Projeto reduz emissões, gera empregos, diminui a conta de luz mas não é votado

Organizações da Sociedade Civil fazem projeção na Biblioteca Nacional, em Brasília, em favor da aprovação da Emenda Kigali. Foto Divulgação/Idec

Emenda de Kigali já foi referendada por mais de 100 países, tem apoio de empresários, ambientalistas, mas segue, há mais de um ano, sem ser apreciada na Câmara dos Deputados

Por Agostinho Vieira | ODS 13 • Publicada em 23 de abril de 2021 - 08:54 • Atualizada em 30 de abril de 2021 - 17:55

Organizações da Sociedade Civil fazem projeção na Biblioteca Nacional, em Brasília, em favor da aprovação da Emenda Kigali. Foto Divulgação/Idec

Apesar da pressão de empresas, parlamentares e entidades da sociedade civil, como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o Instituto Ethos e o Instituto Clima e Sociedade (iCS), a Câmara dos Deputados vêm mantendo na gaveta, há mais de um ano, um projeto que, entre outras coisas, reduz o uso de gases causadores do efeito estufa, incentiva a eficiência energética e a modernização da indústria de refrigeração no Brasil, gera empregos, qualifica profissionais e diminui o valor da conta de luz na casa dos brasileiros. Uma Carta Aberta, com mais de 1,2 mil assinaturas, já foi enviada ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, pedindo a ratificação imediata da Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal. A intenção era que o projeto fosse votado ainda esta semana, antes da Cúpula do Clima, organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Ele poderia funcionar como um refresco, no momento que a política ambiental brasileira, ou a falta dela, vem recebendo duras críticas da comunidade internacional.

Já ratificada por mais de 100 países, a Emenda de Kigali foi aprovada em 2016, durante reunião realizada na capital de Ruanda (daí o seu nome). Ela estabelece metas de redução do uso de gases HFCs (hidrofluorcarbonetos) em equipamentos como geladeiras, freezers e aparelhos de ar-condicionado. Em alguns casos, esses gases chegam a ter impacto no efeito estufa até 2 mil vezes superior ao do CO2. No caso brasileiro, a Emenda é tema do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1.100/2018 e já passou por todas as comissões da Câmara. O texto está há um ano e meio na presidência da casa sem ser enviado ao plenário.

Redução na conta de luz: cartaz pedindo a aprovação da Emenda de Kigali

A decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira, de colocar o projeto em votação poderia funcionar como um aceno diplomático importante para o novo governo americano. Joe Biden acaba de cumprir a promessa de recolocar a maior potência mundial no Acordo de Paris, de combate ao aquecimento, deixando claro que dará prioridade à batalha ambiental. Ele já anunciou que vai aderir à Emenda de Kigali nos primeiros meses de governo. Dezesseis estados americanos já aprovaram ou estão mexendo em suas leis para impor limites aos HFCs, que têm alto potencial de aquecimento global (GWP, na sigla em inglês):

“A ratificação da Emenda de Kigali vai alinhar a indústria brasileira às tendências do mercado internacional, aumentar a competitividade e colocar o Brasil na rota da inovação”, afirma Clauber Leite, coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Se aprovada, a emenda abriria para a indústria brasileira créditos a fundo perdido do Fundo Multilateral para implementação do Protocolo de Montreal, estimados em US$ 100 milhões, que poderiam ser usados para modernizar fábricas, qualificar trabalhadores e gerar empregos. “Essa modernização permitiria que a indústria brasileira ficasse alinhada às inovações já presentes em mercados como o norte-americano, europeu, chinês e indiano”, diz a carta.

A aprovação da Emenda Kigali é fundamental para impulsionar a inovação. O Brasil tem um prazo para ratificar essa emenda. Se não o fizer vai perder o direito de comercializar produtos de refrigeração com os outros países que referendaram a proposta. Vamos ficar com as sobras, com produtos ineficientes e agressivos ao meio ambiente

O avanço tecnológico pode evitar também que o mercado consumidor brasileiro se torne destino de aparelhos obsoletos que, além de terem gases com elevado potencial de efeito estufa, têm baixa eficiência energética, pressionando as contas de luz, como explica Rodolfo Gomes, diretor executivo da ONG International Energy Initiative (IEI Brasil):

“A aprovação da Emenda Kigali, assim como outras regulações feitas pelos países, é fundamental para impulsionar a inovação. O Brasil tem um prazo para ratificar essa emenda. Se não o fizer vai perder o direito de comercializar produtos de refrigeração com os outros países que referendaram a proposta. Vamos ficar com as sobras, com produtos ineficientes e agressivos ao meio ambiente”, explica.

Ainda segundo Rodolfo Gomes, a Emenda Kigali tem o potencial de reduzir em até 0,5 graus Célsius o aquecimento global. Para ser ter uma ideia da importância desse índice, o Acordo de Paris prevê que as emissões de gases de efeito estufa sejam limitadas a 1,5 graus Célsius. Entre os HFCs, um dos tipos mais utilizados nos ares-condicionados à venda no Brasil, é o gás R-410A, que tem um impacto duas mil vezes maior que o gás carbônico. Ou seja, um quilo deste gás tem o efeito de 2 toneladas de CO2 na atmosfera. O Brasil tem mais de 28 milhões de aparelhos de ar-condicionado instalados e uma tendência de crescimento anual de 10%. Segundo relatório do Observatório do Clima, de novembro do ano passado, somos o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta.

“Com a aprovação do Congresso, o país dará uma sinalização positiva aos investidores sobre seu compromisso com uma economia de baixo carbono, com a inovação e a competitividade”, acrescenta Rodolfo Gomes.

A fabricação de equipamentos mais eficientes reduz a quantidade de energia consumida e, portanto, a emissão de gases de efeito estufa a partir de fontes de geração poluentes, como as termelétricas. Aparelhos de ar mais eficientes produziriam impacto de R$ 57 bilhões na economia nacional até 2035, de acordo com um estudo do Instituto Clima e Sociedade (iCS) em cooperação técnica com o Lawrence Berkeley National Laboratory (LBNL). Desse total, R$ 30 bilhões deixariam de ser gastos pelo governo na geração de energia elétrica. Outros R$ 27 bilhões seriam economizados pelos consumidores na conta de luz.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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