimento de saúde e educação, o fornecimento de água para as casas, que é responsabilidade das companhias de abastecimento dos estados, tem sido uma dor de cabeça para os moradores da VPR Malícia.  Localizada em Salgueiro/PE, a vila está a menos de dois quilômetros de Penaforte/CE. Como a sede do município pernambucano está a cerca de 40 quilômetros, a dinâmica social da vila acaba girando em torno da cidade cearense.  “Nós estamos com um impasse político. Fomos assentados em uma VPR que fica na divisa”, explica Francisco Vieira Filho, 50 anos e morador da vila desde dezembro de 2014.

Somos esquecidos pelos governos municipais e estaduais

Um exemplo das distorções causadas pela “bola dividida” na administração do dia a dia de Malícia  é o fornecimento de água ser feito pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece). Do ponto de vista da logística, faz todo sentido. Mas, na hora de resolver pendências, cobrar um melhor serviço ou receber algum investimento a situação se complica e a burocracia toma o lugar do bom senso. 

Marinalva Bezerra, 48 anos, presidenta da Associação dos Moradores da VPR Queimada Grande, sente cotidianamente a dificuldade para atender às demandas da comunidade onde vive desde dezembro de 2014. Para ela, o resultado do jogo de empurra entre as esferas da administração pública é que nada acaba sendo resolvido. “Somos esquecidos pelos governos municipais e estaduais.” 

 

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