Mães lutam pelo controle de armas

O “Moms Demand Action” tem cerca de 120 mil membros, de ambos os sexos, e está presente nos 50 estados americanos

Só nos EUA, diariamente, oito crianças são vítimas de armas de fogo

Por Claudio Nogueira | ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 16 de janeiro de 2016 - 10:58 • Atualizada em 15 de janeiro de 2019 - 17:39

O “Moms Demand Action” tem cerca de 120 mil membros, de ambos os sexos, e está presente nos 50 estados americanos
O "Moms Demand Action" tem cerca de 120 mil membros, de ambos os sexos, e está presente nos 50 estados americanos
O “Moms Demand Action” tem cerca de 120 mil membros, de ambos os sexos, e está presente nos 50 estados americanos

Parte da tradição do país, praticamente desde a independência, em 1776, o uso liberado de armas vem sendo cada vez mais questionado por setores da sociedade americana. Massacres praticados por atiradores que invadem escolas e shoppings, matando indistintamente, têm levado políticos e lideranças civis a questionar as facilidades no acesso às armas. Uma das entidades mais atuantes é a “Moms Demand Action for Gun Sense in America” (Mães Exigem Ação pelo Bom Senso no Uso de Armas na América, numa tradução livre).  O “Moms Demand Action” calcula que, anualmente, ocorram 30 mil mortes por armas de fogo naquele país. Diariamente, oito crianças são vitimadas dessa forma.

O direito inalienável à vida e à busca da felicidade foi arrancado dessas famílias por uma bala. Cada vez que penso nessas crianças fico mais furioso

Com cerca de 120 mil membros de ambos os sexos, presente nos 50 estados e milhões de dólares em caixa, o movimento atua pressionando parlamentares estaduais e federais para que a liberação do uso de armas seja cada vez mais restrita. As ações da organização muitas vezes são feitas em conjunto com a “Mayor Against  Illegal Guns” (Prefeitos contra as Armas Ilegais). As duas entidades atuam junto a empresas, escolas e formadores de opinião. Elas são consideradas as maiores adversárias da famosa “National Rifle Association (NRA)”, fundada em 1871 e principal defensora da legislação atual, que prevê o direito ao porte de arma, a autodefesa e o incentivo à caça.

No último dia 5 de janeiro, em um discurso emocionado, o presidente dos EUA, Barack Obama, divulgou um pacote governamental que aumenta as exigências de bons antecedentes para quem deseje adquirir uma arma. Obama tem repetido que a ideia não é retirar as armas dos cidadãos, mas reduzir a violência armada, sem ferir a Segunda Emenda à Constituição Americana.

É exatamente esse texto, incluído em 1791, que garante aos americanos o direito de adquirir e portar armas. Em muitos dos 50 estados, qualquer pessoa pode requisitar e obter porte de arma, embora cada estado tenha suas leis especificas. De acordo com a legislação, a arma tem de estar num lugar visível e descarregada. Apesar desses cuidados, os casos de morte violenta por armas de fogo continuam chocando o país.

Entre eles, a morte de 20 crianças e oito adultos, em 2012, na Escola Sandy Hook, em Newtown, no estado de Connecticut. O atirador Adam Lanza, que também morreu, portava um rifle, duas pistolas e uma espingarda. O caso de Sandy Hook tornou-se emblemático para o país e para o presidente Obama:

– O direito inalienável à vida e à busca da felicidade foi arrancado dessas famílias por uma bala. Cada vez que penso nessas crianças fico mais furioso – afirmou o presidente em seu discurso de 5 de janeiro.

No último dia 13, a NRA respondeu com artilharia pesada. Seu presidente, Wayne LaPierre, divulgou um vídeo no site da entidade, desafiando Obama a um debate nacional sobre o tema pela TV. Ele acusa o presidente de tentar suprimir direitos constitucionais do povo americano.

