ODS 1
Língua indígena como arma de resistência
Idioma ancestral substitui arco e flecha. Preconceito linguístico é usado para promover tentativa de apagamento da cultura nas aldeias
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A septuagenária Kayawa Mawayana é, supostamente, a última falante da língua Mawayana. Vivendo entre os Way Way, na Terra Indígena Trombeta-Mapuera e na Terra Indígena Nhamundá-Mapuera, no Pará, Kayawa não fala português. Como perdeu parentes e amigos, ela sofre com a falta de interlocução, porque os mais novos não aprenderam sua língua. À exceção é seu neto, Iolandino Xayukuma Wai Wai, aluno da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
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A primeira vez que Kayawa foi ouvida por uma pessoa não indígena foi no documentário “Entre rios e palavras: as línguas indígenas no Pará em 2021”. Seu neto gravou pelo celular sua avó falando e fez a tradução para o português. Como os dois moram distantes um do outro, os parentes financiaram a viagem de Kayawa, que vive ao norte de Oriximiná, no Pará, para ela encontrar-se com Iolandino.
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Veja o que já enviamos“Kayawa está inserida em uma trama histórica e sua família não deseja que os saberes de sua língua e de sua cultura se encerrem nela”, chama a atenção Ivânia Neves, que coordenou a pesquisa “Retratos do Contemporâneo: as línguas indígenas na Amazônia Paraense”, acrescentando que a avó de Iolandino é um exemplo de memória viva e de resistência dos povos indígenas.
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Outras línguas indígenas, como é o caso do Nheengatu, que não contém a vogal O, levou os antepassados de Dayana Borari a sofreram “preconceito linguístico”. No documentário “Entre rios e palavras: as línguas indígenas no Pará em 2021”, ela conta que seu avô falava “buto”, no lugar de boto; e “canua”, ao invés de canoa.
A cacica Kátia Akrãtikatêjê, primeira líder feminina da etnia Gavião Akrãtikatêjê, sofreu na pele a tentativa de apagamento da sua língua nativa. No mesmo documentário, ela lembra que, ao entrar na escola, com nove anos, a então professora dava beliscões nos seus braços e ainda a deixava de castigo, alegando que ela não falava direito e que usava muita gíria. “Eu sentia vergonha de mim, por falar daquele jeito”.
À medida que foi crescendo e, sobretudo a partir do final dos anos 1980, seu povo foi obrigado a voltar a falar a língua nativa. A cacica passou a adotar uma estratégia de luta defendida por seu pai, o líder indígena Payaré Akrãtikatêjê – seu pai protagonizou uma saga para denunciar as atrocidades cometidas contra o seu povo durante o processo de construção da hidrelétrica de Tucuruí. Ela lembra que seu pai, já falecido, costumava alertá-la para importância das línguas indígenas na luta de resistência pela preservação dos povos indígenas.
Seu povo vive na Terra Indígena Mãe Maria, entre as cidades de Marabá e Bom Jesus do Tocantins, no sul do Pará, e foi praticamente dizimado quando teve início da construção de Tucuruí, pelas Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), no final dos anos 1960.
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Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.