Nordestinos vivem expectativa da volta das cisternas ao Semiárido

Governo eleva orçamento para o programa federal - de R$ 2 milhões para R$ 500 milhões - e ONGs buscam outros canais de financiamento

Por Adriana Amâncio | ODS 6 • Publicada em 21 de março de 2023 - 23:44 • Atualizada em 19 de abril de 2023 - 09:16

Caminhar quilômetros para pegar água e levar no lombo do jumento para casa: Semiárido espera volta do Programa Cisternas para acabar com esta rotina (Foto: Arnaldo Sete)

Caminhar quilômetros para pegar água e levar no lombo do jumento para casa: Semiárido espera volta do Programa Cisternas para acabar com esta rotina (Foto: Arnaldo Sete)

Governo eleva orçamento para o programa federal - de R$ 2 milhões para R$ 500 milhões - e ONGs buscam outros canais de financiamento

Por Adriana Amâncio | ODS 6 • Publicada em 21 de março de 2023 - 23:44 • Atualizada em 19 de abril de 2023 - 09:16

“Se me desse [uma cisterna], era uma coisa muito grande, né! Porque eu já me livrava desse sufoco”. Essa é a agricultora Cícera Maria Santos, 60 anos, que mora na Serra do Urubu e, com o auxílio de um jegue, caminha 8 horas por dia, de segunda a domingo, em busca de água. Assim como ela, outras quase um milhão de pessoas aguardam ansiosamente pela retomada do Programa Cisternas em todo o Semiárido, em todo o Nordeste.

Leu essas? Série especial de reportagens: A longa jornada em busca da água

Alguns passos já foram dados para garantir a retomada do programa nos padrões mais próximos da realidade anterior aos últimos quatro anos. No fim de 2022, o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), deixado por Bolsonaro, previa apenas R$ 2 milhões. Esse orçamento foi ampliado para R$ 500 milhões com recursos oriundos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/22), que ficou conhecida como PEC da Transição.

“A informação que temos é de que são R$ 500 milhões para ser trabalhado pela ASA e pelos estados. Isso não dá conta do défict, mas movimenta bastante. O défict é de 350 mil cisternas de consumo e mais 800 mil de produção é um défict grande. A gente avalia que, se ele for coberto nos quatro anos, é uma coisa ótima”, avalia Naidison Baptista, membro da Coordenação Executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado da Bahia.

Ave Maria, queria tanto a minha cisterna! Eu ia ficar em casa de boa, descansar e cuidar das minhas outras coisas, dos outros trabalhos de casa

Suzana Pereira
Agricultora

O Programa Cisternas implementa os reservatórios de 16 mil litros, destinados ao consumo humano. Ao redor do Semiárido, essa tecnologia ficou conhecida como cisterna de primeira água, uma alusão à relevância do recurso usado para matar a sede, uma necessidade primária. A cisterna Calçadão, com capacidade para armazenar 52 mil litros, é direcionada à produção e criação animal. Essa é conhecida como segunda água, pois garante o plantio dos alimentos e a hidratação dos animais. Os recursos do Programa Cisterna também preveem a implementação de reservatórios nas escolas.

Sou mãe de três crianças, não tenho cisterna, a dificuldade para carregar água fora é muito grande. Se eu ganhasse uma cisterna, a minha vida cotidiana mudaria totalmente

Daniela Santos
Agricultora no Sítio Gruta Funda, Casinhas, Pernambuco

O Programa prevê ainda a implementação de outras tecnologias de armazenamento de água para a produção, dentre as quais estão a cisterna de enxurradas, barreiro trincheira, cisterna telhadão e barragem subterrânea. A barragem subterrânea é uma tecnologia que armazena a água no subsolo. Segundo as regras do Programa, para ter acesso às tecnologias de produção, antes, é preciso ter acesso à primeira água.

Arte: Fernando Alvarus

Na metodologia de implementação, espaços de controle social e associações comunitárias são envolvidas na análise dos critérios e na definição dos beneficiários. As famílias contempladas são envolvidas com a construção e participam de um curso de Gestão de Recursos Hídricos (GRH). Nesses cursos, os beneficiários aprendem a fazer o tratamento e a gestão da água para evitar o desperdício.