Foi exatamente o tiroteio na Sandy Hook que acabou motivando a fundação da “Moms Demand Action”, em dezembro de 2012, por Shannon Watts, mãe, dona de casa e ex-executiva de relações públicas. Rapidamente, o movimento foi crescendo via internet, mobilizando não apenas as mães, mas cidadãos temerosos de que casos como aquele se repetissem.  Mais recentemente, em dezembro de 2015, em San Bernardino, na Califórnia, o casal Syed Farook e Tashfeen Malik usou dois rifles e duas pistolas para matar 14 pessoas e ferir mais 21 num centro regional de atendimento a deficientes físicos.

O “Moms Demand Action” se posiciona oficialmente a favor da Segunda Emenda. Porém, luta para que haja bom senso na questão do porte de armas, para que estas não estejam ao alcance de qualquer pessoa. De acordo com Watts, é necessário que cidadãos insatisfeitos se mobilizem para buscar mudanças.

– Vamos necessitar de força contra o poderoso lobby das armas, que tem muitos recursos e é intransigente – escreveu ela. – Comecei este site porque, como mãe, não posso mais estar à margem. Estou muito triste e muito irritada. Não deixe que alguém lhe diga que não se pode falar sobre esta tragédia (a de Sandy Hook) agora. Eles disseram o mesmo depois dos casos de Virginia Tech, Gabby Giffords e Aurora. O tempo é agora.

Em alguns lugares, era tradição que ativistas a favor da Segunda Emenda fossem a lojas do Starbucks portando suas armas. Em maio de 2013, o “Moms Demand Action” lançou uma campanha de boicote à rede. A ideia era de que as pessoas tomassem café ou fossem lanchar noutros lugares, postando fotos na internet, para deixar claro tal boicote. Além disso, o movimento criticou o que considerou omissão da Starbucks a respeito da questão e citando um tiroteio acidental numa franquia da rede na Florida e o encontro de 60 pessoas armadas numa dessas lanchonetes em South Dakota. Ao longo de quase quatro meses de campanha pelo Facebook, o “Moms Demand Action” atingiu 5,5 milhões de pessoas e obteve 40 mil assinaturas.

– Como mães, nós nos perguntamos porque essa empresa é capaz de expor crianças e famílias a tamanho perigo. Ninguém precisa estar armado para tomar uma caneca de café – ressaltou Watts.

Meses depois, em 2013, o ainda CEO da rede, Howard Schultz, anunciou que armas não seriam mais permitidas nas lojas da Starbucks. A indústria de armas e a NRA reagem ao trabalho da “Moms Demand Action”. Uma das estratégias é tentar tirar a credibilidade de Watts, pelo fato de ela já ter sido relações públicas de empresas importantes e, eventualmente, ter tido que defender essas companhias. Outra acusação é a de que ela não seria uma mãe dedicada no exato sentido da palavra, e sim uma integrante do Partido Democrata, em busca de notoriedade. “Shannon Watts pode ser uma mentirosa, mas ela é uma mentirosa profissional”, atacou o site Bearingarms.com, favorável ao porte de armas.

Outra frente de luta do “Moms Demand Action” diz respeito a violência doméstica. De acordo com esse grupo, nos EUA, a cada ano, mais de um milhão de mulheres são agredidas por seus parceiros. E quando há uma arma em casa, o risco de a mulher ser assassinada a tiros cresce cinco vezes, mesmo quando ela consegue no tribunal alguma medida que evite que seu marido se aproxime dela. Graças ao lobby do movimento coordenado por Watts, pelo menos seis estados americanos tomaram decisões a respeito do tema em 2014, incluindo Wisconsin e Lousiana, à época com governos considerados conservadores. Se falta bom senso à sociedade sobre o assunto, sobra trabalho para as mães americanas.

Claudio Nogueira

É jornalista, tendo iniciado carreira em 1986 no Globo, onde trabalhou até o começo de 2016. Desde março do mesmo ano, é produtor de reportagens do Sportv. Cobriu, entre outros eventos, quatro Olimpíadas, a Copa do Mundo-2014 e cinco Jogos Pan-Americanos. Como escritor, publicou, entre outras obras: “Futebol Brasil Memória”; “Dez Toques sobre Jornalismo”; “Vamos todos cantar de coração - os 100 anos do Futebol do Vascão”; e ”Esporte Paralímpico - Tornar possível o Impossível”

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