Há sempre uma vaguinha para um dinossauro

O Dino Park, um museu ao ar livre, em Portugal. Foto José Manuel Ribeiro/AFP

Na arte de levar tocos e dar uma enrolada ainda temos algo para ensinar

Por Leo Aversa | ODS 5 • Publicada em 31 de julho de 2018 - 16:21 • Atualizada em 31 de julho de 2018 - 16:22

O Dino Park, um museu ao ar livre, em Portugal. Foto José Manuel Ribeiro/AFP
O Dino Park, um museu ao ar livre, em Portugal. Foto José Manuel Ribeiro/AFP
O Dino Park, um museu ao ar livre, em Portugal. Foto José Manuel Ribeiro/AFP

Sou um tanto quanto autocentrado mas já me dei conta que o reinado da minha turma – os homens brancos héteros – está no fim. Não é algo injusto, estamos dando ordens há muito tempo, mas sabe como é, a gente se apega ao cargo. Deixa rolar. Vou me reinventar, essa expressão que faz os millenials terem orgasmos e os escritores de autoajuda se tornarem milionários.

Para isso acompanho as tendências e as novidades do mercado, quero saber quem vai entrar no nosso lugar. Ao que parece na forma vai continuar tudo igual, os mesmos dois braços, duas pernas, uma cabeça e por aí vai. Uns piercings em lugares meio estranhos, umas próteses mais ou menos sutis mas nada que confunda, ao menos de dia. Na cor, também nada de novo, as mesmas dos últimos milhares de anos. Já na parte sexual é que as mudanças serão radicais, ao menos para mim, que vim ao mundo com a versão 1.0 do aplicativo: homem com mulher, mulher com homem.

Por terem pênis, afirmam que se trata de um “pênis lésbico” e que as mulheres lésbicas têm que aceitar a relação sexual com seus pênis

Gays e lésbicas foram fáceis de entender, homens que gostam de homens e mulheres que gostam de mulheres. Nada muito complicado. Bissexuais e fluidos, ok, só tenho pouco de dificuldade de compreender essa coisa de ir para lá e para cá, sou mais do interruptor que do dial. Mas a partir daí é um mar de novidades. Um post de uma amiga, reclamando de uma situação, me fez sentir como um índio em frente ao caixa eletrônico.

(…)Algumas mulheres trans – que viveram décadas como homens heterossexuais – quando transicionam, por agora se identificarem como mulheres e continuarem se atraindo sexualmente por mulheres se afirmam “lésbicas”

Sou um pragmático. Se era para continuar se relacionando com mulheres, para quê dar esse giro de 360º? Vai ver é esse pragmatismo que está me levando à extinção. Tem algo aí que não faz sentido para mim, o que não é novidade. Eu estou que nem aquelas pessoas que deixavam o videocassete com o relógio piscando em 12:00 porque tinham preguiça de ler o manual. Hoje elas não conseguem nem ligar um computador. Tipo eu lendo o post da minha amiga.

Por terem pênis, afirmam que se trata de um “pênis lésbico” e que as mulheres lésbicas têm que aceitar a relação sexual com seus pênis

 Nesse momento, por incrível que pareça, a situação ficou um pouco mais familiar para mim. Trata-se apenas de um homem usando qualquer argumento possível para levar uma mulher para a cama. Um clássico atemporal. Se o homem é trans, se a mulher é lésbica, isso é só um detalhe contemporâneo. E digo mais, esse argumento do “pênis lésbico” é de uma criatividade brilhante. Tenho amigos héteros que passaram a vida tentando converter amigas lésbicas e não passaram nem perto dessa pérola. A pessoa que inventou a expressão devia ser premiada. Ou ao menos ter uma chance com o seu público alvo.

Senão estarão sendo “transfóbicas”

 Outro achado. Eu já tentei acusar um monte de mulheres que me deram um toco de serem “leoaversafóbicas’ mas o máximo que consegui foram gargalhadas e alguma comiseração. Ao que parece as trans estão usando o meu argumento sem dar o crédito.

Googlem “cotton ceiling” e se revoltem

 Assim termina o post. Missão dada, missão cumprida. Fui lá no Google. No primeiro link eu já tinha a resposta:

(…)significa que mulheres cis queer serão nossas amigas e falarão dia e noite sobre direitos trans e como acabar com a transmisoginia, mas ainda assim não nos considerarão como parceiras sexuais viáveis(…)

 Pois é, #tamojunto mais uma vez, afinal conheço bem essa história de não ser considerado parceiro sexual viável. Como as trans lésbicas chegaram há pouco tempo e eu estou dando voltas por aí faz décadas, tenho muitos conselhos para dar de como lidar com essa situação.

Lendo com atenção esse post deu para ver que se a minha turma não vai continuar no comando ao menos uma vaguinha de consultor sênior a gente consegue. Esse negócio de lidar com tocos e dar uma enrolada para ver se cola é com a gente mesmo, fizemos isso nos últimos dez mil anos.

Afinal, como dizia o anúncio da falida Pan Am nada supera a experiência.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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