Esse programa não deveria ter acabado. Agora, com esse governo, eu acho que deve ter um acompanhamento permanente para as famílias cuidarem da cisterna e da água. Que fique como uma política permanente, ligada à saúde, à educação para a gente cuidar de um bem precioso, que é a nossa água

Zé Vicente
Zé Vicente, poeta e cantor e criador do projeto Serão Vivo, no Sítio Aroeira, Orós, Ceará

De acordo com organizações que realizam a gestão do Programa Cisternas, há décadas, essa metodologia foi desmontada nos últimos quatro anos. Além do orçamento, é necessário resgatar a forma de implementação da política. “Uma vez celebrado o termo, nós vamos selecionar as organizações e as que forem habilitadas, nós vamos chamar para rediscutir a metodologia, para a requalificação”, considera Naidison.

Quem não vê a hora das primeiras implementações acontecerem é Suzana Pereira, também moradora da Serra do Urubu, que vive uma rotina exaustiva de 8 horas de caminhadas por água. “Ave Maria, queria tanto a minha cisterna! Eu ia ficar em casa de boa, descansar e cuidar das minhas outras coisas, dos outros trabalhos de casa”, sonha a agricultora.

Eu vejo a retomada do programa como sendo importante para as famílias, pois vai garantir segurança alimentar e também a saúde das famílias da Zona Rural. Acredito que, agora, quem não tem oportunidade de ter uma cisterna, vai conseguir

Edvaldo Cortácio
Funcionário público de Timbira, Maranhão

As lojas de materiais de construção, de papelaria e os pequenos comércios de gênero alimentícios também são dinamizados com a retomada do Programa. A compra dos materiais para as obras de construção das cisternas, assim como os itens de papelaria e alimentação usados nas atividades formativas, uma das etapas do programa, injetam recursos e movimentam as vendas. A retomada do programa também cria oportunidade de trabalho para os cisterneiros.

Esses profissionais que dominam a técnica de construção comemoram a retomada do programa, que gera oportunidade de trabalho com a implementação das obras e a ministração de cursos para formação de novos construtores. No Semiárido, diversas mulheres tiveram a função de cisterneira como a primeira oportunidade de emprego. Entre essas profissionais, a expectativa é de retomar o trabalho de construção e de facilitação de cursos de cisternas e, com isso, ter aquela renda final do mês.

Eu tenho esperança que o novo programa traga benefício social e ambiental para as famílias, que têm conhecido as mudanças climáticas e abraçado a agricultura resiliente ao clima. Espero que quem não tem a primeira e a segunda água possa ganhar, ter água de beber e viver com dignidade

Valmiran Cardoso
assentado da Reforma Agrária, Canto do Buriti, Piauí

O vácuo na execução do Programa Cisternas nos últimos quatro anos, coloca o Brasil alguns passos atrás na corrida pelo cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O ODS 6, cujo compromisso é “assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos” depende da implementação de cisternas no Semiárido para ser concretizado.

A pluviosidade da região é de 200mm a 800mm ao ano. Como as chuvas se concentram entre os meses de janeiro e maio, guardar a água para consumir durante a estiagem é a solução mais viável. Com a capacidade de captar e armazenar água da chuva, as cisternas mostram-se eficientes, especialmente para levar água às famílias que vivem em regiões de difícil acesso do Semiárido.

Cisterna instalada no Semiárido maranhense: ONGs buscam financiamento para novas unidades (Foto: Governo do Maranhão)

As estratégias das ONGs

Levando em conta a alta demanda de cisternas no Semiárido, as mais de três mil organizações que compõem a ASA pensaram em estratégias para garantir a implementação de outras tecnologias, por meio de outras fontes de recursos. Uma delas, informa Naidison Baptista, é pleitear apoio em Conselhos de controle social, que pautam o tema do acesso à água.

As opções mais próximas são o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). A segunda tática é acionar os deputados e senadores nordestinos no Congresso Nacional e os gestores do Programa.

“Pretendemos contactar os deputados no sentido que eles possam estar reafirmando a pauta da cisterna na Câmara e no Senado. Também vamos buscar audiências com as pessoas responsáveis por fazer o programa andar. No MDS, tem uma secretaria chamada Sesan, Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, é nela que o Programa Cisternas está lotado. Nós vamos ter uma segunda audiência com essa secretária e também vamos buscar um encontro com o Ministro do Desenvolvimento Social”, informa Naidison Baptista.

A reportagem do Colabora fez contato com a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), ligada ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Perguntamos se há prazo para o lançamento dos editais e se há mudanças na forma de contratação das organizações. Buscamos saber se há mudanças na forma de seleção e contratação das organizações. Até o fechamento desta reportagem, não recebemos retorno do órgão.

Esta reportagem teve apoio da ActionAid Brasil, que implementa projetos como o Mulheres da Terra e o Fundo Água. 
Adriana Amâncio

Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.

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