Cem dias de ciência e progresso nas universidades

Série #100diasdebalbúrdiafederal mostra uma centena de exemplos de pesquisas que merecem a admiração dos brasileiros e não os impropérios do governo

Por Chico Alves | ODS 4 • Publicada em 25 de agosto de 2019 - 10:23 • Atualizada em 25 de agosto de 2019 - 20:52

Protesto de estudantes universitários contra os cortes nas verbas da educação e as declarações do ministro Abraham Weintraub: pesquisa não é balbúrdia (Foto: Cris Faga/NurPhoto)
Protesto de estudantes universitários contra os cortes nas verbas da educação e as declarações do ministro Abraham Weintraub: pesquisa não é balbúrdia (Foto: Cris Faga/NurPhoto)

A palavra foi pronunciada no meio de uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 30 de abril, quando o ministro da Educação, Abraham Weintraub, tentava justificar a intenção de cortar verbas de instituições federais. “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”, disse ele. A princípio, Weintraub usaria o critério de “balbúrdia” contra Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Como se viu depois, cortes de recursos que passam de 40% atingiram desde então toda a rede de ensino superior administrada pelo ministro. À perplexidade que se seguiu e aos relatos dramáticos de  penúria nos centros de pesquisa do país, o Projeto #Colabora decidiu responder com um desafio ambicioso: mostrar uma centena de exemplos de como os cientistas que trabalham nas instituições federais Brasil afora merecem a admiração dos brasileiros, não os impropérios do governo.

Leia todas as reportagens da série #100diasdebalbúrdiafederal

[g1_quote author_name=”Ildeu de Castro Moreira” author_description=”Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Voltamos ao nível de investimento em Ciência e Tecnologia de 15 anos atrás. Isso é catastrófico.

[/g1_quote] [g1_quote author_name=”Luiz Davidovich” author_description=”Presidente da Academia Brasileira de Ciência” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

O êxodo de cientistas está ficando muito concreto. É um movimento avassalador. Essa crise está nos fazendo perder a juventude e isso afeta diretamente o futuro da ciência no Brasil

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Assim nasceu a série #100diasdebalbúrdiafederal, que mobilizou mais de 40 profissionais e cobriu pesquisas relevantes em 19 estados e no Distrito Federal. A ideia é dar destaque à importância das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil. Nas matérias, cientistas e alunos de 34 universidades e 3 institutos revelam o trabalho abnegado e criativo que fazem quase anonimamente, apesar de todas as dificuldades de recursos que já existiam mesmo antes de Weintraub estrangular ainda mais o orçamento. Foi o que se viu já no início da série, quando Denise Pires de Carvalho, que acabara de ser eleita a primeira mulher reitora da UFRJ, disse que, como tantos pesquisadores, ela também era obrigada a tirar dinheiro do próprio bolso para manter as pesquisas que desenvolve no  Instituto de Biofísica da universidade.

Aparelho Rapha (cura em hebraico), criado na UnB, pode evitar amputação em diabéticos. (Foto: André Giusti)

Os projetos científicos mostrados são uma pequena amostra dos milhares trabalhos fundamentais desenvolvidos nos laboratórios do país. Das pesquisas abordadas, a maioria (21 delas) traz alguma inovação na área da Saúde. Ideias criativas para solucionar e prevenir vários tipos de problemas, como o experimento desenvolvido no laboratório de engenharia biomédica da UnB em que professores e alunos criaram dois aparelhinhos: um para reduzir a necessidade de cirurgias em doentes com câncer e outro para tratar feridas de diabéticos.

Universidade Federal de Juiz de Fora tem projeto, coordenado pelo pesquisador Paulo Henrique Peixoto, que identifica melhores espécies para recompor a mata na Bacia do Rio Doce (Foto: Divulgação/UFJF)

Há bons projetos em todos os estados.  Na Universidade Federal de Sergipe, uma pesquisa que reduz a população de mosquitos Aedes aegypti sem afetar o meio ambiente foi premiada pela Organização Mundial de Saúde. Na Universidade Federal da Integração Latino-Americana, no Paraná, pesquisadores usam com bons resultados a maconha para conseguir ganhos cognitivos em doentes de Alzheimer e Parkinson. Uma linha de costura com função antibacteriana foi desenvolvida na Universidade Federal do Vale do São Francisco, no sertão baiano. Criatividade não falta.

Banco construído com argamassa feita com pó de vidro reciclado: tecnologia patenteada por aluno da UTFPR (Foto: Divulgação)

Depois da Saúde, o tema mais abordado na série #100diasdebalbúrdiafederal foi o Meio Ambiente, com pesquisas tão importantes quanto a que mostra como a escalada dos gases do efeito estufa e do desmatamento poderá dividir a floresta amazônica ao meio em três décadas, com 50% do território restrito a fragmentos de vegetação. Resultado de trabalho conjunto entre Universidade Federal do Pará (UFPA), o Museu Goeldi e a Embrapa, um artigo sobre o assunto foi publicado na revista Nature Climate Change.  Os cientistas brasileiros dão o alerta, mas também se dedicam a construir a esperança: na Universidade Federal de Juiz de Fora, um projeto identifica melhores espécies para recompor a mata na Bacia do Rio Doce dizimada pelo rompimento da barragem da Samarco. A reciclagem é outra tônica, como no caso da pesquisa da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em que são usadas tecnologias inovadoras para reciclar o vidro que se acumula no lixo e transformá-lo em material para construção de meio-fio, bancos e outros itens do mobiliário urbano.

Trem de levitação magnética: projeto desenvolvido na Coppe/UFRJ: à espera de parceria para ganhar escala industrial (Foto: Oscar Valporto)

Há várias outras áreas de interesse sobre as quais os cientistas brasileiros se debruçam em busca de soluções criativas. Para melhorar a mobilidade, tecnologias surpreendentes são desenvolvidas, como a usada no Maglev, trem de levitação magnética criado na UFRJ, que aguarda financiamento. Com objetivo de otimizar os processos agrícolas e ao mesmo tempo solucionar um problema ambiental, há novidades como o projeto da Universidade Federal do Paraná, que transforma o tóxico amianto em fertilizante para o solo.

Natchup, molho à base de acerola, beterraba e abóbora: criado na Universidade Federal do Ceará e produzido e distribuído pela iniciativa privada (Foto: Viktor Braga/UFC)

A indústria também é beneficiada com as pesquisas, ao estilo da desenvolvida na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, que ajuda a acelerar a linha de montagem automobilística da Renault. Não faltam também ideias curiosas para movimentar a economia com sustentabilidade,  como o “ketchup” à base de acerola, abóbora e beterraba, sem conservantes e rico em vitamina C (Universidade Federal do Ceará) ou o rejeito de farinha que vira sabão (Universidade Federal do Sul da Bahia).

Mesmo diante de tal diversidade, o arrocho sobre o orçamento das universidades federais se mantém e algumas instituições informam que em breve não terão um centavo para despesas mínimas, como contas de luz, água e segurança. “Voltamos ao nível de investimento de 15 anos atrás”, denunciou o físico Ildeu Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Na tentativa de reverter o desastre, centenas de milhares de estudantes e professores fizeram três grandes manifestações em todo o país, mas o governo se mantém impassível. Agora, as entidades tentam uma ofensiva sobre os parlamentares. “Apelamos para que o Congresso salve a ciência brasileira”, disse Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências. Tanto Moreira quanto Davidovich denunciam a aceleração da fuga de cérebros do país e a desistência de bons estudantes, que, diante do quadro catastrófico, não querem mais seguir carreira nos laboratórios.

Protesto em São Paulo contra os seguidos cortes no orçamento das universidades: educação e ciência ameaçadas (Foto: Miguel Schincariol / AFP)

Termina aqui a série #100diasdebalbúrdiafederal, mas o Projeto #Colabora continuará acompanhando o trabalho dos cientistas brasileiros e as movimentações em defesa das universidades federais. Que o acervo revelado nessa empreitada sirva aos governantes e a quem mais duvidar do valor de nossos pesquisadores para que repensem sua posição. Com poucos recursos, professores e estudantes que se dedicam à pesquisa sempre deram, dão e podem continuar a dar inestimável contribuição para o país. Basta apenas que o governo pare de atrapalhar e fazer balbúrdia.

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100/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal mostrou, durante esse período, a importância  das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil

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Chico Alves

Chico Alves tem 30 anos de profissão: por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Na maior parte da carreira atuou como editor-assistente na revista ISTOÉ, mais precisamente por 19 anos. Foi editor-chefe do jornal O DIA por mais de três anos. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho.

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