ODS 1
Crise climática: inverno seco e quente põe Europa em alerta
França, Espanha e Itália tomam medidas para reduzir consumo de água e garantir abastecimento para o verão
O inverno no Hemisfério Norte só termina semana que vem (20/03), mas dados dos cientistas do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus apontam que a Europa está passando pelo segundo inverno mais quente já registrado. Entre dezembro e fevereiro, a temperatura média foi de 1,4 graus Celsius acima da média de 1991-2020. As altas temperaturas coincidiram com uma surpreendente falta de chuva – uma seca histórica que começou em dezembro e prossegue até agora.
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Após ter passado pelo verão mais quente de sua história, em 2022, a França está atravessando o inverno mais seco dos últimos 50 anos. O déficit de 30% de chuvas gera temores de que falte água no país no próximo verão. A falta de chuvas levou o governo francês a decretar medidas de restrição do uso de água em algumas regiões e pedir aos franceses que reduzam seu consumo. A Espanha introduziu medidas semelhantes desde janeiro, mas, na Catalunha, o abastecimento de água caiu tanto que as autoridades estabeleceram agora regras que incluem uma redução de 40% na água usada para agricultura, uma redução de 15% para usos industriais e um corte no abastecimento médio diário por habitante.
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Veja o que já enviamosA primeira onda de calor de inverno atingiu partes do continente europeu entre o fim de dezembro e meados de janeiro. Estações de esqui foram forçadas a fechar temporariamente, pois as temperaturas anormalmente amenas derreteram a neve das pistas. As grandes faixas de neve que cobrem os Alpes estão ausentes nesta temporada. De acordo com a CIMA Research Foundation, os Alpes receberam 63% menos neve neste inverno. Nas estações francesas, a situação foi semelhante. “A situação nos Pirineus ficou próxima do recorde mais baixo de quantidade de neve para essa época do ano”, disse Simon Mittelberger, climatologista da Météo-France, à CNN.
Recordes regionais de temperatura foram batidos em vários países. Por exemplo, a Suíça registrou sua maior temperatura de inverno ao norte dos Alpes, uma temperatura amena de 19,4°C. No norte da Espanha, os termômetros chegaram a marcar quase 25 graus em pleno inverno. As temperaturas foram particularmente altas na Europa Oriental e no norte da Escandinávia, de acordo com os dados do Copernicus, serviço da União Europeia.
No balanço divulgado na sexta-feira (10/03), os cientistas informaram ainda que, embora as temperaturas gerais na Europa estivessem acima do normal, algumas regiões ficaram abaixo da média, incluindo partes da Rússia e da Groenlândia. O inverno excepcionalmente ameno ofereceu algum alívio de curto prazo aos governos que lutam com os altos preços do gás depois que a Rússia reduziu as entregas de combustível para a Europa no ano passado, com temperaturas mais altas reduzindo a demanda de gás para aquecimento em muitos países.
O relatório da Copernicus também alertou que o gelo do Mar Antártico caiu 34% abaixo da média de fevereiro – o nível mais baixo desde o início dos registros. “Essas condições de gelo marinho baixo podem ter implicações importantes para a estabilidade das plataformas de gelo da Antártica e, finalmente, para o aumento global do nível do mar”, destacou a vice-diretora do Copernicus Climate Change Service, Samantha Burgess.
Europa castigada pela seca
Mas a temperatura mais alta também agravou a seca enfrentada por grande parte dos países europeus pelo menos desde 2021. Após o verão mais seco em 500 anos, a seca de inverno causada pela crise climática está gerando preocupação crescente entre os governos sobre a segurança hídrica para residências, agricultores e fábricas em todo o continente. “Em fevereiro de 2023, a maior parte da Europa Ocidental e Meridional experimentou condições mais secas do que a média”, indicou a análise do Copernicus. Um mapa das secas atuais na Europa do serviço da UE mostra alertas de baixa precipitação ou pouca umidade do solo em áreas do norte e sul da Espanha, norte da Itália e sul da Alemanha e quase toda a França.
Na Itália, a linha d’água do Lago Garda está cerca de 65 centímetros abaixo da média para esta época do ano. As águas do rio Po, o maior do país, e dos lagos Maggiore e Como também estão com níveis excepcionalmente baixos. O Pó, responsável pela irrigação de boa parte das regiões agrícolas italianas, está com 60% menos água do que o normal para essa época do ano. A seca, em janeiro, atingiu até mesmo os famosos canais de Veneza, impedindo a circulação de gôndolas e táxis aquáticos. “O ano mal começou, ainda estamos no inverno, e já temos indicações de eventos climáticos extremos e seca severa no país”, afirmou Giorgio Zampetti, gerente geral da Legambiente, grupo ambientalista italiano.
Na França, de acordo com especialistas da Météo France, a situação pode se tornar ainda mais crítica se a primavera — que começa dia 21 no Hemisfério Norte — e o verão forem secos e quentes como no ano passado. Em seis departamentos, no sudeste do país (Ain, Bouches-du-Rhône, Pirineus Orientais, Var, Drôme e Ardèche), foram impostas restrições ao uso da água, com proibição de regar plantas, irrigar plantações, além de encher piscinas e lavar carros. “Desde agosto de 2021, todos os meses tiveram déficit de precipitação, à exceção de dezembro de 2021, junho de 2022 e setembro de 2022”, registrou o serviço meteorológico francês ao destacar que o mês de fevereiro de 2023 terminou com um déficit de precipitação superior a 50 %, tornando-se um dos mais secos já registrados. “O aquecimento global representa de 15% e 40% a menos de reserva de água disponível para a França”, alertou Christophe Béchu. ministro da Transição Ecológica, na semana passada.
A Espanha também enfrenta o risco de desabastecimento de água. “Não podemos garantir o abastecimento de água para beber ou para usos econômicos contando exclusivamente com a chuva”, disse Teresa Ribera, ministra da Transição Ecológica da Espanha, em recente entrevista coletiva recentemente, lembrando que 2022 foi o ano mais quente já registrado no país. Desde 1980, a média de água disponível caiu 12% na Espanha e as previsões são que essa redução possa chegar a 40% até 2050, Devido à baixa precipitação em todo o país desde o final de janeiro, 63% dos rios estão abaixo dos níveis normais do que o normal neste momento.
Rubén del Campo, porta-voz da agência meteorológica estatal Aemet, disse que a situação não mostra sinais de melhora nos próximos meses. As áreas mais afetadas foram o terço norte do país e partes da Andaluzia e o sul de Castilla-La Mancha. Ele lembrou que, embora a seca sempre tenha sido um fenômeno natural devido à localização geográfica da Espanha, uma mudança foi observada nas últimas décadas. “Notamos que as secas no sul da Espanha estão durando mais e que, quando chegam as chuvas, elas são mais curtas, mas mais intensas”, disse. “Está tudo mal espaçado. Quando as chuvas são fortes, elas são menos úteis para reabastecer os reservatórios e regar os campos, que precisam de chuvas mais brandas”, afirmou.
Andrea Toreti, coordenador do Copernicus e do Global Drought Observatory (Observatório Global da Seca), disse à Euronews que a previsão de mais tempo seco na época de plantio colocou dezenas de milhares de colheitas em risco e os esforços estão sendo sendo tomadas desta vez para conter o impacto. Toreti também expressou preocupação com os últimos dois meses (janeiro e fevereiro) excepcionalmente secos. “Essas condições eram raras no passado, mas as mudanças climáticas estão alterando os regimes de precipitação na Europa e tornando esses extremos mais recorrentes e intensos”, disse Toreti.
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade