A procura por uma ‘festa limpa’
no carnaval da Bahia

Expresso 2222 adota 'novas formas de viver' para transformar a folia

Por Telma Alvarenga | ODS 15ODS 9Vida Sustentável • Publicada em 19 de janeiro de 2017 - 11:38 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:41

Multidão nas ruas de Salvador no Carnaval de 2014
Multidão nas ruas de Salvador no Carnaval de 2014
Multidão nas ruas de Salvador no Carnaval de 2014

O conceito de sustentabilidade chegou ao Carnaval de Salvador, em 2010, não no embalo de um hit da axé music ou na carona de um trio elétrico. Entrou pela porta da frente do Expresso 2222, um dos camarotes mais badalados da folia. Espantada com quantidade de sujeira das ruas da cidade, na Quarta-Feira de Cinzas, a empresária Flora Gil decidiu dar o exemplo no espaço que lhe cabe na folia baiana. “Quando acabava o Carnaval, eu via Salvador podre de suja. Achava aquilo muito desrespeitoso com a cidade. Acho que os produtores têm por obrigação fazer uma festa limpa”. A empresária começou implantando a coleta seletiva de lixo no camarote. Mas, há seis anos, decidiu ampliar as ações e convidou Letícia Monte, sócia-diretora da Espiral, produtora que adota práticas de sustentabilidade em seus projetos culturais, para uma consultoria. A proposta era não só colocar o Expresso no trilho do século XXI, rumo ao desenvolvimento sustentável, como usar a maior festa de rua do planeta (com dois milhões de pessoas nas ruas) como vitrine para disseminar a ideia de que é possível fazer projetos de entretenimento ambientalmente responsáveis. É a diversão com responsabilidade, como define Flora.

Transformai as velhas formas de viver. A música “Tempo Rei” – de Gilberto Gil, anfitrião do camarote, ao lado da mulher, Flora – servia de inspiração para as mudanças em gestação. O desafio era grande: repensar o modo de produção, capacitar fornecedores, alinhar patrocinadores, pesquisar produtos… Após meses de estudos, reuniões, discussões, foram definidas as ações que seriam implantadas no Expresso em 2010. Era o Carnaval da Transformação. Tudo no camarote foi pensado de forma a garantir menor impacto ambiental. Desde a utilização de materiais reciclados e recicláveis, na montagem, até a coleta seletiva, passando por uma charmosa campanha educativa.

  • Exemplos de como aliar diversão com responsabilidade ambiental:
  • Cabos elétricos e materiais de obras de anos anteriores foram reaproveitados
  • Grande parte da estrutura do camarote recebeu placas de madeira OSB (recicláveis)
  • Os móveis foram feitos com madeira certificada ou de demolição
  • O piso de borracha foi substituído por piso de madeira reaproveitável
  • Os 900 metros de lona vinílica que, em anos anteriores, revestiam as paredes e a fachada foram substituídos por 60 metros de lona de pet reciclada. O uso de tinta foi reduzido em 50%, e o de massa corrida, em 80%
  • A maior parte dos brindes foi produzida com material reciclado. Como bolsas feitas com palha de ouricuri, confeccionadas por cerca de 60 artesãs de Saubara, na Bahia. Ou ecobags artesanais, de algodão, produzidas pela Costurando Ideias, associação do Morro Santa Marta, no Rio, ligada à Rede Asta, ONG voltada para a geração de renda em comunidades populares.
  • Os copos, pratos e guardanapos foram feitos com matéria-prima biodegradável e compostável – resina de amido de milho e fécula de mandioca.
  • O consumo de energia foi reduzido com ações como a utilização de lâmpadas LED e a implantação, na boate, de uma grande novidade no mundo do entretenimento sustentável: a sustainable dance floor. A energia para a iluminação da pista de dança era gerada pelo balanço das pessoas sobre o piso.
  • Foi reservado um espaço no camarote para instalar uma usina de reciclagem. Lá, integrantes da Cooperativa de Catadores e Agentes Ecológicos de Canabrava fizeram a separação dos materiais recicláveis. Em cinco dias, foram reunidas mais de duas toneladas. Nos salões, monitores orientavam os convidados a usar as lixeiras corretamente, para a coleta seletiva. “Eles também estimulavam as pessoas a colocar o nome no copo, para usar o mesmo a noite inteira”, conta Letícia Monte. Além disso, nos materiais foram impressas frases como “Se beber, reutilize” ou “Transforme-se você também”.
  • Com a consultoria do Banco Oxigênio, as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) foram compensadas pela preservação de 1200 árvores na Amazônia.

Segundo Letícia, os foliões receberam muito bem, a ideia, e a iniciativa pioneira do Expresso 2222 foi um sucesso. O camarote recebeu o Prêmio Dodô e Osmar, do grupo A Tarde, pelas ações socioculturais e práticas sustentáveis adotadas. Mas ainda são grandes os desafios para se fazer entretenimento sustentável no país. A começar pela dificuldade em convencer os próprios empresários de que vale a pena gastar mais por um projeto ambientalmente responsável. “Falta um pouco essa consciência”, atesta. “Por isso, ações como o da Flora são tão importantes. Pelo poder de reverberação. É preciso colocar as pessoas para pensar, mudar hábitos, sair da teoria para a prática… Ainda é um processo lento”. No Expresso 2222, o conceito de sustentabilidade chegou para ficar. A cada ano com novidades. E sempre com a preocupação de contratar fornecedores locais, distribuindo renda  e valorizando a cultura da região. No Carnaval de 2015, teve até horta por lá.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos
Telma Alvarenga

Jornalista formada pela PUC-Rio. Tem passagens pela revista Veja, Veja Rio, Jornal do Brasil, O Globo, Correio (BA) e Projeto #Colabora, desempenhando funções de editora, colunista e repórter. Professora no curso de Comunicação Social da Faculdade Social da Bahia em 2010, está finalizando seu mestrado no Programa de Pós-graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Um comentário em “A procura por uma ‘festa limpa’
no carnaval da Bahia

  1. Oscar Valporto disse:

    Mestre Gilberto Gil sempre ligado na natureza desde a Refazenda…
    Abacateiro acataremos teu ato
    Nós também somos do mato como o pato e o leão
    Aguardaremos brincaremos no regato
    Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração
    Abacateiro teu recolhimento é justamente
    O significado da palavra temporão
    Enquanto o tempo não trouxer teu abacate
    Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão
    Abacateiro sabes ao que estou me referindo
    Porque todo tamarindo tem o seu agosto azedo
    Cedo, antes que o janeiro doce manga venha ser também
    Abacateiro serás meu parceiro solitário
    Nesse itinerário da leveza pelo ar
    Abacateiro saiba que na refazenda
    Tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a namorar
    Refazendo tudo
    Refazenda
    Refazenda toda
    Guariroba

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile