ODS 1
Cem dias de ciência e progresso nas universidades

Série #100diasdebalbúrdiafederal mostra uma centena de exemplos de pesquisas que merecem a admiração dos brasileiros e não os impropérios do governo


A palavra foi pronunciada no meio de uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 30 de abril, quando o ministro da Educação, Abraham Weintraub, tentava justificar a intenção de cortar verbas de instituições federais. “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”, disse ele. A princípio, Weintraub usaria o critério de “balbúrdia” contra Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Como se viu depois, cortes de recursos que passam de 40% atingiram desde então toda a rede de ensino superior administrada pelo ministro. À perplexidade que se seguiu e aos relatos dramáticos de penúria nos centros de pesquisa do país, o Projeto #Colabora decidiu responder com um desafio ambicioso: mostrar uma centena de exemplos de como os cientistas que trabalham nas instituições federais Brasil afora merecem a admiração dos brasileiros, não os impropérios do governo.
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[g1_quote author_name=”Ildeu de Castro Moreira” author_description=”Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Voltamos ao nível de investimento em Ciência e Tecnologia de 15 anos atrás. Isso é catastrófico.
[/g1_quote] [g1_quote author_name=”Luiz Davidovich” author_description=”Presidente da Academia Brasileira de Ciência” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O êxodo de cientistas está ficando muito concreto. É um movimento avassalador. Essa crise está nos fazendo perder a juventude e isso afeta diretamente o futuro da ciência no Brasil
[/g1_quote]Assim nasceu a série #100diasdebalbúrdiafederal, que mobilizou mais de 40 profissionais e cobriu pesquisas relevantes em 19 estados e no Distrito Federal. A ideia é dar destaque à importância das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil. Nas matérias, cientistas e alunos de 34 universidades e 3 institutos revelam o trabalho abnegado e criativo que fazem quase anonimamente, apesar de todas as dificuldades de recursos que já existiam mesmo antes de Weintraub estrangular ainda mais o orçamento. Foi o que se viu já no início da série, quando Denise Pires de Carvalho, que acabara de ser eleita a primeira mulher reitora da UFRJ, disse que, como tantos pesquisadores, ela também era obrigada a tirar dinheiro do próprio bolso para manter as pesquisas que desenvolve no Instituto de Biofísica da universidade.
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Os projetos científicos mostrados são uma pequena amostra dos milhares trabalhos fundamentais desenvolvidos nos laboratórios do país. Das pesquisas abordadas, a maioria (21 delas) traz alguma inovação na área da Saúde. Ideias criativas para solucionar e prevenir vários tipos de problemas, como o experimento desenvolvido no laboratório de engenharia biomédica da UnB em que professores e alunos criaram dois aparelhinhos: um para reduzir a necessidade de cirurgias em doentes com câncer e outro para tratar feridas de diabéticos.

Há bons projetos em todos os estados. Na Universidade Federal de Sergipe, uma pesquisa que reduz a população de mosquitos Aedes aegypti sem afetar o meio ambiente foi premiada pela Organização Mundial de Saúde. Na Universidade Federal da Integração Latino-Americana, no Paraná, pesquisadores usam com bons resultados a maconha para conseguir ganhos cognitivos em doentes de Alzheimer e Parkinson. Uma linha de costura com função antibacteriana foi desenvolvida na Universidade Federal do Vale do São Francisco, no sertão baiano. Criatividade não falta.

Depois da Saúde, o tema mais abordado na série #100diasdebalbúrdiafederal foi o Meio Ambiente, com pesquisas tão importantes quanto a que mostra como a escalada dos gases do efeito estufa e do desmatamento poderá dividir a floresta amazônica ao meio em três décadas, com 50% do território restrito a fragmentos de vegetação. Resultado de trabalho conjunto entre Universidade Federal do Pará (UFPA), o Museu Goeldi e a Embrapa, um artigo sobre o assunto foi publicado na revista Nature Climate Change. Os cientistas brasileiros dão o alerta, mas também se dedicam a construir a esperança: na Universidade Federal de Juiz de Fora, um projeto identifica melhores espécies para recompor a mata na Bacia do Rio Doce dizimada pelo rompimento da barragem da Samarco. A reciclagem é outra tônica, como no caso da pesquisa da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em que são usadas tecnologias inovadoras para reciclar o vidro que se acumula no lixo e transformá-lo em material para construção de meio-fio, bancos e outros itens do mobiliário urbano.

Há várias outras áreas de interesse sobre as quais os cientistas brasileiros se debruçam em busca de soluções criativas. Para melhorar a mobilidade, tecnologias surpreendentes são desenvolvidas, como a usada no Maglev, trem de levitação magnética criado na UFRJ, que aguarda financiamento. Com objetivo de otimizar os processos agrícolas e ao mesmo tempo solucionar um problema ambiental, há novidades como o projeto da Universidade Federal do Paraná, que transforma o tóxico amianto em fertilizante para o solo.

A indústria também é beneficiada com as pesquisas, ao estilo da desenvolvida na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, que ajuda a acelerar a linha de montagem automobilística da Renault. Não faltam também ideias curiosas para movimentar a economia com sustentabilidade, como o “ketchup” à base de acerola, abóbora e beterraba, sem conservantes e rico em vitamina C (Universidade Federal do Ceará) ou o rejeito de farinha que vira sabão (Universidade Federal do Sul da Bahia).
Mesmo diante de tal diversidade, o arrocho sobre o orçamento das universidades federais se mantém e algumas instituições informam que em breve não terão um centavo para despesas mínimas, como contas de luz, água e segurança. “Voltamos ao nível de investimento de 15 anos atrás”, denunciou o físico Ildeu Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Na tentativa de reverter o desastre, centenas de milhares de estudantes e professores fizeram três grandes manifestações em todo o país, mas o governo se mantém impassível. Agora, as entidades tentam uma ofensiva sobre os parlamentares. “Apelamos para que o Congresso salve a ciência brasileira”, disse Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências. Tanto Moreira quanto Davidovich denunciam a aceleração da fuga de cérebros do país e a desistência de bons estudantes, que, diante do quadro catastrófico, não querem mais seguir carreira nos laboratórios.

Termina aqui a série #100diasdebalbúrdiafederal, mas o Projeto #Colabora continuará acompanhando o trabalho dos cientistas brasileiros e as movimentações em defesa das universidades federais. Que o acervo revelado nessa empreitada sirva aos governantes e a quem mais duvidar do valor de nossos pesquisadores para que repensem sua posição. Com poucos recursos, professores e estudantes que se dedicam à pesquisa sempre deram, dão e podem continuar a dar inestimável contribuição para o país. Basta apenas que o governo pare de atrapalhar e fazer balbúrdia.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]100/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal mostrou, durante esse período, a importância das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil
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Chico Alves
Chico Alves tem 30 anos de profissão: por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Na maior parte da carreira atuou como editor-assistente na revista ISTOÉ, mais precisamente por 19 anos. Foi editor-chefe do jornal O DIA por mais de três anos. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho.