Diário da Covid-19: Trabalhadoras domésticas são as mais afetadas pela pandemia

Grafite faz homenagem ao menino Miguel Otavio Santana, de cinco anos, filho da empregada doméstica Mirtes Santana de Souza, que morreu ao cair de um prédio em Recife. Foto Paulo Paiva/AGIF

Dados do IBGE revelam que 33,6% das empregadas sem carteira deste setor foram afastadas nos primeiros meses do ano

Por Agostinho Vieira | ODS 10ODS 3 • Publicada em 13 de julho de 2020 - 08:07 • Atualizada em 7 de março de 2021 - 13:47

Grafite faz homenagem ao menino Miguel Otavio Santana, de cinco anos, filho da empregada doméstica Mirtes Santana de Souza, que morreu ao cair de um prédio em Recife. Foto Paulo Paiva/AGIF

Em artigo recente publicado no #Colabora, Thais Zimbwe, da ONG Criola, contou a história de Rosane Cardoso, uma trabalhadora doméstica com mais de 20 anos de atividade que, mesmo tento carteira assinada, vive um cotidiano de direitos violados. Desde o início da pandemia, ela não consegue voltar para a sua casa, em Caxias. Os seus patrões ofereceram duas opções: a) seguir trabalhando, residindo na casa deles até a situação se normalizar; b) retornar para a sua casa, receber as férias de 30 dias, e só voltar quando a crise terminar, sem receber salário. Rosane, preocupada com o sustento da família, escolheu a primeira alternativa: “Como vou ficar em casa e só receber o dinheiro das férias se não sabemos quando tudo isso passará? E tenho um filho de 19 anos, que cursa faculdade de Letras, e a mensalidade custa R$ 700. Não tive opção, eles me assustaram dizendo que já tinham demitido muita gente”, lamenta.

Sonia Maria do Nascimento também é empregada doméstica, também trabalha há mais de 20 anos e, também está afastada dos filhos. Mas por opção. Desde o início da pandemia seus padrões informaram que o seu salário não seria cortado e que ela deveria ficar em quarentena para se proteger e evitar a contaminação. Sonia então resolveu se isolar em uma pequena casa que tem em Arraial do Cabo. Longe do trabalho e do resto da família.

 

O incrível dessas duas histórias é que, na sociedade em que vivemos, Rosane e Sonia ainda correm o risco de serem apontadas como privilegiadas. Afinal de contas, são duas brasileiras que seguem empregadas e recebendo os seus salários. Uma delas tem um filho na universidade e a outra tem uma casa própria na região dos lagos. Logo, apesar de não desfrutarem de qualquer privilégio, elas estão longe de representar a realidade da média da categoria. De acordo com o IBGE, os trabalhadores domésticos têm sido os mais prejudicados pela pandemia, especialmente os que não têm carteira assinada. Nada menos do que 33,6% foram afastados dos seus trabalhos. Eles são seguidos pelos empregados do setor público sem carteira (29,8%) e pelos empregados do setor privado sem carteira (22,9%). Já entre os trabalhadores domésticos com carteira, o percentual de afastados foi de 16,6%. Aliás, o IBGE continua usando a expressão “trabalhadores domésticos” para classificar um setor que reúne cerca de 6 milhões de pessoas e é composto em mais de 90% por mulheres, em sua maioria, negras.

As informações fazem parte da Pnad Covid, realizada pelo instituto com apoio do Ministério da Saúde, com o objetivo de identificar os impactos da pandemia no mercado de trabalho. A pesquisa mostra que 9,7 milhões de pessoas que estavam ocupadas foram afastadas por conta da covid-19. Rosane Cardoso está entre os 77,5% dos trabalhadores que não foram afastados, apesar do preço que está pagando por isso. Já Sonia Maria faz parte dos 10,9% afastados que continuaram recebendo remuneração normalmente. Outros 11,5% foram afastados e deixaram de receber remuneração. Os dados da Pnad Covid mostraram ainda que 36,4% das pessoas ocupadas tiveram, neste período, um rendimento menor do que recebiam normalmente.

O retrato trazido pela pesquisa, sobre uma situação pior do trabalhador informal, mostra a realidade do mercado de trabalho brasileiro. Por não ter nenhuma proteção, o trabalhador informal é quem sente o primeiro impacto das crises econômicas. Um estudo publicado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), em parceira com ONU Mulheres, também fez um alerta sobre a vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas durante a pandemia de covid-19. Segundo o relatório, assinado por Luana Pinheiro, Carolina Tokarski e Marcia Vasconcelos, 70% da categoria não possuem carteira de trabalho assinada. Logo, não têm direitos básicos com seguro-desemprego, 13º salário, FGTS e benefícios previdenciários. Os pesquisadores argumentam que o trabalho doméstico só continua existindo por conta da enorme desigualdade social do país: “A vulnerabilidade desta categoria tem, na falta de proteção social, uma de suas marcas mais fortes e permanentes”, explicam.

Para as pesquisadoras Luana, Carolina e Marcia, não é só na informalidade que se situa a precariedade do emprego doméstico: “É preciso lembrar dos abusos e dos assédios morais e sexuais a que essas trabalhadoras estão submetidas, da desvalorização e da estigmatização social da profissão, das jornadas exaustivas e mal remuneradas (as trabalhadoras domésticas, ainda hoje, recebem, em média, menos que um salário mínimo mensal), das longas trajetórias percorridas em transportes públicos lotados no deslocamento casa-trabalho-casa, e na “troca” cruel de tempo e esforços que dedicam ao cuidado dos outros em detrimento do tempo e da “energia” que não possuem para o cuidado de si e de seus próprios familiares”.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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