ODS 1
Humanidade já ultrapassou 7 de 8 limites planetários
Pesquisa liderada por Johan Rockström, cientista pioneiro na quantificação dos limites para a vida na Terra, passa a incluir equidade e justiça ambiental
(Leila Salim*) – O aviso é ainda mais contundente: de oito limites para que a vida na Terra seja segura para o planeta e seus habitantes, sete já foram ultrapassados. Um estudo publicado nesta quarta-feira (31/5) na Nature revisou e ampliou a pesquisa paradigmática que, em 2009, havia quantificado pela primeira vez os limites biofísicos do planeta para um desenvolvimento seguro e sadio, introduzindo o conceito de “limites planetários” (PB, na sigla em inglês para Planetary Boundaries).
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Considerando critérios como mudanças climáticas, perda de biodiversidade, acidificação dos oceanos, uso de água doce, poluição de vários tipos e mudanças no uso do solo, entre outros, a pesquisa de 14 anos atrás havia listado nove limiares para uma vida equilibrada na Terra e concluído que três deles já haviam sido excedidos — e que os outros seis caminhavam no mesmo sentido, caso medidas urgentes não fossem tomadas. Liderado pelo cientista sueco Johan Rockström, o estudo de 2009 alcançou grande repercussão internacional e chegou a inspirar um documentário lançado em 2021.
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Veja o que já enviamosOs nove limiares apontados por Rockström e sua equipe, assim como o próprio conceito de limites planetários, seguiram sendo estudados pela comunidade científica desde então. A pesquisa publicada agora, também liderada por Rockström, foi conduzida por um time de 40 estudiosos de todo o mundo nos últimos três anos e realizada no âmbito da Earth Commission, um grupo mundial de cientistas dedicados a investigar os “pontos de não-retorno” causados pela ação humana no planeta.
O novo estudo agrega um elemento ao conceito de limites planetários, incorporando os critérios de equidade e justiça ambiental no cálculo dos limiares. Pela primeira vez, as variáveis foram analisadas e quantificadas conjuntamente, produzindo indicadores que cobrem em conjunto os limites dos sistemas vitais do planeta (como clima, biodiversidade, água e ar) e os impactos à vida humana.
A pesquisa, intitulada “Limites seguros e justos do sistema terrestre”, em tradução livre, concluiu que a janela disponível para salvar o futuro do planeta é ainda mais restrita quando consideradas a equidade e a justiça ambiental. A atualização busca superar uma das fragilidades do estudo anterior e tomar como perspectiva para um desenvolvimento seguro e justo as condições de vida das populações mais vulneráveis — afetadas mais intensamente pelas mudanças no planeta causadas por ação humana.
Ao considerar que todas as pessoas no mundo têm o direito inalienável ao acesso à água, alimentação, energia, saúde e a um meio ambiente saudável, os cientistas demonstraram que a ultrapassagem de alguns dos limites geofisicamente “aceitáveis” (as perturbações das quais a Terra pode se recuperar) já causa danos irreversíveis à vida de populações mais vulneráveis, especialmente no Sul global. O limiar de “segurança” aplicado anteriormente, assim, era mais “frouxo” do que o aceitável quando se considera a equidade no acesso aos recursos naturais e à vida em segurança para todas as populações.
Aquecimento: 1,5º já é demais
Através de uma ampla revisão da literatura científica e modelagem, o estudo quantifica os limites seguros e justos do sistema terrestre (ESBs, na sigla em inglês para Earth System Boundaries). As ESBs são agrupadas em oito categorias principais (clima, áreas preservadas/de ecossistema natural, integridade funcional dos ecossistemas, águas superficiais, águas subterrâneas, níveis de nitrogênio e fósforo na água e no solo e poluição por aerossóis), para as quais são estabelecidos percentuais específicos de mudanças aceitáveis.
Curiosamente, o único limite ainda não superado é o do clima. Com os novos critérios, os limiares seguros e justos para mudanças no sistema terrestre nem sempre coincidem. É o caso das mudanças climáticas: os cientistas concluíram que o aquecimento de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais (meta do Acordo de Paris) pode ser suportado pela Terra (não sem consequências) e relativamente seguro para a população de países desenvolvidos, mas já criaria danos significativos à vida dos mais vulneráveis.
A estimativa apresentada no estudo é que, com essa temperatura, 200 milhões de pessoas sofreriam com inéditos aumentos extremos de temperatura e 500 milhões de pessoas estariam expostas às consequências do aumento do nível do mar em longo prazo. Por isso a barreira “justa” para o aquecimento global foi fixada em 1ºC acima dos níveis pré-industriais, um limite já ultrapassado como mostra a figura abaixo. Hoje, a Terra está 1,1ºC mais quente.
Os riscos atuais ao futuro da civilização e toda a vida na Terra, segundo os autores, são “colossais”. Em entrevista coletiva, Johan Rockström (atualmente diretor do Instituto de Pesquisas sobre o Impacto Climático de Potsdam, na Alemanha) afirmou que, caso a Terra fosse um paciente em visita ao médico, o diagnóstico seria de um paciente crítico, mas não terminal. Segundo ele, os limites seguros e justos seriam como “medicamentos”, com os quais o paciente precisa passar a viver para curar-se.
Durante a coletiva, os pesquisadores destacaram que o estudo pode servir de guia para metas e ações concretas em direção ao desenvolvimento sustentável nos próximos anos, os mais decisivos para o futuro do planeta. Os cientistas convocaram governos e empresas a agir imediatamente em direção a adoção dos limites, como condição indispensável para a continuidade da vida na Terra.
*Leila Salim é jornalista e doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ e trabalha no Observatório do Clima e no Fekebook.eco
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O Observatório do Clima é uma rede que reúne entidades da sociedade civil para discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro.