ODS 1
Oásis de solidariedade em meio à miséria e ao abandono
Amparando Jardim Gramacho
Há muitos cenários de extrema pobreza no Brasil. Certamente, uma das paisagens mais desoladoras é a do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Lá vivem famílias de ex-catadores do Lixão de Gramacho, que não tiveram para onde ir após o fechamento do aterro sanitário, em 2012. Mesmo ocupando espaço inadequado para despejar resíduos sólidos (área de proteção ambiental à margem de manguezal da Baía de Guanabara), durante 35 anos, o Lixão de Gramacho, o maior da América Latina, foi o principal depósito de toneladas de dejetos do Rio de Janeiro. O lixo produzido pelos habitantes da capital transformou-se em fonte de sustento para quem não tinha nada. O Lixão atraía gente de regiões muito pobres do estado, que garimpavam alimentos, roupas e, principalmente, material para reciclagem, que vendiam. Mas, as montanhas de dejetos também atraíam porcos e urubus, que, a exemplo dos humanos, queriam garantir a subsistência.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]Levantamento da ONG Teto mostrou que 74% das casas não têm água encanada; 77% têm goteira; 93% estão com instalações elétricas irregulares; 63% dos pisos são de terra batida, e em 35%, o banheiro é a céu aberto
[/g1_quote]Os catadores se estabeleceram nos arredores do Lixão com suas famílias. E muitos ergueram moradias com o material que recolhiam no aterro. Surgiu uma comunidade diferente das favelas de casinhas de tijolos. O lugar mais se assemelha a um assentamento, com moradias feitas de lascas de madeira, compensado, papelão, metal e o que der mais para fazer de parede. A porta, normalmente, é um pedaço de tecido, como um lençol de chita. Levantamento da ONG Teto mostrou que 74% das casas não têm água encanada, 77% têm goteira, 93% estão com instalações elétricas irregulares, 63% dos pisos são de terra batida e em 35%, o banheiro é a céu aberto.
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Veja o que já enviamosO fechamento do Lixão foi um dos pontos altos da Conferência Mundial do Ambiente, a Rio+20. O local havia ganhado notoriedade mundial com o documentário “Lixo Extraordinário”, de Vik Muniz, lançado em 2010 e indicado ao Oscar, em 2011. Durante a Conferência, muitos projetos cinematográficos de revitalização da área foram exibidos. Inclusive, houve uma apresentação intitulada: “O Legado de Gramacho”, onde se projetava um bairro arborizado, com amplas ruas pavimentadas, provido de postos de saúde, escolas e muitas áreas de lazer.
[g1_quote author_name=”Roberta Azevedo” author_description=”Fundadora da ONG Amparando Jardim Gramacho” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O cenário não me chocou tanto, mas as condições em que as crianças vivem. Aqui, o poder público é muito ausente e a alegria deles quando eu chegava me motivou
[/g1_quote]Cursos profissionalizantes também seriam oferecidos aos catadores, já que muitos teriam que mudar de profissão. Mas nada foi feito. Houve apenas o pagamento de indenização para um grupo de 1707 catadores, alguns trabalhando no Lixão desde crianças. Cada um deles recebeu, em cota única, R$ 14.864,55. No entanto, o restante dos projetos e promessas e as melhorias no “bairro” nunca saíram do PowerPoint.
O resultado é que o Lixão se fragmentou em “lixinhos”. Os catadores agora deixam caminhões despejarem, de forma clandestina, toneladas de resíduos em seus próprios quintais e prosseguem na sua dura jornada de garimpar o lixo, junto com os porcos e urubus. Mas, sem a principal estrela, o Lixão, aquela região ficou coberta pelo manto da invisibilidade. Porém, em 2014, uma assistente social conheceu o lugar. “O cenário não me chocou tanto, mas as condições em que as crianças vivem. Aqui, o poder público é muito ausente e a alegria deles quando eu chegava me motivou”, conta Roberta Azevedo, que fundou a ong “Amparando Jardim Gramacho”, com a finalidade de desenvolver projetos sociais e educativos junto às famílias daquele lugar esquecido.
Roberta já havia sido professora. Deu aulas durante 15 anos em Cieps na Baixada. E essa experiência foi muito importante. Mas o apoio de duas moradoras da comunidade, Célia e Mara, que passaram a fazer serviço voluntário no “Amparando” foi fundamental para o projeto se firmar. “Começamos a fazer reforço escolar, no meio da rua. Eram três dias de reforço e dois dias com a parte da assistência: encaminhar crianças para hospital, fazer registro, Bolsa Família e etc.. Pessoas batiam na porta das meninas de madrugada para pedir vaga”, lembra Roberta, que iniciou o trabalho com 23 crianças.
Desde então, a “Amparando” foi ampliando suas atividades e atendimentos. Alugou, por R$400,00 uma pequena casa de dois cômodos, que serviu de sede da ONG. Recentemente, conseguiu construir uma sede própria, em terreno doado, dentro da comunidade, graças à ação de doadores. “A TBS Telecom pagou a obra, que custou R$ 40 mil. Fernanda Gentil, repórter da TV Globo, contratou uma empresa e bancou o acabamento”, diz Roberta. A sede tem duas salas de aula, uma de administração, banheiros feminino, masculino e social, cozinha e sala de atendimento, além de espaço para prática de atividades físicas.
Roberta já pensa em ampliar o espaço. Ela terminou 2017, atendendo a 37 bebês, 95 crianças e adolescentes, sendo seis crianças com necessidades especiais, e 14 idosos. “Agora, temos 22 voluntários, sendo três psicólogas, duas assistentes sociais, dois professores de educação física, uma advogada e uma nutricionista, que além de organizar o cardápio, atende a comunidade, onde muitas pessoas sofrem com a obesidade”. Mas, a “Amparando” continua dependendo de doações para sobreviver, já que, por causa da burocracia, não consegue convênio com nenhum órgão público. “A gente também faz bazar, eventos e campanhas. Nossas despesas giram em torno de R$ 8 mil, por mês. Os gastos maiores são com alimentos perecíveis, entre R$ 2,8 mil e R$ 3,6 mil, já que os não perecíveis vêm nas doações”, explica Roberta.
Por falta de recursos, a Amparando não tem funcionários com carteira assinada. “Se tivesse mais, contrataria professoras formadas. Voluntário não têm o compromisso de ir sempre, todos os dias. Eles vão uma vez por semana: psicólogo aos sábados, nutricionista, quinta, advogada, na sexta, assistência social, na quarta, e professor de Educação Física, na terça. Mas tem fila de espera com cerca de 260 famílias. Vem gente de outros lugares atrás de vagas para as crianças. No bairro existem muitos projetos, mas grande parte só funciona nos fins de semana”, lamenta Roberta, afirmando que do lado de fora da ONG, no “bairro” dos ex-catadores do aterro sanitário, nada mudou desde o fechamento do Lixão.
Wilson Aquino é repórter e autor do livro Verão da Lata (editora Leya)