Thais Emília: mãe se torna referência na luta por direitos de crianças intersexo

Thais Emília com o marido Beto e o filho Jacob; mãe enfrentou discriminação por condição intersexo do filho (Foto: Arquivo Pessoal)

Educadora foi uma das responsáveis por fundar a Associação Brasileira Intersexo e é uma das autoras do livro “Mães fora do armario”

Por Micael Olegário | ODS 10 • Publicada em 23 de agosto de 2024 - 08:58 • Atualizada em 28 de agosto de 2024 - 11:24

Thais Emília com o marido Beto e o filho Jacob; mãe enfrentou discriminação por condição intersexo do filho (Foto: Arquivo Pessoal)

“Só o amor faz com que você ultrapasse todas as barreiras sociais, de falta e violação de direitos”, afirma Thais Emilia Santos. Professora universitária, palestrante e dançarina, Thais é uma referência na luta pelos direitos de crianças intersexo. Uma das fundadoras e atual presidenta da Associação Brasileira Intersexo (ABRAI), ela assina um dos textos do livro “Mães fora do armário”. A obra, publicada no mês do Orgulho LGBT+, conta com 14 histórias de mães de pessoas da comunidade.

Leia mais: Mães fora do armário: exemplos de acolhimento LGBT+ inspiram livro

Um tema por muito tempo marginalizado, as pessoas intersexo começaram a ganhar visibilidade no Brasil após o aparecimento da personagem “Buba”, da primeira versão da novela Renascer (1993). Com a nova edição neste ano, a personagem foi alterada para uma pessoa trans, o que também gerou debates e discussões. Em outro contexto e longe das telas, Thais precisou encarar o preconceito e as dificuldades de ser mãe de uma criança que não se encaixava nas definições tradicionais de masculino e feminino. Em 2016, quando estava com sete meses de gravidez, os médicos começaram a suspeitar de que o bebê que Thais esperava não tivesse um sexo definido.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos

Por conta do desconhecimento e discriminação, a professora passou por momentos de angústia e diferentes violências, segundo ela, devido “a questão do diagnóstico de pseuso-hermofrodita ser algo que os médicos não sabiam lidar”. Thais conta que a condição de sua criança não era aceita pelos profissionais de saúde. Com isso, no parto “começaram a fazer um monte de exames para tentar definir o sexo entre menino ou menina”, relata a mãe de Jacob Cristopher, que nasceu com microcefalia e um problema cardiáco, que o levou a falecer com 1 ano e 7 meses.

As pessoas são muito presas num padrão de corpo, num padrão binário, é preciso romper e entender o que é amor de verdade

Thais Emília dos Santos
Presidenta da ABRAI

Por conta da intersexualidade, os médicos não forneceram a Declaração de Nascido Vivo (DNV), documento necessário para obter a Certidão de Nascimento e para que Thais tivesse acesso à licença maternidade. Apenas depois de ter feito o registro de Jacob com o sexo masculino, a educadora – que também é mãe de outras três crianças: Guilherme, Alexandre e Jenny Rayssa – descobriu a possibilidade de obter a certidão com o sexo “ignorado”, algo assegurado na justiça a partir de 2012.

O que é ser uma pessoa intersexo?

As características físicas relacionadas ao sexo de uma pessoa estão associadas a fatores como cromossomos, órgãos genitais e hormônios, além de características secundárias que aparecem na puberdade. De acordo com a doutora em psicologia social pela Universidade de Brasília (UnB) Jaqueline Gomes de Jesus, autora do guia “Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos”, uma pessoa intersexo apresenta alterações cromossômicas que levam ao desenvolvimento de genitálias ambíguas, o que significa a coexistência de órgãos masculinos (testículos, pênis e uretra) e femininos (vagina e ovários) ou ausência de ambos.

Durante muito tempo, o termo médico usado para descrever essas pessoas era o de hermafrodita – atualmente em desuso por questões técnicas e, principalmente pela carga negativa e discriminatória que carrega. Na prática, o termo intersexo é usado como guarda-chuva para variações atípicas no sexo. 

“As pessoas são muito presas num padrão de corpo, num padrão binário, é preciso romper e entender o que é amor de verdade. Como a gente falava, Jacob tinha o sexo dos anjos, porque a maioria dos bebês intersexos nascem com a ausência de órgãos”, descreve Thais. Antes de participar do livro “Mães fora do armário”, a educadora, musicista e dançarina já havia descrito sua trajetória e experiência na obra “Jacob(y), ‘entre os sexos’ e cardiopatias, o que o fez Anjo?”, publicada em 2021.

Foto colorida dos livros Jacoby e Mães Fora do Armário. Na foto da esquerda, capa do livro Jacoby com foto da criança intersexo de Thais Emília. Na direita, o livro, com uma capa com pessoas em uma manifestação, está sobre uma mesa
Autora de livro sobre maternagem de criança intersexo e, mais recente, livro com histórias de mães de pessoas diversas: Thais se tornou referência na luta pelos direitos de pessoas intersexo (Foto: Divulgação)

ABRAI e a luta pelo fim da mutilação de crianças intersexo

Desde o nascimento de Jacob, Thais passou a estudar e se especializar no tema da intersexualidade. Como professora, ela já possuía interesse pela educação inclusiva, o que ampliou e aprofundou para a educação sexual e de gênero. Junto às pesquisas, ela começou a mobilização para criar a Associação Brasileira Intersexo, regulamentada em 2018.

A luta continuou e, no ano passado, a prefeitura municipal de São Paulo aprovou o projeto de lei 426/2022 que institui o dia 26 de setembro como o “Dia de Conscientização Contra a Mutilação Infantil”. A data foi escolhida como uma homenagem ao dia em que Jacob nasceu. A proposta foi elaborada pela Bancada Feminista (PSOL) em parceria com a Associação Brasileira Intersexo (ABRAI). 

Thais também foi responsável por criar o Instituto Jacob Cristopher – voltado a consultorias e orientação educacional – e a Rede Jacob (y), que oferece atendimento psicopedagógico e luta contra a prática de cirurgias de mutilação em crianças intersexo. Segundo a mãe e professora, a intenção com essas iniciativas e com o relato do livro “Mães fora do Armário”, é levar informações e acolhimento. “Fazer com que outras mães que passam pelo mesmo que eu possam se sentir amparadas também”, destaca.

 

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *