Financiamento do transporte público é peça fundamental da transição energética

Às vésperas da COP30, o Brasil tem a chance de colocar o transporte sustentável - público e coletivo - no centro da estratégia de descarbonização

Por ITDP Brasil | ArtigoODS 11
Publicada em 9 de outubro de 2025 - 09:31  -  Atualizada em 9 de outubro de 2025 - 09:35
Tempo de leitura: 7 min

Estação Sé do metrô paulista sistemas de transporte de média e alta capacidade são estruturantes para reduzir emissões e ampliar a eficiência da mobilidade (Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil – 03/11/2022)

(Clarisse Cunha Linke, Leonardo Veiga e Rebecca Bassi*) – O Brasil vive um momento decisivo para o futuro da mobilidade urbana. Em meio à crise climática global, o país tem a oportunidade de alinhar sua política de transporte à agenda internacional de transição energética, colocando o transporte público coletivo no centro da estratégia de descarbonização.

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Esse esforço exige investir na expansão da rede de transporte de média e alta capacidade e na renovação da frota de ônibus urbanos. Juntas, essas medidas podem reduzir a dependência do automóvel, ampliar o acesso a sistemas eficientes e promover uma transição energética capaz de melhorar o acesso e a qualidade de vida nas cidades.

Expansão da rede de média e alta capacidade: base da mobilidade sustentável

Os sistemas de transporte de média e alta capacidade, como metrôs, trens, VLTs e corredores de BRT, são estruturantes para reduzir emissões e ampliar a eficiência da mobilidade. Ao concentrar grandes fluxos de deslocamentos, esses sistemas reduzem a dependência do transporte individual motorizado e contribuem diretamente para cidades mais inclusivas e sustentáveis.

Apesar disso, a cobertura de transportes da rede brasileira ainda é limitada. O Estudo Nacional de Mobilidade Urbana, conduzido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Ministério das Cidades, identificou quase 200 projetos capazes de duplicar a rede de transporte de média e alta capacidade nas principais regiões metropolitanas, elevando de 10% para 30% a parcela da população com acesso a esses sistemas. Para viabilizar essa expansão até 2054, estima-se a necessidade de aproximadamente R$ 500 bilhões em investimentos.

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Apesar do custo elevado, a expansão da rede traz benefícios sociais significativos: milhões de pessoas, especialmente as mais vulnerabilizadas, terão maior acesso a oportunidades de emprego, educação e saúde, ao mesmo tempo em que se reduz a dependência de carros e motos, diminuindo as emissões de poluentes e gerando impactos diretos e positivos na qualidade de vida da população.

Transição energética eficiente

O Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2023, incorpora a mobilidade urbana como componente central da transição energética. Apenas no subeixo Renovação de Frota (Refrota), estão previstos R$ 10,6 bilhões para a aquisição de ônibus de baixa emissão, incluindo mais de dois mil veículos elétricos.

Análises do ITDP Brasil mostram que, caso todos os veículos previstos sejam adquiridos, será possível evitar mais de 4.000 kt de CO₂, o que é equivalente a três vezes mais as emissões evitadas pela frota elétrica atualmente em operação no país. Esse resultado mostra que o Novo PAC pode ser um incentivo à mobilidade urbana sustentável e contribuir com os compromissos climáticos do país.

O impacto do programa pode ser potencializado se for integrado a uma estratégia nacional de eletrificação do transporte público. O estudo “Acelerando a Transição: Estratégia para Eletrificar a Frota Brasileira de Ônibus até 2030”, do ITDP Brasil, revela que nos próximos cinco anos, o país tem potencial de substituir 14 mil ônibus a diesel por elétricos nas 21 maiores regiões metropolitanas, priorizando os veículos mais antigos e poluentes.

Essa substituição resultaria em uma redução de 24,6% das emissões do transporte coletivo nessas cidades e poderia gerar uma economia anual de até R$ 62 milhões em saúde pública. Para além do ganho ambiental, a eletrificação do transporte público coletivo é também uma política de saúde e justiça social.

Como destravar os investimentos em transporte sustentável?

O desafio central é o financiamento. Seja para a expansão da rede de transporte ou para a renovação da frota de ônibus, o papel do governo federal é estratégico na estruturação de mecanismos de mobilização de recursos e na oferta de previsibilidade ao setor. É fundamental criar linhas de crédito estáveis, acompanhadas de instrumentos de garantia que transmitam segurança a municípios, operadores e fabricantes. Para avançar, governos locais precisam adotar medidas práticas, como formalizar contratos de financiamento com bancos operadores, estabelecer garantias e contrapartidas entre entes públicos e privados, planejar e executar licitações para aquisição de veículos, coordenar prazos e entregas entre prefeituras, operadores e fabricantes, além de definir rotas e a infraestrutura de apoio necessária, como garagens e sistemas de recarga para ônibus elétricos.

Transporte no centro da agenda climática

Às vésperas da COP30, o Brasil tem a chance de colocar o transporte sustentável no coração da transição energética. Garantir que o setor esteja presente nas negociações climáticas é estratégico não apenas para impulsionar financiamentos nacionais, mas também atrair parcerias e recursos internacionais.

Se bem conduzida, a agenda de transporte pode ser um motor de transformação estrutural, combinando escala, velocidade e viabilidade econômica. Mais que reduzir emissões, trata-se de construir um futuro urbano mais inclusivos, resilientes e sustentáveis para milhões de brasileiros.

*Clarisse Cunha Linke, diretora-executiva do ITDP Brasil, é mestre em Políticas Sociais, ONGs e Desenvolvimento pela London School of Economics and Political Science (LSE) e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFF; Leonardo Veiga é economista, mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e gerente de Monitoramento e Avaliação do ITDP Brasil; Rebecca Bassi é cientista social, mestranda em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e assistente de Programas do ITDP Brasil

ITDP Brasil

Fundado em 1985, o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, da sigla em inglês para Institute for Transportation and Development Policy) é uma entidade sem fins lucrativos que promove o transporte sustentável e equitativo no mundo, concentrando esforços para reduzir as emissões de carbono, poluição atmosférica, ocorrências de trânsito e a desigualdade social. Presente no país desde 2009, o ITDP Brasil possui atuação nacional, inspirada pelos oito princípios do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável que estimula uma ocupação compacta e com uso misto do solo, com distâncias curtas para trajetos a pé e próxima a estações de transporte de alta capacidade. São eles: caminhar, usar bicicletas, conectar, usar transporte público, promover mudanças, adensar, misturar e compactar.

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