ODS 1
Mortandade de peixes na Costa dos Corais foi provocada por agrotóxicos
Laudo aponta que pesticidas usados na agricultura foram responsáveis pelas quase duas toneladas de peixes mortos no Rio Santo Antônio
As mortes das quase duas toneladas de peixe, que ocorreram no rio Santo Antônio, um dos três rios que compõem a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, no fim de outubro, foram provocadas por agrotóxicos. Entre as substâncias encontradas, estão fluoroacetamida, fndrin e endossulfan, tipos de pesticidas muito comuns em lavouras agrícolas. É o que aponta um estudo realizado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), elaborado a partir da análise da água do rio. A análises feitas na água ainda encontraram metais pesados como mercúrio, ferro, fósforo e manganês, todos em níveis superiores ao recomendado pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).
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A mortandade de peixes no rio Santo Antônio é uma tragédia anunciada. Se você leu a reportagem “Estudo aponta contaminação alarmante nos três rios da Costa dos Corais”, publicada em setembro deste ano, viu que um estudo constatou grave degradação ambiental nos três rios da APA. Além de agrotóxicos, o levantamento realizado pela Ufal, ICMBio, GIZ e Instituto Terramar encontrou esgoto doméstico, assoreamento e metais pesados como mercúrio. A Costa dos Corais é a maior unidade de conservação federal marinha costeira do Brasil, com mais de 413 mil hectares de área e 120 km de extensão, recortada por praias e mangues, que vão do município de Tamandaré, em Pernambuco, até Maceió, em Alagoas.
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Veja o que já enviamosDe acordo com o pesquisador Emerson Soares, professor da Ufal, os agrotóxicos encontrados nas amostras são comumente usados em lavouras agrícolas, bastante presentes nas margens do rio. Ele explicou que o fuoroacetamida é um pesticida, usado para matar ratos, e herbicida, que tem como função eliminar plantas espontâneas.
O endrin também é um pesticida que, embora tenha o seu uso proibido em diversos países, no Brasil, é muito comum em monocultivos de cana-de-açúcar, milho e arroz. Por fim, outro pesticida usado no combate às pragas agrícolas encontrado nas águas foi o endossulfan. “Os peixes morreram intoxicados, ou seja, sem conseguir fazer a troca gasosa, que é o mesmo que captar oxigênio. Não foi por causa de esgoto doméstico, mas, sim, alguma carga de produtos químicos que foi lançada, atingiu o rio e intoxicou os peixes”, explica o pesquisador da Ufal.
Nas análises das águas também foram encontrados metais pesados em níveis bem acima do recomendado pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). “Havia níveis de potássio e fósforo elevados. O nível de fósforo, por exemplo, estava 50 vezes maior do que o permitido”, explica Soares. Ainda segundo o pesquisador, esses peixes não serão repostos tão cedo, pois as condições do rio não favorecem essa reposição. “É um rio bastante biodegradado, não tem muita biodiversidade. É o mais poluído que tem na APA”, esclareceu o professor.
A reportagem do Colabora entrou em contato com o ICMBio, responsável pela unidade de conservação, e que realizou a coleta das amostras analisadas. Por email, o órgão informou que “como medida preventiva, o ICMBio reforçou as ações de monitoramento e fiscalização nos acessos ao rio”. Segundo o órgão, as análises comprovaram que as causas da mortandade eram oriundas de fora da unidade de conservação, por essa razão, o órgão encaminhou os laudos para que o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal tomassem a providências.
Procuramos o Ministério Público Federal de Alagoas para saber sobre as medidas tomadas em relação ao caso. Por email, eles informaram que haviam solicitado à Polícia Federal a atuação para descobrir a causa do incidente ambiental. Em atenção à solicitação, diz o e-mail, a PF instaurou um inquérito para investigar as causas. A nota informa também que a Procuradoria da República no estado instalou um procedimento para apurar os impactos do acidente na comunidade ribeirinha composta por pescadores e extrativistas.
O presidente da Colônia de Pescadores Z14 (de Barra de Santo Antônio), Bernardo Lima da Costa, afirmou que as populações que vivem exclusivamente da pesca no rio estão com as mãos na cabeça, sem saber como vão sobreviver. “Esses pescadores dos povoados são os que mais sofrem, pois não tem mais peixe nem para comer e nem para vender”, explicou.
A colônia possui cerca de 600 pescadores cadastrados, de acordo com Bernardo. Aqueles que vivem da pesca no mar não foram afetados, mas aqueles que vivem da pesca no Santo Antônio, perderam a sua principal fonte de renda e de alimentos. “As autoridades estão preocupadas em resolver o problema do rio: ótimo. Mas precisam dar alguma assistência aos pescadores. Ninguém fala nem em da ao menos uma cesta básica”, reclamou.
Morando às margens do rio há mais de 40 anos, dos quais 20 são dedicados à pesca, Francisco afirma que essa mortandade de peixes não é novidade. “Todo ano acontece, sempre entre setembro e novembro. O que tem de diferente agora é que houve muita divulgação na imprensa e as autoridades estão investigando forte”, analisou. Além dos agrotóxicos, o pescador afirma que o esgoto lançado no rio sem tratamento é outro problema grave.
Em nota enviada à reportagem do Colabora, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas informou que, com base nos trabalhos de fiscalização e no resultado das análises da água, autuou a Usina Santo Antônio e a empresa Pontas de Pedras Pescados Brasil. Segundo a nota, as empresas cometeram a infração de “lançamento de efluentes no rio em desacordo com as exigências estabelecidas pelas normas e leis ambientais”. A nota informa ainda que as “multas somam R$ 241 mil”, acrescentando ainda que “o IMA também identificou e autuou uma atividade de extração de areia às margens do rio.”
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Adriana Amâncio
Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.