Oito inovações que podem mudar o setor de viagens pós-covid-19

O escritório britânico Factorydesign, especializado em aviação, desenhou uma cabine em que uma divisória fica sobre o assento do meio, o mantendo vazio (Foto: Divulgação)

Entre as novidades em função das novas medidas sanitárias, há de robôs a máquinas para desinfetar passageiros

Por Carla Lencastre | ODS 12 • Publicada em 1 de junho de 2020 - 09:17 • Atualizada em 17 de junho de 2020 - 12:03

O escritório britânico Factorydesign, especializado em aviação, desenhou uma cabine em que uma divisória fica sobre o assento do meio, o mantendo vazio (Foto: Divulgação)

No momento, praticamente não existe viagem dentro do Brasil. Turismo internacional, nem pensar. Quem mora no Brasil não pode entrar sem restrições em numerosos países, como o Paraguai ou os Estados Unidos. Vale ressaltar que visitantes de outros lugares, com poucas exceções, também não são admitidos no Brasil pelo menos até 22 de junho. A grande maioria dos países continua limitando a entrada de estrangeiros, mas algumas bolhas começam a surgir aqui e ali, dando uma ideia de como será a retomada das viagens internacionais.

Na Europa, os países bálticos criaram o primeiro corredor de segurança: Estônia, Letônia e Lituânia suspenderam em maio as restrições à circulação. Na última semana do mês foi a vez de Croácia e Eslovênia. Outros corredores são estudados em Europa, Ásia e Oceania. A ideia da bolha sanitária é permitir a circulação entre países na mesma fase de contenção do vírus.

Por enquanto, o Brasil não tem chance de integrar nenhum corredor de segurança, nem com países vizinhos, que estão lidando com a pandemia melhor do que nosotros. Mas um dia, aparentemente ainda distante, vamos poder sair por aí novamente e encontraremos um setor de viagens diferente do que conhecemos. A seguir, listamos oito inovações, de tecnologia e design, que podem surgir em função das novas medidas sanitárias exigidas em um mundo com covid-19, ou que já existem em pequena escala e provavelmente serão ampliadas.

1 – Passaporte de imunidade

É uma das possíveis inovações mais discutidas e polêmicas. E desaconselhada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) porque, entre outras razões, incluindo temor de discriminação e violação de privacidade, por enquanto, não há garantia de imunidade ao novo coronavírus. O “passaporte” ficaria no celular. O documento funcionaria com QR code, mais ou menos como a China vem fazendo para controlar movimentos da população. A ilha italiana da Sardenha anunciou que vai exigir uma espécie de visto sanitário de moradores de outras partes do país quando o turismo doméstico for retomado, o que está previsto para junho. Os sardos pretendem também usar um aplicativo para rastrear os passos do visitante na ilha.

É provável que companhias aéreas façam testes antes do embarque, e no desembarque em alguns destinos. Duas empresas dos Emirados Árabes Unidos que voam para o Brasil deram início à implementação de medidas de segurança sanitária. Em abril, a Emirates, baseada em Dubai, foi a primeira a fazer exame de sangue com resultado rápido no embarque, ainda que a eficácia do teste seja controversa. No mesmo mês, a Eithad, de Abu Dhabi, começou a medir a temperatura dos passageiros. Já o aeroporto de Hong Kong está testando uma máquina (fechada, como uma cabine) para desinfetar, em 40 segundos, cada passageiro que chega.

2 – Novo design da classe econômica

O escritório britânico Factorydesign, especializado em aviação, desenhou uma cabine em que uma divisória fica sobre o assento do meio, o mantendo vazio e tornando realidade o sonho de todos que viajamos em classe econômica. Outra especialista em interiores de aeronaves, a italiana Aviointeriores criou um modelo no qual os assentos do meio ficam de costas para a frente do avião, isolados por telas transparentes. O projeto recebeu o nome de Jano, deus das duas faces. Sabe a Lei de Murphy que diz que nada é tão ruim que não possa piorar? Pois é.

De todas as inovações previstas para o setor de viagens, o redesenho da classe econômica é das que tem menor chance de se tornar realidade. Como todas as companhias do setor, as aéreas foram duramente atingidas pela covid-19. A Iata, a associação de empresas de transportes aéreo, já disse que é contra o bloqueio do famigerado assento do meio.

A italiana Aviointeriores criou um modelo de classe econômica no qual os assentos do meio ficam de costas para a frente do avião, isolados por telas transparentes (Foto: Divulgação)

3 – Apps para medir movimento nas praias

Portugal, um dos países que vem lidando bem com a covid-19, começou a suspender este mês as restrições de quarentena e pretende abrir oficialmente as praias em 6 de junho. Para isso, o governo anunciou um aplicativo que vai medir em tempo real a ocupação da areia usando dados de celulares. Não haverá fiscalização. Cada um olha o mapa no app e avalia se cabe mais um na praia com segurança. A região na Galícia, no noroeste da Espanha, também estuda implantar um projeto parecido a partir deste verão europeu. Na ferramenta, os banhistas poderão marcar hora para ir a praias menores, recebendo um QR code. Nas extensões de areia maiores, o mapa será feito pela análise de imagens captadas por drones.

4 – Novas tecnologias de limpeza em aviões e hotéis

O Fórum Econômico Mundial diz que raios UV para descontaminação podem se tornar realidade no setor de hospitalidade. A radiação ultravioleta, última etapa do processo de limpeza, já é usada em hospitais e no transporte público, mas sua eficácia contra o novo coronavírus ainda está sendo estudada. Pulverizadores eletroestáticos também podem vir a fazer parte de novos protocolos de limpeza e higienização de aviões, aeroportos e hotéis.

A companhia aérea americana Delta, que voa para o Brasil, anunciou que está desinfetando todos os seus aviões com sprays eletrostáticos. A rede americana Marriott International, a maior do mundo, também pretende fazer este tipo de pulverização nos quartos de seus sete mil hotéis. Hilton, outro grupo hoteleiro americano, está avaliando acrescentar aos seus procedimentos tanto os aspersores quanto a luz UV. Um selo de limpeza para hotéis e aeroportos pode vir a ser criado nos moldes do Leed, que certifica construções sustentáveis.

5 – Experiências de baixo contato na hotelaria

O incentivo aos meios eletrônicos é um dos novos protocolos para a hotelaria apresentados pelo Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC na sigla em inglês). Um mundo beyond human é a primeira das dez tendências de consumo apontadas pelo Euromonitor International para 2020. No final de abril, a consultoria britânica revisou a lista levando em conta a covid-19. Se no início do ano “além do humano” significava que a inteligência artificial poderia ser conveniente, agora o esperado é um rápido crescimento da automação.

Com hotéis em cinco estados brasileiros, a rede Hilton, uma das pioneiras em check-in contactless, anunciou que, a partir de junho, vai ampliar o programa Digital Key para mais de 4.700 propriedades em todo o mundo (o grupo administra cerca de 5.700 hotéis). A iniciativa faz parte dos novos procedimentos globais de limpeza. O app Hilton Honors, com a chave digital, permitirá também controlar iluminação, temperatura do quarto e televisão. Cartões magnéticos continuarão a ser usados como chaves, mas terão que ser constantemente desinfetados, como recomenda o WTTC nos protocolos para o novo normal na hotelaria.

Check-in virtual já era realidade na aviação, e agora deve se expandir pela rede hoteleira. Mesmo que o check-in seja feito no lobby, a tendência é o hóspede usar o próprio telefone e não tocar em nenhuma superfície na recepção. A Marriott, presente em seis estados brasileiros, anunciou que check-in e pedidos de serviço de quarto por celular estarão disponíveis em mais de 3.200 de suas propriedades. Menus de room service ficarão em tablets ou televisões. Restaurantes, bares e lojas terão pagamento por aproximação.

6 – Robôs em hotéis e aeroportos

Pedidos de serviço de quarto entregues por robôs podem se tornar mais comuns para evitar contato social. Robôs para limpeza em hotéis e aeroportos ainda não são usuais, mas podem se tornar. O Aeroporto Internacional de Hong Kong está usando em suas áreas públicas robôs que emitem raios ultravioleta, que eram exclusividade de hospitais.

Hannah, robo do H Hotel by Hilton em Los Angeles (Foto: Divulgação)

7 – Redesenho de áreas comuns em hotéis

O design das áreas comuns está mudando. Hotéis que já tinham reformas previstas abrirão de outro jeito. A Marriott anunciou que vai remover móveis e reorganizar seus lobbies para permitir distanciamento social. Na Ásia, o Prince Hong Kong, parte do grupo Marco Polo, tinha uma reforma prevista para este ano. Antes que começasse, o planejamento foi refeito. Os projetos de áreas comuns como lobby e restaurante e a escolha de revestimentos foram modificados levando em conta o distanciamento. Materiais mais fáceis de limpar e higienizar, por exemplo, serão priorizados para cadeiras, mesas, balcões e pisos.

8 – Reconhecimento facial nos cruzeiros (e rotas para lugar nenhum)

Cruzeiros estão no fim da lista de inovações por conta da imensa dificuldade em garantir segurança sanitária numa atividade que consiste em reunir em um mesmo ambiente por vários dias milhares de pessoas vindas de diferentes países, compartilhando mesas de refeição e de jogo, parando cada dia em um porto. A reputação das empresas marítimas sofreu forte abalo com a covid-19. Embarcações foram associadas à disseminação da doença. Outras estão até hoje com tripulantes não repatriados confinados em navios-fantasmas. O WTTC anunciou parâmetros de segurança para diversas áreas do setor de viagens e turismo, mas não se manifestou sobre cruzeiros. A Clia, a associação comercial do setor, ainda não se pronunciou.

Talvez o longo caminho de volta ao mercado comece a ser navegado em cruzeiros fluviais. São embarcações menores, com menos gente e que, muitas vezes, navegam dentro de um único país. A Uniworld, operadora de cruzeiros de luxo na Europa e na Ásia que pretende retomar as atividades em julho, anunciou mais de 30 medidas de segurança sanitária em seus barcos. Uma delas é a liberação de acesso por reconhecimento facial; o hóspede embarca sem encostar em nada. Já a Dream Cruises, especializada no mercado asiático, pensa em lançar em agosto cruzeiros de curta duração para lugar nenhum em que os navios serão como resorts flutuantes. A pessoa embarca para ficar confinada por alguns dias em um navio.

Carla Lencastre

Jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou por mais de 25 anos na redação do jornal O Globo nas áreas de Comportamento, Cultura, Educação e Turismo. Editou a revista e o site Boa Viagem O Globo por mais de uma década. Anda pelo Brasil e pelo mundo em busca de boas histórias desde sempre. Especializada em Turismo, tem vários prêmios no setor e é colunista do portal Panrotas. Desde 2015 escreve como freelance para diversas publicações, entre elas o #Colabora e O Globo. É carioca e gosta de dias nublados. Ama viajar. Está no Instagram em @CarlaLencastre 

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