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O maior crime – ainda impune – de Bolsonaro

O futuro presidiário precisa pagar pelas mortes da pandemia, decorrentes do negacionismo e do seu descaso intencional com os brasileiros

ODS 16ODS 3 • Publicada em 19 de setembro de 2025 - 06:27 • Atualizada em 19 de setembro de 2025 - 07:05

A imagem das covas abertas no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus, correram o mundo como símbolo do drama da covid-19 no Brasil. Foto Michael Dantas/AFP
A imagem das covas abertas no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus, correram o mundo como símbolo do drama da covid-19 no Brasil. Foto Michael Dantas/AFP

A sexta dose causará a rebordosa de rigorosamente todas as outras – mas tudo certo. Em verdade, mesmo o mal estar e a febrinha (em alguns poucos) no dia seguinte dão certo conforto, pontilhado de significados. A fugaz espetadinha no braço evoca, aí sim, orgulhos diversos, a começar por um quentinho raro no coração, pelo simples fato de ser brasileiro. Materializa-se, naqueles instantes, a fábula de um país menos desigual, de uma sociedade que cuida dos seus.

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Começa pelo lugar: a Clínica da Família Santa Marta, unidade pública de saúde no pé de uma favela carioca. Segue na estrutura: prédio bem conservado, acolhedor, sem luxos supérfluos. Brilha na eficiência: trabalhadores competentes consumam o serviço em breves minutos, a salvo de qualquer estresse. Consagra-se na finalidade: a estrutura pública, gratuita, à disposição da população inteira, sem distinções nem privilégios. Para resumir: #vivaoSUS.

Em imagem feito no dia 19 de abril, em Brasília, o presidente Bolsonaro tosse enquanto fala depois de se juntar a seus apoiadores que estavam participando de uma carreata para protestar contra medidas de quarentena e distanciamento social para combater o novo coronavírus. Foto Sérgio Lima/AFP
Em abril de 2020, em Brasília, Bolsonaro tosse, sem máscara, diante de apoiadores numa carreata contra a quarentena e o distanciamento social essenciais para combater a covid-19. Foto Sérgio Lima/AFP

A mais recente dose da vacina contra a covid-19 – no Rio de Janeiro, disponível a quem tem mais de 60 anos ou carrega comorbidades; vai lá tomar, você aí – chegou ao colunista na véspera da decretação dos 27 anos e três meses de cadeia para Jair Bolsonaro. A cana, decorrente das condenações por organização criminosa, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito e golpe de estado, pode impressionar, pela raridade de alcançar um integrante da elite. Mas não duvide: é pouco.

O capitão segue impune pelos crimes mais bárbaros que cometeu em sua lamentável trajetória. Estão no prontuário dele ao menos 400 mil brasileiros mortos na dolosa incompetência durante a pandemia. Humanos que se foram sem ar nem atenção, graças à escolha bolsonara pela negação à ciência, o desprezo à vida, o descaso com milhares de moribundos.

Morreram o Aloy e o Aldir; o Laíla e a filha; o Paulo Gustavo e a Daisy Lúcidi; o Ubirany e o Paulinho do Roupa Nova; a Nicette Bruno e a Maria Prestes; o Tarcisio Meira e o José Murilo de Carvalho; o Paulinho Paiakã e a Carivaldina da Costa; o Carlos Lessa e o Agnaldo Timóteo. Milhares de outros, mais de 700 mil – a população de Feira de Santana (BA) ou Ribeirão Preto (SP) -, excesso que está na conta do governo macabro eleito em 2018.

Tornou-se comum, nas conversas dos sobreviventes, lembrar os parentes que se foram “na pandemia”, “na covid”, como se convencionou citar o período. Recordações de quem passou sufoco nos hospitais de campanha, lutou para conseguir máscara, precisou trabalhar em meio ao medo do contágio descontrolado, viu se acentuar a miséria decorrente da barbeiragem governamental.

Ficou tatuada na história brasileira memória o deboche do então mandatário em meio à crise mais terrível, fingindo sufocamento, simulando tosse e zombando do sofrimento alheio. A “gripezinha”, na inesquecível definição dele, diante dos aplausos repulsivos de sua claque fanática. Nada pode ser mais indigno – o homem público, no exercício do cargo, menosprezando o martírio dos cidadãos abandonados à própria sorte pelo negacionismo infame, letal.

O período guarda uma pororoca de crimes do futuro presidiário e de seus asseclas. O atraso de caso pensado na compra da vacina; a dramática falta de oxigênio em Manaus; as inúmeras aparições públicas sem máscara, desobedecendo recomendações dos sanitaristas; o discurso obsessivo contra o isolamento social; a aposta teimosa na cloroquina, mesmo diante de todas as evidências científicas da inutilidade do remédio; a demissão de ministros da Saúde que tentaram, minimamente, mitigar a crise (até a escolha do bizarro general Pazuello). Delitos não faltam.

Mas no trágico patrimonialismo brasileiro, o desvio das joias dadas pelo governo saudita (do qual Bolsonaro acabou inocentado pelo Tribunal de Contas da União) teve mais repercussão do que os milhares de mortos na pandemia. Não fossem os atos terroristas da tentativa de golpe de estado em 8 de janeiro de 2023, o capitão estaria por aí, como um pesadelo real a atormentar o país.

O ministro do STF Flávio Dino mandou, essa semana, investigar os crimes cometidos pelo ex-presidente ao longo da crise sanitária, tardio começo para o acerto de contas da barbaridade impune. Mesmo no futuro mais distante, Bolsonaro e seus cúmplices precisam ser condenados pelos crimes mais hediondos cometidos contra a população. Caso aconteça, será mais um valioso passo do Brasil na direção de consertar sua própria história.

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