#RioéRua: bons sinais com a volta do Campo de Santana

O Campo de Santana, com seu cenário bucólico, cercado de prédios históricos: reaberto após nove meses fechado (Foto: Oscar Valporto/2017)

Sob nova direção, a cidade reabre área verde urbana, fechada desde o começo da pandemia, onde cariocas podem observar os bichos e ver pedaços da história

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 11 de janeiro de 2021 - 09:31 • Atualizada em 13 de janeiro de 2021 - 09:24

O Campo de Santana, com seu cenário bucólico, cercado de prédios históricos: reaberto após nove meses fechado (Foto: Oscar Valporto/2017)

Quando voltei ao Rio de Janeiro em 2016, depois de oito anos em Salvador, os caminhos da vida me levaram um dia ao Campo de Santana, onde há muito não entrava. Fiquei feliz com o que vi. Nos anos 1980, época da pior recessão que vivi, trabalhei no Globo, perto dali, e cruzar o parque era um tanto deprimente: o lugar estava abandonado, assaltos eram comuns, sem teto e desempregados caçavam cutias e até os animaizinhos pareciam viver assustados. O século XXI parecia ter feito bem ao Campo de Santana e passei a aproveitar qualquer oportunidade para flanar por ali. Ainda em 2017 (tenho fotos para provar), os gramados estavam cuidados, agentes do Centro Presente e da Guarda Municipal garantiam a sensação de segurança e eu nunca tinha visto tantos bichos: patos, garças, marrecos, gansos e pavões – além de urbanos gatos e pombos – faziam companhia às cutias, tradicionais moradoras do parque e atraíam a atenção das crianças.

Cutias, pavões e gatos, parte de uma fauna que inclui patos, garças, e marrecos: atração para crianças (Foto: Oscar Valporto/2017)
Cutias, pavões e gatos, parte de uma fauna que inclui patos, garças, e marrecos: atração para crianças (Foto: Oscar Valporto/2017)

Dois anos depois, na última visita que a memória registra, já não achei o Campo de Santana tão bem tratado. Atribuí a uma das manobras do ex-prefeito, aquele que não gostava da cidade: o sujeito passou a Fundação Parques e Jardins, que tem sede dentro do parque, para a esfera da Secretaria de Envelhecimento Saudável, em um arranjo político fadado ao fracasso. Nos primeiros dias de janeiro de 2021, descobri que o Campo de Santana estava fechado desde março – uma enorme área verde, no coração da cidade, sob responsabilidade da prefeitura, permaneceu inacessível à população, enquanto restaurantes, bares e shoppings eram liberados para funcionamento. Descobri porque a cidade voltou a ter prefeito e a nova administração percebeu que reabrir o Campo de Santana, além de agradar os frequentadores, custava apenas um esforço dos órgãos municipais e produzia o simbólico efeito de mostrar que a prefeitura voltava a estar ocupada por pessoas que conheciam o Rio de Janeiro e sua história.

Igreja de São Gonçalo Garcia e São Jorge, erguida em 1756,
A Igreja de São Gonçalo Garcia e São Jorge, erguida em 1756: Campo de Santana faz parte da história da cidade desde o século XVII (Foto: Oscar Valporto/2017)

Duvido seriamente que o bispo licenciado para ser prefeito e seus assessores conheçam a longa trajetória histórica desta área, um descampado chamado primeiramente de Campo da Cidade e depois Campo de São Domingos, que, em 1753, recebeu o nome atual com a construção de uma igreja consagrada à Nossa Senhora de Santana. Com a chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808, o campo ganhou um quartel e seu primeiro jardim – de amoreiras – em 1815. Dois anos depois, teve início a saga para o batismo da área: o Campo de Santana virou Praça dos Curros, quando ganhou arquibancada para touradas. Em 1822, após a Independência, o lugar passou por uma reforma – com ampliação do jardim – para a Aclamação de Dom Pedro como Imperador. Virou Campo da Aclamação – apesar das touradas só terem sido proibidas em 1907. O nome durou até a chegada da República: o marechal Deodoro da Fonseca morava na região e foi a pé até o quartel para a proclamação.

