ODS 1
Nordestinos vivem expectativa da volta das cisternas ao Semiárido
Governo eleva orçamento para o programa federal - de R$ 2 milhões para R$ 500 milhões - e ONGs buscam outros canais de financiamento
Governo eleva orçamento para o programa federal - de R$ 2 milhões para R$ 500 milhões - e ONGs buscam outros canais de financiamento
“Se me desse [uma cisterna], era uma coisa muito grande, né! Porque eu já me livrava desse sufoco”. Essa é a agricultora Cícera Maria Santos, 60 anos, que mora na Serra do Urubu e, com o auxílio de um jegue, caminha 8 horas por dia, de segunda a domingo, em busca de água. Assim como ela, outras quase um milhão de pessoas aguardam ansiosamente pela retomada do Programa Cisternas em todo o Semiárido, em todo o Nordeste.
Leu essas? Série especial de reportagens: A longa jornada em busca da água
Alguns passos já foram dados para garantir a retomada do programa nos padrões mais próximos da realidade anterior aos últimos quatro anos. No fim de 2022, o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), deixado por Bolsonaro, previa apenas R$ 2 milhões. Esse orçamento foi ampliado para R$ 500 milhões com recursos oriundos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/22), que ficou conhecida como PEC da Transição.
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Veja o que já enviamos“A informação que temos é de que são R$ 500 milhões para ser trabalhado pela ASA e pelos estados. Isso não dá conta do défict, mas movimenta bastante. O défict é de 350 mil cisternas de consumo e mais 800 mil de produção é um défict grande. A gente avalia que, se ele for coberto nos quatro anos, é uma coisa ótima”, avalia Naidison Baptista, membro da Coordenação Executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado da Bahia.
O Programa Cisternas implementa os reservatórios de 16 mil litros, destinados ao consumo humano. Ao redor do Semiárido, essa tecnologia ficou conhecida como cisterna de primeira água, uma alusão à relevância do recurso usado para matar a sede, uma necessidade primária. A cisterna Calçadão, com capacidade para armazenar 52 mil litros, é direcionada à produção e criação animal. Essa é conhecida como segunda água, pois garante o plantio dos alimentos e a hidratação dos animais. Os recursos do Programa Cisterna também preveem a implementação de reservatórios nas escolas.
O Programa prevê ainda a implementação de outras tecnologias de armazenamento de água para a produção, dentre as quais estão a cisterna de enxurradas, barreiro trincheira, cisterna telhadão e barragem subterrânea. A barragem subterrânea é uma tecnologia que armazena a água no subsolo. Segundo as regras do Programa, para ter acesso às tecnologias de produção, antes, é preciso ter acesso à primeira água.
Na metodologia de implementação, espaços de controle social e associações comunitárias são envolvidas na análise dos critérios e na definição dos beneficiários. As famílias contempladas são envolvidas com a construção e participam de um curso de Gestão de Recursos Hídricos (GRH). Nesses cursos, os beneficiários aprendem a fazer o tratamento e a gestão da água para evitar o desperdício.
De acordo com organizações que realizam a gestão do Programa Cisternas, há décadas, essa metodologia foi desmontada nos últimos quatro anos. Além do orçamento, é necessário resgatar a forma de implementação da política. “Uma vez celebrado o termo, nós vamos selecionar as organizações e as que forem habilitadas, nós vamos chamar para rediscutir a metodologia, para a requalificação”, considera Naidison.
Quem não vê a hora das primeiras implementações acontecerem é Suzana Pereira, também moradora da Serra do Urubu, que vive uma rotina exaustiva de 8 horas de caminhadas por água. “Ave Maria, queria tanto a minha cisterna! Eu ia ficar em casa de boa, descansar e cuidar das minhas outras coisas, dos outros trabalhos de casa”, sonha a agricultora.
As lojas de materiais de construção, de papelaria e os pequenos comércios de gênero alimentícios também são dinamizados com a retomada do Programa. A compra dos materiais para as obras de construção das cisternas, assim como os itens de papelaria e alimentação usados nas atividades formativas, uma das etapas do programa, injetam recursos e movimentam as vendas. A retomada do programa também cria oportunidade de trabalho para os cisterneiros.
Esses profissionais que dominam a técnica de construção comemoram a retomada do programa, que gera oportunidade de trabalho com a implementação das obras e a ministração de cursos para formação de novos construtores. No Semiárido, diversas mulheres tiveram a função de cisterneira como a primeira oportunidade de emprego. Entre essas profissionais, a expectativa é de retomar o trabalho de construção e de facilitação de cursos de cisternas e, com isso, ter aquela renda final do mês.
O vácuo na execução do Programa Cisternas nos últimos quatro anos, coloca o Brasil alguns passos atrás na corrida pelo cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O ODS 6, cujo compromisso é “assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos” depende da implementação de cisternas no Semiárido para ser concretizado.
A pluviosidade da região é de 200mm a 800mm ao ano. Como as chuvas se concentram entre os meses de janeiro e maio, guardar a água para consumir durante a estiagem é a solução mais viável. Com a capacidade de captar e armazenar água da chuva, as cisternas mostram-se eficientes, especialmente para levar água às famílias que vivem em regiões de difícil acesso do Semiárido.
As estratégias das ONGs
Levando em conta a alta demanda de cisternas no Semiárido, as mais de três mil organizações que compõem a ASA pensaram em estratégias para garantir a implementação de outras tecnologias, por meio de outras fontes de recursos. Uma delas, informa Naidison Baptista, é pleitear apoio em Conselhos de controle social, que pautam o tema do acesso à água.
As opções mais próximas são o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). A segunda tática é acionar os deputados e senadores nordestinos no Congresso Nacional e os gestores do Programa.
“Pretendemos contactar os deputados no sentido que eles possam estar reafirmando a pauta da cisterna na Câmara e no Senado. Também vamos buscar audiências com as pessoas responsáveis por fazer o programa andar. No MDS, tem uma secretaria chamada Sesan, Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, é nela que o Programa Cisternas está lotado. Nós vamos ter uma segunda audiência com essa secretária e também vamos buscar um encontro com o Ministro do Desenvolvimento Social”, informa Naidison Baptista.
A reportagem do Colabora fez contato com a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), ligada ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Perguntamos se há prazo para o lançamento dos editais e se há mudanças na forma de contratação das organizações. Buscamos saber se há mudanças na forma de seleção e contratação das organizações. Até o fechamento desta reportagem, não recebemos retorno do órgão.
Esta reportagem teve apoio da ActionAid Brasil, que implementa projetos como o Mulheres da Terra e o Fundo Água.
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Adriana Amâncio
Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.