Anistia: violações de direitos humanos no Brasil aumentaram na pandemia

Indígenas fecham BR-163 para protestar contra invasão de terras e falta de assistência para enfrentar covid-19: dobro de famílias indígenas atingidas por invasão de territórios em 2020 (Foto: Ernesto Carriço/NurPhoto/AFP – 19/08/2020)

Entidade vê país assolado por desigualdade, discriminação, repressão, violência contra minorias e intensificação do desrespeito aos direitos

Por Oscar Valporto | ODS 10ODS 16ODS 5 • Publicada em 7 de abril de 2021 - 17:45 • Atualizada em 30 de abril de 2021 - 17:57

Indígenas fecham BR-163 para protestar contra invasão de terras e falta de assistência para enfrentar covid-19: dobro de famílias indígenas atingidas por invasão de territórios em 2020 (Foto: Ernesto Carriço/NurPhoto/AFP – 19/08/2020)

Relatório anual da Anistia Internacional aponta que a pandemia da Covid-19, além de colocar o Brasil entre os primeiros países do mundo em números de mortes e casos, também foi usada como pretexto para que as violações de direitos humanos em 2020 aumentassem no país. “Vimos o Brasil assolado por desigualdade, discriminação, repressão e intensificação de violações de direitos humanos”, disse Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, durante a apresentação, pelas redes sociais, do relatório.

O Informe 2020/21 da Anistia Internacional: O estado dos Direitos Humanos no Mundo destaca que a crise sanitária a crise aumentou a desigualdade social estrutural e sistêmica do país, cerca de 27 milhões de pessoas passaram a viver na extrema pobreza, com menos de R$246 ao mês. De acordo com a entidade, o governo Bolsonaro e sua retórica autoritária aumentaram o risco para a defesa de direitos humanos no Brasil e reduziram o espaço cívico. ONGs, jornalistas, ativistas, defensores e defensoras de direitos humanos e movimentos sociais foram perseguidos e estigmatizados. A violência policial seguiu deixando rastros de mortes e violações de direitos humanos em favelas e periferias.

A Anistia Internacional lembra que o Brasil é o terceiro país do mundo que mais mata defensores e defensoras de direitos humanos e do meio ambiente, segundo relatório da ONG Global Witness. “As ameaças sofridas por defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil e os assassinatos dessas pessoas revelam que as autoridades públicas estão falhando no seu dever de garantir o direito fundamental à vida. A vida e a luta de defensores e defensoras importam e o Brasil deveria assegurar que eles exerçam sua luta”, criticou Jurema Werneck.

É urgente uma mudança de rumo no enfrentamento da covid-19, no Brasil. O primeiro passo é priorizar aqueles que foram deixados para trás por décadas de abandono e políticas excludentes e garantir seu acesso às vacinas. O poder público precisa garantir vacina para todos, de forma gratuita. Vacinação não é privilégio, é direito

O documenta lista o aumento da violência contra diferentes grupos. “No Brasil, quase 120.000 casos de violência física doméstica foram registrados nos primeiros seis meses do ano. Entre março e maio de 2020, a taxa de feminicídios aumentou em 14 dos 26 estados, em alguns deles com crescimento entre 100% e 400%”, destaca o relatório da Anistia Internacional. “Pelo menos 287 pessoas trans e de gênero diverso foram mortas no continente. O país que concentrou o maior número de mortes foi o Brasil”, acrescenta o documento ao analisar os direitos LGBT+.

Saúde em colapso

Informe 2020/21 da Anistia Internacional: O estado dos Direitos Humanos no Mundo documenta como profissionais da saúde ficaram desprotegidos durante a pandemia. E também mulheres, povos indígenas, população negra e quilombola, e outros grupos historicamente discriminados pela sociedade e negligenciados pelos governos vêm arcando com o peso maior dos impactos da covid-19. “No Brasil, a lentidão e a recusa do presidente Jair Bolsonaro em cumprir seu dever de liderar as ações capazes de mitigar os impactos da pandemia e proteger da saúde de brasileiras e brasileiros e falta de coordenação nacional no enfrentamento da Covid-19 levaram o país ao triste índice de milhares de vidas perdidas. Desde o início da pandemia temos insistido que mortes evitáveis têm culpas atribuíveis”, afirmou a diretora-executiva da Anistia Internacional.