Igreja de São Gonçalo Garcia e São Jorge, erguida em 1756,
Revoada de garças no parque urbano projeto pelo francês Glaziou a pedido do Imperador Pedro II: natureza e história no Centro do Rio (Foto: Oscar Valporto/2017)

Ao ganhar o nome de Praça da República, em 1989, o campo já tinha um formato mais parecido com o de hoje. As festas religiosas – como a do Divino – mudaram de lugar com a demolição da Igreja de Santana para a construção da estrada de ferro e, em 1880, Dom Pedro II, também aclamado imperador ali, inaugurou os jardins planejados pelo francês Auguste François Marie Glaziou com árvores, arbustos, lagos e a famosa gruta que recebeu seu nome. Chegaram também as estátuas: são, pelo menos, 11, a maior delas, o monumento a Benjamim Constant, bem no centro do parque. Em 1917, toda a área voltou a se chamar Campo de Santana, como os cariocas nunca deixaram de chamar o lugar.

A saga do nome oficial continuou: em 1934, o parque passou a ser chamado de Júlio Furtado e as ruas do entorno de Praça da República; em 1939, tudo, parque e entorno, voltou a ser Praça da República. Só, em 1965, as autoridades renderam-se à força do nome e desmembraram de novo: o parque voltou a ser Campo de Santana – espera-se que definitivamente – e República ficou só com o entorno. O Campo de Santana, ainda na República, ia até a Estação do Central do Brasil e o Ministério da Guerra: na década de 1940, o parque perdeu 20% de sua área para a abertura da Avenida Presidente Vargas.

Movimento de cariocas, muitos a caminho dos trens da Central, bem antes da pandemia: 100 mil passavam pelo Campo de Santana diariamente (Foto: Oscar Valporto/2017)
Movimento de cariocas, muitos a caminho dos trens da Central, bem antes da pandemia: 100 mil passavam pelo Campo de Santana diariamente (Foto: Oscar Valporto/2017)

O lado voltado para a Central e o Palácio Duque de Caxias tornou-se o mais desinteressante do agora retangular Campo de Santana: nos outros três lados, é possível ver, de dentro do parque, a Igreja de São Gonçalo Garcia e São Jorge, erguida em 1756, a antiga sede da Santa Casa de Misericórdia (1907), o Quartel-Central do Corpo de Bombeiros,(1907), o Palácio Conde dos Arcos (1819), sede do Senado Imperial e da Faculdade Nacional de Direito – hoje da UFRJ – e a antiga Casa da Moeda, construída em 1866 e, desde 2004, sede do Arquivo Nacional. Os lados voltados para o quartel dos bombeiros (entre as ruas Visconde de Rio Branco e Frei Caneca) e para o Arquivo Nacional (e a faculdade de Direito e o Hospital Souza Aguiar), tinham frequência mais tranquila e mais povoada de animais.

O Campo de Santana aberto no dia 7 de janeiro após nove meses de portões fechados: horário agora de 6h às 17h (Foto: Beth Santos/Prefeitura do Rio)
O Campo de Santana aberto no dia 7 de janeiro após nove meses de portões fechados: horário agora de 6h às 17h (Foto: Beth Santos/Prefeitura do Rio)

Do portão da Presidente Vargas ao do Saara e da estação do VLT, o parque costumava reunir mais gente apressada e menos bichos. Nos outros cantos, o cenário incluía pessoas cansadas, desempregadas ou desocupadas aproveitando os bancos do parque e ainda o movimento intenso dos animais que criavam uma surpreendente paisagem bucólica no coração urbano desta quase sempre maltratada metrópole. Provavelmente, todos – trabalhadores em trânsito, desempregados, desocupados e as pequenas espécies da fauna – devem estar felizes com a reabertura do Campo de Santana, que, no dia 7, teve as portas escancaradas de manhã bem cedo com a presença do prefeito Eduardo Paes. Antes da pandemia, 100 mil pessoas passavam diariamente pelo parque, que volta a ficar aberto das 6h às 17h. A reabertura de uma área verde urbana, para o carioca poder flanar no coração da cidade história, sem necessidade de aglomeração, é um ótimo sinal. Quando tudo passar, garanto que vou voltar a incluir o Campo de Santana nos meus roteiros pelo Rio de Janeiro.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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