As incríveis semelhanças entre Brasil e Madagascar

O presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, eleito com 55% dos votos, desfila pelas ruas da capital. Foto Mamyrael/AFP

Da rica biodiversidade ameaçada ao ódio politico, as lições e os alertas que vêm dessa imensa ilha africana no Oceano Índico

Por Alexandre dos Santos | ODS 15 • Publicada em 8 de fevereiro de 2019 - 08:16 • Atualizada em 8 de fevereiro de 2019 - 23:14

O presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, eleito com 55% dos votos, desfila pelas ruas da capital. Foto Mamyrael/AFP
O presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, eleito com 55% dos votos, desfila pelas ruas da capital. Foto Mamyrael/AFP
O presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, eleito com 55% dos votos, desfila pelas ruas da capital. Foto Mamyrael/AFP

No fim de 2018, cerca de 36 candidatos disputaram o primeiro turno nas eleições presidenciais de um país pouco menor que o estado de Minas Gerais. Mesmo com tantas opções, passaram para o segundo turno os dois únicos candidatos que já haviam sido presidentes antes. Marc Ravalomanana e Andry Rajoelina não eram apenas adversários políticos, mas inimigos pessoais que literalmente dividiram o país durante a campanha, elevaram a pressão política e promoveram uma polarização janais vista pelos malgaxes.

Se a exploração ilegal desenfreada das reservas e das áreas de proteção e a caça não diminuírem, por volta de 2040 os lêmures deixarão de existir. Um desastre vergonhoso para o governo de Madagascar e para toda a humanidade

Durante o segundo turno, Rajoelina, um ex-DJ dono do maior império de comunicação da ilha e aliado dos militares, usou as mídias sociais e o whatsapp para alavancar as bandeiras de campanha e também difamar o concorrente. Para a equipe de Ravalomanana, empresário poderoso e líder protestante que estava exilado na África do Sul até voltar para concorrer à presidência, sobrou o trabalho de desmentir as fake news espalhadas pelo adversário. Sem entrar no mérito da eficácia das campanhas difamatórias virtuais, o fato é que Rajoelina venceu as eleições com mais folga do que esperava (55,7% a 44,3%), porém as eleições de 2018 tiveram a maior taxa de abstenção jamais vista no país: 52%.

A rivalidade  – e o ódio – entre os dois começou bem antes dessa disputa. Em 2002, Marc Ravalomanana foi eleito presidente, com uma agenda de austeridade econômica que logo despertou oposições acirradas. Entre elas, a dos militares e do jovem prefeito de Antananarivo, capital do país,… Andry Rajoelina. A disputa entre os dois terminou com um golpe militar em 2009. As Forças Armadas malgaxes obrigaram Ravalomanana a sair do país e, no lugar dele, puseram… Rajoelina, mas como presidente da “Alta Autoridade de Transição”. Era pra ter ficado alguns meses, preparando o país para novas eleições. Ficou cinco anos.

Cientistas alertam que o Lemur, animal símbolo da ilha de Madagarcar, pode deixar de existir até 20140. Foto Manuel Cohen
Cientistas alertam que o Lemur, animal símbolo da ilha de Madagarcar, pode deixar de existir até 20140. Foto Manuel Cohen

Ironicamente, nas eleições de 2018, algumas das bandeiras mais populares entre os apoiadores de Rajoelina foram: a promessa de austeridade econômica; a luta contra a corrupção generalizada nos cargos públicos; contra o aparelhamento do Estado (feito pelo ex-aliado e presidente em fim de mandato, Hery Rajaonarimampianina); defesa dos direitos dos militares; negação dos efeitos do aquecimento global e contra a “exagerada existência de áreas de reservas florestais em Madagascar”. Para o presidente eleito, as áreas de proteção da biodiversidade atrapalham a atração de investidores interessados na exploração de madeira, na mineração, na pecuária e na compra de grandes propriedades para fins agrícolas (muitas delas, monocultoras).

Como lembra o professor Bill Laurance, da Universidade James Cook da Austrália, “as florestas de Madagascar abrigam grande parte da abundante biodiversidade do país, incluindo flora e fauna únicas. Cerca de 5% das espécies do mundo são encontradas em Madagascar e mais de 80% delas não vivem em nenhum outro lugar”.