O relatório destaca ainda que, no Brasil, “as mensagens de saúde das autoridades federais e estaduais foram frequentemente contraditórias”, dificultando o combate à pandemia. “É urgente uma mudança de rumo no enfrentamento da covid-19, no Brasil. É obrigação do poder Executivo, governos federal, estaduais e municipais atuar em cooperação. O primeiro passo é priorizar as necessidades daqueles que foram deixados para trás por décadas de abandono e políticas excludentes e garantir seu acesso às vacinas contra a Covid-19. O poder público precisa garantir vacina para todos, de forma gratuita. Vacinação não é privilégio, é direito”, frisou Jurema Werneck.

Pelo menos 10.558 trabalhadores da saúde nas Américas haviam morrido de Covid-19 até 5 de março de 2021, com profissionais de saúde em quase todos os países reclamando da falha de seus governos em oferecer condições de trabalho seguras e equipamentos de proteção individual suficientes. O Estado brasileiro não forneceu assistência adequada aos trabalhadores da saúde durante a pandemia de Covid-19, aponta o relatório da Anistia Internacional. “A Associação Brasileira de Saúde Coletiva e a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade criticaram a falta de proteção social para as famílias dos profissionais da saúde e a precariedade dos contratos de trabalho”, ressalta o documento.

Velório do cacique Aldenor Tikuna em Manaus: situação dos indígenas que vivem nas cidades e fora das terras homologadas pela Funai, é preocupante (Foto: Raphael Alves/Ensaio Insulae/Amazônia Real)
Velório do cacique Aldenor Tikuna em Manaus: situação dos indígenas que vivem nas cidades e fora das terras homologadas pela Funai, é dramática (Foto: Raphael Alves/Ensaio Insulae/Amazônia Real)

Indígenas sob ataque

O informe da Anistia Internacional sobre os direitos humanos também destaca as violações contra os povos indígenas, inclusive no enfrentamento da pandemia pelo governo brasileiro. “As medidas para reduzir o impacto da Covid-19 entre os povos indígenas foram ineficazes”, aponta o documento. De acordo com a Associação Brasileira de Povos Indígenas, desde o começo da pandemia, mais de mil indígenas (1084 até 7 de abril) já morreram vítimas de covid-19; 51 mil casos foram registrados, atingindo 163 povos.

O relatório cita dados do O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que registrou um aumento de 9,5% na destruição de florestas brasileiras entre agosto de 2019 e julho de 2020, em comparação com o período entre agosto de 2018 e julho de 2019. “No Brasil, os direitos dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais continuaram a ser ameaçados pela mineração ilegal, pelas queimadas e pela apropriação de terras para a criação ilegal de gado e o agronegócio”, afirma o documento da Anistia.

A Anistia Internacional destaca em seu relatório que em 18 de abril, Ari Uru-Eu-Wau–Wau professor e agente ambiental foi assassinado na cidade de Jaru, em Rondônia, depois de receber várias ameaças de morte em 2019. Sua morte – a pancadas – ilustra dezenas de casos de ameaças e atentados a lideranças indígenas durante a pandemia. A diretora-executiva da Anistia no Brasil, Jurema Wernek, também lembrou o assassinato do cacique Edílson Tembé, em setembro, no Pará.

Jovens negros em manifestação contra o racismo e em defesa da democracia no Rio de Janeiro: protestos de cara nova (Foto: Carl de Souza/AFP)
Jovens negros em manifestação contra o racismo e a violência policial no Rio de Janeiro: Anistia denuncia uso excessivo da força (Foto: Carl de Souza/AFP – 10/06/2020)

Violência policial em alta

A violência policial e o uso excessivo da força também destacados nas citações sobre o nosso país no Informe 2020/2021 da Anistia Internacional sobre Direitos Humanos. No Brasil, nos seis primeiros meses do ano, pelo menos 3.181 pessoas foram mortas pela polícia, um aumento de 7,1% em comparação com o mesmo período de 2019. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 79,1% das pessoas mortas pela polícia eram negras”, enfatiza o relatório.

Jurema Werneck, na apresentação do documento, lembrou decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu as operações policiais em favelas do Rio de Janeiro, enquanto durasse a pandemia da Covid-19. “A medida representou uma queda de 74% nas mortes cometidas pela polícia, o número muito significativo porque o Rio de Janeiro havia registrado recorde de mortes nas incursões em favelas e comunidades”, afirmou a diretora-executiva da Anistia no Brasil, lembrando que a impunidade e a falta de acesso à justiça continuam a ser uma preocupação da entidade.

O relatório destaca ainda as ameaças à liberdade de expressão, com os ataques do presidente Jair Bolsonaro, integrantes de seu governo e aliados a opositores, ONGs, movimentos sociais e jornalistas foi cumprida em mais um ano de seu mandato. “No Brasil, entre janeiro de 2019 e setembro de 2020, membros do governo federal atacaram jornalistas e seu trabalho 449 vezes”, afirma a Anistia Internacional com base Se relatório da ONG Artigo 19. Movimentos sociais, ONGs, ativistas e grupos em situação de vulnerabilidade, como os povos indígenas e quilombolas foram, de forma constante e sistemática, alvo de ataques do próprio presidente e de autoridades do seu governo

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, na live de lançamento do relatório sobre direitos humanos: "Vacina é direito" (Foto: reprodução/redes sociais da Anistia)
Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, na live de lançamento do relatório sobre direitos humanos: “Vacina é direito” (Foto: reprodução/redes sociais da Anistia)

Falhas globais na pandemia

Em sua análise global, a Anistia Internacional aponta que pandemia evidenciou de forma clara o impacto sobre os direitos humanos de anos de crises políticas e financeiras e de falhas nos sistemas globais de governança e cooperação, exacerbadas por governos que fugiram às suas responsabilidades ou atacaram instituições multilaterais. “Essas dinâmicas foram ilustradas por tendências em três áreas: violações dos direitos à vida, à saúde e à proteção social; violência baseada em gênero e ameaças aos direitos sexuais e reprodutivos; e repressão das divergências”, afirma o documento.

Na avaliação da entidade internacional, os governos falharam em proteger adequadamente as trabalhadoras e os trabalhadores da
saúde e de outros setores essenciais. “Milhares de pessoas perderam suas vidas devido à covid-19 e muitas outras adoeceram gravemente devido à escassez de equipamentos de proteção individual (EPIs).

Sem citar Bolsonaro ou outros líderes negacionistas, o relatório afirma que a “Anistia Internacional documentou relatos de que autoridades públicas hostilizaram ou intimidaram profissionais de saúde e de outras áreas essenciais no contexto da pandemia em 42 dos 149 países que monitorou; alguns enfrentaram represálias como detenção e demissão por manifestar preocupações sobre segurança ou condições de trabalho”.

A Anistia Internacional apela por cooperação entre os governos e solidariedade com os mais pobres para o enfrentamento da pandemia e sues impactos. “Para reafirmar a cooperação internacional e cumprir com suas obrigações de direitos humanos, todos os governos devem assegurar que as vacinas para a Covid-19 estejam disponíveis e acessíveis a toda a população e que sejam gratuitas nos locais onde forem aplicadas. Devem também apoiar o desenvolvimento de um fundo global de proteção social fundamentado nas normas de direitos humanos”, indica o documento. “Os países ricos e as instituições financeiras internacionais devem garantir que todos os Estados disponham dos recursos necessários para responder e se recuperar da pandemia, inclusive com a suspensão e o cancelamento de dívidas”, conclui a análise global.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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