#RioéRua: março da cidade e das mulheres

A Mulher, no seu Dia Internacional, e o Rio de Janeiro, no seu 456º aniversário (Arte: SÔNIA POMPEU)

Cronista pega carona em livro de 1923, de Álvaro Moreyra, para saudar o aniversariante Rio de Janeiro e as cariocas e procurar otimismo em meio à pandemia

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 8 de março de 2021 - 11:03 • Atualizada em 1 de abril de 2021 - 19:44

A Mulher, no seu Dia Internacional, e o Rio de Janeiro, no seu 456º aniversário (Arte: SÔNIA POMPEU)

Esse #RioéRua foi criado para ser espaço de crônicas de um carioca com sua cidade, imaginado como celebração de todas as boas que ela oferece – em particular, nas ruas, nos espaços públicos, nos lugares onde a cidade promove encontros, empatias, cumplicidades. Nesta virada de fevereiro para março, o Rio de Janeiro deveria estar comemorando seu aniversário, fazendo festa, provocando emoções.

Mas, há um ano, aqui – como em toda parte – nada é natural. Neste Brasil, mais do que em outras partes, é difícil, quase impossível, falar de encontros, de festas, de emoções. A crônica vem apelando ao passado para seguir seu caminho e driblar assuntos fúnebres diários, evitar o transbordamento do ódio contra o Capitão Cloroquina e seus asseclas, não se tornar azeda, amarga, melancólica…

A data de publicação desta crônica, que poderia ser sobre o aniversário do Rio de Janeiro, coincide com o Dia Internacional da Mulher. E seria a cidade feminina? E a mulher é internacionalmente carioca? “Eu vejo na luz dos seus olhos (na cor dos seus olhos)/As noites do Rio ao luar” – cantou em “Ela é carioca” o maestro soberano Tom Jobim, que compôs Garota de Ipanema, com o poeta Vinicius de Moraes, que escreveu Balada das Mocinhas de Botafogo.

Mulheres cariocas são a Rita, a Carolina e a Bárbara, do Chico; a Luísa e a Lígia, do Tom; a Kátia Flávia, Godiva de Irajá, de Fausto Fawcett; a Guiomar, de Nei Lopes, a Julieta, de Noel Rosa, a Maria (da lata d’água na cabeça), de Jota Junior e Luiz Antônio, e até a Amélia, de Mário Lago. São mulheres de todos os tempos, imaginadas, idealizadas por homens de todos os tempos, cariocas eles e elas. É preciso olhar para trás para ter um pouco de leveza: no Rio deste fim de verão de 2021, a mulher carioca é a enfermeira Ângela, a nutricionista Gracinete, a doméstica Rosane, a psicóloga Patrícia – personagens de reportagens sobre o enfrentamento da Covid-19.

Para acreditar que tudo vai passar, peguei para ler um livro de crônicas do poeta, jornalista e editor Álvaro Moreyra, um gaúcho que amava o Rio. A Cidade Mulher fala das coisas cariocas e das coisas femininas. “Rodin gostava de repetir que o corpo da mulher é uma obra-prima. Essa obra-prima, o mar a revela, serena e pura, no deslumbramento original desvenda-lhe a harmonia profunda, despe-a de ofensa com que a desvirtua vestes e recatos. O mar é mais inteligente do que nós pensamos, e desdenha dos nossos pobres preconceitos com um humorismo que não conseguimos compreender… Foi do mar que Afrodite nasceu, numa alvorada de primavera. A memória do mar, escondida no mistério das águas, guarda a saudade desse natal radioso. E todas as mulheres que ele envolve na ondulação do seu mar o renovam o mesmo milagre, o único milagre que se realizou no mundo”.

Era poeta Álvaro Moreyra e muito apaixonado pela mulher, Eugênia, pioneira do feminismo, jornalista e atriz nos anos 1920. Era também um apaixonado pelo Rio. “Mas que beleza de noite! E como amo a cidade, assim, junto do mar, dentro do silêncio maravilhoso…As fadas despertaram, e andam, invisíveis, tecendo sombras entre as sombras das árvores”.  As crônicas passeiam pela orla de Copacabana, pela Rua do Ouvidor, pela Rua São José, pela Avenida (Rio Branco), pela Rua do Passeio. E viajam muito de bonde, nos bons tempos em que o transporte público era mais confortável e inspirador.

E falam as crônicas de mulheres de 28 anos, “que têm encanto diferente”, de mulheres altas, de mulheres de saias, de melindrosa, de moça em uniforme escolar, de mulheres de óculos, da francesinha Marcelle e da cabeleireira Maria, de poetas e de atrizes. Álvaro Moreyra lembra que foi uma mulher – a poetisa francesa Jeanne Catulle-Mendès – que primeiro batizou o Rio de Janeiro como Cidade Maravilhosa: no livro Ville Marvelleuse, ela reuniu os poemas sobre sua estadia por aqui em 1911. E aplaude Cidade Maravilhosa, título do livro de poesias de seu amigo Olegário Mariano. “Cidade Maravilhosa tornou mais bela a nossa bela terra carioca: deu-lhe ritmo envolvente de uma juventude sempre nova, nunca exausta de cantar, como as cigarras”.

Talvez por conta da bela terra carioca e de suas mulheres Álvaro Moreyra conseguiu escrever as crônicas desse livro com esse tom sempre leve e apaixonado. Na crônica Cuidado, ele alerta que tem pavor dos pessimistas que “são mais nefastos que o éter, a morfina, a cocaína, o ópio e outros venenos cinematográficos perseguidos pela polícia”. O poeta cronista é um otimista: escreveu essas crônicas em 1923, apenas cinco anos depois da gripe espanhola que levou dois de seus filhos. Só pode ter sido inspirado mesmo pelas mulheres – sua Eugênia à frente de todas – e essa cidade feminina.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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