Uma das riquezas naturais que o presidente Rajoelina quer ver explorada no país é a extração e venda do jacarandá, hoje o alvo preferencial dos traficantes de madeira tanto lá quanto cá no Brasil. Assim como aqui, o governo malgaxe sempre teve problemas para identificar, coibir, julgar e condenar quem derruba e comercializa madeira ilegalmente. Durante o governo de Marc Ravalomanana, a “polícia ambiental” obteve melhores resultados no combate aos madeireiros ilegais e também aos piratas que saqueiam espécies da fauna e flora da rica biodiversidade malgaxe. Ravalomanana também triplicou por decreto as áreas de proteção ambiental e de interesse científico (que chegaram a 10% da área total da ilha), proibindo qualquer atividade comercial e exploratória nelas.

Quando, graças ao golpe de Estado, ganhou de presente o posto de presidente em 2009, Andry Rajoelina se apressou em esvaziar o equivalente ao Ministério do Meio Ambiente malgaxe e a assinar um decreto legalizando a derrubada de madeiras de lei. Erick Patel, diretor de Conservação e Pesquisa da Fundação de Conservação dos Lêmures, escreveu um artigo para a National Geographic em 2010, denunciando a derrubada e o comercio ilegal de madeira dentro dos Parques Nacionais de Masoala e de Marojejy, considerados Patrimônios Mundiais pela UNESCO, assim como nas áreas de conservação de Makira e Mananara Nord. O artigo teve repercussão imediata, despertando críticas ferozes não só da opinião pública em Madagascar, mas da Unesco, do WWF e do Greenpeace. Rajoelina suspendeu o decreto mas fez vista grossa e ouvidos moucos às atividades ilegais. Por isso, durante a administração dele e de seu sucessor, o ex-ministro da Fazenda Hery Rajaonarimampianina (a quem Rajoelina ajudou a se eleger), a exploração ilegal de áreas de proteção ambiental aumentou de maneira alarmante na ilha.

Um dos maiores especialistas nos famosos lemurs da ilha, Jonah Ratsimbazafy, diretor do Centro de Pesquisas de Primatas de Madagascar (GERP), vem alertando as autoridades locais e mundiais há pelo menos uma década a respeito dos riscos de extinção desses animais. “Se a exploração ilegal desenfreada das reservas e das áreas de proteção e a caça não diminuírem, por volta de 2040 os lêmures deixarão de existir. Um desastre vergonhoso para o governo de Madagascar e para toda a humanidade”, alerta. Ao todo existem cerca de 110 espécies desses primatas, só encontrados na ilha.

Rafiting no rio Mahajilo, uma das muitas atrações naturais da ilha. Foto Frans Lanting / Mint Images
Rafiting no rio Mahajilo, uma das muitas atrações naturais da ilha. Foto Frans Lanting / Mint Images

Ex-colônia francesa, a ilha de Madagascar sofreu, como o Brasil, com a exploração desenfreada de suas riquezas naturais e minerais pela Metrópole e com a falta de investimento em qualquer tipo de indústria de transformação. Ao contrário, o “pacto colonial” entre Portugal e Brasil e o “pacto neocolonial” entre França e Madagascar, relegou ambos os países, cada um a seu tempo, a serem exportadores de matérias-primas e importadores de bens manufaturados, de preferência fabricados pelas metrópoles ou pelos seus parceiros.

Ao contrário do Brasil, a pauta de exportações de Madagascar é limitada. A ilha é a maior exportadora de baunilha e safiras do planeta. De acordo com o Banco Mundial, cerca de 78% da população vive abaixo da linha da pobreza e com menos de dois dólares ao dia (no Brasil são 26,5%). Os dados são de 2012 pois foi a última vez em que se pode coletar esses dados com confiança. A agricultura de subsistência é a maior atividade econômica no interior da ilha, que está na posição 161 no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de um total de 189 países (o Brasil está na posição 79).

Ah, quase ia me esquecendo. Brasil é o título de um filme de 1985, tanto cult quanto clássico, do diretor inglês Terry Gillian (ex-Monty Python) e Madagascar é o título do famoso desenho da DreamWorks lançado em 2005 e que já gerou duas continuações.

Alexandre dos Santos

Jornalista formado pela Uerj em 1996 e mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio. Trabalhou como repórter em jornal impresso e em TV. É professor de História da África no curso de Relações Internacionais da PUC-Rio. Carioca de muitas ascendências: camaronesa, angolana, portuguesa e espanhola. E-mail: alexandredossantos@me.com. Instagram: @alsantos72

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