ODS 1
Desemprego entre mulheres negras na pandemia é o dobro do de homens brancos
Em debate do #Colabora, especialistas apontam a falta de políticas públicas como o principal entrave para uma maior justiça econômica no Brasil
Um estudo feito pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP, divulgado em setembro, mostrou que nas diferentes fases do Auxílio Emergencial, e em todos os cenários, as mulheres negras foram as que mais sofreram com a pobreza e a extrema pobreza. Quando o benefício foi suspenso, entre janeiro e março de 2021, 41% delas estavam em situação de pobreza e 14,6% em extrema pobreza. Quando se fala em mercado de trabalho, a situação é parecida. Pesquisa do Instituto Locomotiva, com base na PNAD Contínua de 2017 a 2021, verificou que a desocupação de mulheres negras na pandemia tem sido o dobro da desocupação de homens brancos.
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Estes e outros dados, igualmente dramáticos, marcaram o segundo encontro da série “#Colabora 6 anos: 6 debates fundamentais”, realizado pelo Projeto #Colabora. A mesa “Justiça econômica para mulheres, atalho para a retomada da economia” reuniu a vice-presidente do Instituto Omolará, Eliana Custódio; a diretora da ActionAid Brasil, Ana Paula Brandão e a jornalista Flavia Oliveira, da GloboNews, com a mediação da jornalista Fernanda Baldioti, uma das editoras do #Colabora. Ao longo da conversa, as especialistas mostraram exemplos, casos e números que comprovam, mais uma vez, que a desigualdade no mercado de trabalho, e na vida, tem cor, gênero e classe:
“A desigualdade, infelizmente, é um elemento que define a sociedade brasileira, que sempre foi desigual e hierarquizada. Apesar do esforço grande das mulheres, desde os anos 70, por qualificação e inclusão no mercado de trabalho, a situação não mudou muito. Especialmente para as mulheres negras, pobres, das favelas, das periferias. Mulheres que vivem sozinhas, são chefes de família, tem dois ou três filhos, ganham pouco e são mais vulneráveis, ainda mais em plena pandemia”, argumentou Flávia Oliveira.
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Veja o que já enviamosA jornalista citou o caso emblemático da empregada doméstica Mirtes Renata Santana que, em junho de 2020, perdeu o filho Miguel Otávio Santana que caiu de um prédio de luxo, em Recife, enquanto a mãe passeava com o cachorro da patroa. Ana Paula Brandão, da ActionAid, aproveitou a deixa para lembrar que a primeira morte pela covid-19 no Brasil foi de uma empregada doméstica de 57 anos, em São Paulo: “Não há dúvida, sempre que a situação aperta, como foi na pandemia, a mulher negra e pobre é a mais prejudicada. Hoje, mais de 50% da população brasileira vive em insegurança alimentar. O que significa que estão pulando, pelo menos, uma refeição por dia. Todos os índices pioraram dramaticamente nos últimos 4 ou 5 anos”, explicou a diretora da ActionAid.
Fernanda Baldioti, a mediadora, aproveitou para lembrar da reportagem do #Colabora “Um vírus, duas guerras”, feita em parceria com outras cinco organizações jornalísticas, que mostrava que, durante a pandemia, 1.005 mulheres perderam a vida por conta da violência doméstica.
Eliana Custódio, que é gestora de projetos sociais e trabalha com empreendedorismo de mulheres negras contou que a situação das empreendedoras negras e pardas piorou muito com a covid-19: “Voltar aos patamares que tivemos no passado será praticamente impossível, um desafio enorme. O estrago foi muito grande. Faltam políticas públicas, não há qualquer apoio do Estado. As pessoas estão sem dinheiro para pagar o gás de cozinha. Estão fazendo o jantar, quando ele existe, com forno a lenha, álcool, o que é muito perigoso”, lamentou.
Ao final de pouco mais de uma hora de debate, Flávia Oliveira disse que o Brasil vive um momento de trevas quando se fala em políticas públicas para a redução das desigualdades. Segundo ela, numa mistura de incompreensão e incompetência, como foi no combate à covid-19 e no sepultamento do Bolsa Família. Para Flávia, a boa notícia desse período foi o ressurgimento e a valorização das organizações da sociedade civil, que fizeram um trabalho fundamental para reduzir o sofrimento dessas populações mais vulneráveis:
“Investir na redução da desigualdade não é só justo e correto, pode ser muito rentável também. Essas organizações que atuam nas favelas, nas quebradas, nas periferias, mostraram, mais uma vez, a sua disposição distributiva. Eles dividiram o pão, a comida, a mesa e os remédios. Nada mais natalino do que isso. Esse exemplo precisa ser seguido”, concluiu.
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Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.