“Energia Renovável sim, mas não assim”

A transição energética justa foi o tema principal de umas mesas do Congresso Brasileiro de Agroecologia. Foto Zô Guimarães/ActionAid

Falsas soluções climáticas são tema de debate no terceiro dia do congresso Brasileiro de Agroecologia

Por Maria Clara Parente | ODS 7 • Publicada em 23 de novembro de 2023 - 12:08 • Atualizada em 7 de dezembro de 2023 - 08:02

A transição energética justa foi o tema principal de umas mesas do Congresso Brasileiro de Agroecologia. Foto Zô Guimarães/ActionAid

O antigo silêncio foi substituído pelo barulho contínuo das turbinas de energia eólica que viraram, desde 2014, parte do cotidiano do município de Caetés, no agreste de Pernambuco. Dois parques de geração de energia eólica, que totalizam 220 torres na zona rural do município foram instalados nas comunidades de Sobradinho e Pau Ferro. Para as famílias de pequenos agricultores que vivem muito perto das torres, o barulho alto e ininterrupto funciona como uma bomba-relógio.

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Uma dessas moradoras é a agricultora Roselma Oliveira: “A gente está passando por muitos problemas de saúde: ansiedade, depressão, insônia e pressão alta. Problemas de alergia que atingem diretamente as crianças e os idosos. Tudo isso por conta das eólicas.” A doença vibro-acústica (DVA), provocada pela longa exposição a ruídos de grandes amplitudes e baixa frequência e a Síndrome da Turbina Eólica (STE) são problemas já mapeados por pesquisadores como Nadine Maciel, da Universidade de Pernambuco.

De acordo com uma de suas publicações, a STE afeta principalmente os tecidos e órgãos internos, e é desencadeada através do constante contato humano com os Ruídos de Baixa Frequência. “Os principais sintomas são alterações a perturbação do sono, arritmias cardíacas, dores de cabeça, irritabilidade, depressão, tontura e dificuldades de concentração e aprendizagem”. Segundo a Agência Brasil, já são 890 parques eólicos ativados no país como parte da estratégia de desenvolvimento sustentável, sendo o foco principal o Nordeste com mais de 85% dos parques. O conceito de energia limpa, no entanto, vai sendo desafiado pelos impactos sofridos pelas comunidades locais.

Discutir esse impasse foi o tema da mesa “Energia renovável sim, mas não assim!” que ocorreu na Fundição Progresso, no terceiro dia do Congresso Brasileiro de Agroecologia, que ocupa diversos espaços no Centro do Rio. Organizada pela AS-PTA, ActionAid, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), a mesa contou com a presença de quatro mulheres atingidas por projetos de energia renovável em seus territórios.

Luiza Cavalcante: "Saber de onde viemos, quem somos nós, traz pra gente a força para lutar contra essas indústrias destruidoras". Foto Zô Guimarães/ActionAid
Luiza Cavalcante: “Saber de onde viemos, quem somos nós, traz pra gente a força para lutar contra essas indústrias destruidoras”. Foto Zô Guimarães/ActionAid

Uma delas é a bióloga cearense Alanna Carneiro, fundadora e coordenadora do Eco Maretório, que afirma a importância da consulta pública dos povos locais sobre as propostas das eólicas ocuparem o mar: “A gente precisa respeitar os protocolos de consulta livre, prévia e informada e que a gente minimize os impactos socioambientais dessas falsas soluções verdes”. Natural de Icaraí de Amontada, ela é organizadora da resistência contra eólicas offshore e relata o incomodo acústico já que o ruído das turbinas se propaga mais por ser na água. Alanna também ressalta o problema da segurança alimentar, no caso das eólicas localizadas no mar, já que a pesca artesanal é muito impactada. “Essas eólicas acabam afastando o pescado e modificando os pontos de pesca, além de criar uma imobiliária no mar, que vai privatizar o acesso ao mar e consequentemente interferir diretamente na nossa cultura que é de beira de praia.”

Alanna afirma que as falsas soluções verdes “afetam os povos e as comunidades tradicionais e perpetuam o conceito imperialista, exploratório, que trata o Brasil ainda como colônia, para beneficiar a Europa, os Estados Unidos e os países do Norte”. Uma vez que as empresas de energia renovável são estrangeiras e buscam muitas vezes “compensar carbono”. Para ela, soluções verdadeiras precisam pensar em geração de energia que atenda os territórios e evite ao máximo os impactos regionais. Ela cita, nesse sentido, a energia gerada a partir da biomassa de caju que tem projeto piloto teste dentro da Universidade Federal do Ceará.

Também participante da mesa, a agricultora afroecológica e educadora popular Luiza Cavalcante, quilombola de Tracunhaém e integrante do movimento de luta por terra e reforma agrária contou sobre a sua experiencia no sítio Ágatha.  No ano de 1997, Luíza fazia parte de um grupo de aproximadamente 300 famílias que ocuparam uma terra que estava sem uso produtivo há 25 anos. Após uma série de conflitos que se estenderam por uma década, o conjunto de assentamentos Chico Mendes foi finalmente demarcado. Quando o território foi delimitado, Luíza se deu conta de que era o lugar em que seus bisavós tinham sido escravizados, portanto o movimento significou um encontro profundo com sua a ancestralidade.

Assim nasceu o sítio Ágatha, localizado no Engenho Toco, em Tracunhaém, Zona da Mata Norte de Pernambuco, “espaço feminista e antirracista de lutas, experiências, de vivências agroecológicas, trazendo a agroecologia que é o que nos contempla, que dá razão para a pluralidade, da nossa cultura de povo preto”.

Luíza também foi impactada com a Linha de Transmissão de energia eólica que ocupa parte da propriedade do Sítio Agatha, Campina Grande III – Pau Ferro, que passa por 15 municípios de Pernambuco e da Paraíba. Para lutar contra as adversidades, Luíza encontra forças no trabalho educacional realizado pelo sítio Ágatha e na ancestralidade “Saber de onde viemos, quem somos nós, a firmeza da nossa identidade e ancestralidade, traz pra gente a força e às vezes até a estratégia, esse apoio espiritual para lutar contra essas indústrias destruidoras que têm chegado nos territórios”.

Maria Clara Parente

Jornalista e mestre em literatura pela PUC-Rio. Trabalha com jornalismo ambiental e audiovisual desde 2016, com foco em novas economias, mudança sistêmica e justiça climática. No colabora, dirige a apresenta a série WebColaborativa e apresentou a primeira temporada da série Comendo Lixo(2018), sobre cozinha lixo zero. Co-dirigiu a série documental What is Emerging?(2019) e dirigiu o documentário Regenerar: Caminhos Possíveis em um Planeta Machucado(2022).

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