ODS 1
Diário da Covid-19: Países enfrentam novas ondas pandêmicas
Mais de cem nações ultrapassaram os 100 mil casos e 35 superaram a marca de 1 milhão de infectados com a doença
A covid-19 continua se propagando em ondas pelas regiões do mundo, com períodos de fluxo e refluxo. Já são 200 países e territórios com mais de 1.000 casos, 110 países com mais de 100 mil casos e 35 países com mais de 1 milhão de casos. Pouquíssimas nações conseguiram manter coeficientes de incidência e mortalidade suficientemente baixos, como é o caso da Nova Zelândia. A regra tem sido períodos de alta incidência seguidos de períodos de baixa incidência. Mas nenhum país conseguiu vencer a pandemia depois de perder o controle da difusão pela transmissão comunitária do SARS-CoV-2, em suas diferentes mutações.
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A vacinação em massa tem evitado o agravamento da doença, mas não a erradicação do vírus. Países que vivenciaram um grande surto pandêmico no início do ano, conseguiram avançar com a vacinação e as medidas de prevenção, possibilitando atingir patamares bem baixos entre março e junho de 2021. Mas, atualmente, vivem um novo surto a despeito de terem taxas elevadas de imunização. Outros países, que até recentemente tinham conseguido minimizar os efeitos da pandemia, passam atualmente por um momento crítico com aumento da morbimortalidade.
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O gráfico abaixo mostra o coeficiente diário de incidência (casos por milhão de habitantes) do Brasil, do mundo e de alguns países selecionados até o dia 20/08, todos com tendência de alta das infecções (com exceção do Brasil). Atualmente, os dois país com os maiores coeficientes diários de incidência, com cerca de 810 casos por milhão de habitantes, são Israel que vive um novo surto de infecções mesmo tendo uma taxa de vacinação muito alta, e Cuba, que tinha mantido o número de casos num patamar muito baixo em 2020, apresentou um aumento controlado no primeiro semestre de 2021, mas passou a ter uma “explosão” de casos a partir de julho. Também o Reino Unido e os Estados Unidos, com alta prevalência da imunização completa, enfrentam um novo surto, com cerca de 450 casos diários por milhão, sendo que o Irã está também no mesmo patamar.
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Veja o que já enviamosA Malásia (660 casos por milhão), a Tailândia (com 300 casos por milhão) e, especialmente, o Vietnã (com 100 casos por milhão), que tinham números de testes positivos muito baixos, passam por um surto inédito no leste da Ásia. O México (com 143 casos por milhão) também voltou a apresentar números crescentes. Ao contrário dos países selecionados, o Brasil apresenta tendência de baixa com 140 casos da covid-19 por milhão. Sem embargo, resta saber se as curvas epidemiológicas do Brasil vão continuar diminuindo ou vão ter um repique. A média mundial está em 84 casos por milhão de habitantes.
O quadro muda quando se considera o coeficiente acumulado de incidência, onde a liderança cabe aos EUA e a Israel (com cerca de 113 mil casos por milhão). Em seguida, aparecem também empatados o Brasil e o Reino Unido (com cerca de 96 mil casos por milhão). Acima da média mundial (de 27 mil casos por milhão) aparecem Irã com 55 mil casos por milhão e Cuba, Malásia e Rússia com aproximadamente 46 mil casos por milhão. Abaixo da média mundial aparecem México (com 25 mil casos por milhão), Tailândia (com 14 mil casos por milhão) e Vietnã (com 3,3 mil casos por milhão).
O gráfico abaixo mostra o coeficiente diário de mortalidade (óbitos por milhão de habitantes) do mundo e dos mesmos países anteriores, para o período equivalente. O país com o maior coeficiente diário de mortalidade, com cerca de 8 óbitos por milhão de habitantes, é a Malásia. Em seguida aparecem Cuba e Irã com cerca de 7 óbitos por milhão. Rússia e México aparecem com cerca de 5,2 óbitos por milhão. O Brasil, com 3,8 óbitos por milhão. Vietnã e Tailândia possuem cerca de 3,5 óbitos diários por milhão. EUA com 3 óbitos por milhão, Israel com 2,5 óbitos por milhão e Reino Unido com 1,5 óbitos por milhão. Todos estes países apresentam coeficientes acima da média mundial de 1,3 óbitos diários por milhão, sendo que o Brasil foi o único que apresentou queda no período de 01/07 a 20 de agosto de 2021.
Considerando o coeficiente acumulado de mortalidade, a liderança isolada cabe ao Brasil com 2,7 mil óbitos por milhão. O México, o Reino Unido e os EUA possuem coeficientes em torno de 1,9 mil óbitos por milhão. Em seguida, aparecem o Irã e a Rússia com 1,2 mil óbitos por milhão. Israel registra 780 óbitos por milhão. Abaixo da média mundial (de 566 óbitos por milhão) estão Malásia (com 424 óbitos por milhão), Cuba (com 388 óbitos por milhão), Tailândia (com 126 óbitos por milhão) e Vietnã (com 78 óbitos por milhão). Nota-se que o Vietnã tem um coeficiente de mortalidade 35 vezes menor do que o brasileiro. Isto quer dizer que se o Brasil tivesse o mesmo coeficiente vietnamita teria registrado apenas 16,5 mil mortes ao invés das 574 mil vidas perdidas registradas pelo Ministério da Saúde.
O gráfico abaixo mostra a percentagem da população vacinada (total ou parcialmente imunizada), no dia 20/08, para o mundo e os mesmos países anteriores. Na Tailândia, no Irã e no Vietnã o aumento dos casos e mortes pode estar relacionado com o baixo grau de imunização. Mas o que chama a atenção é que o número de casos e de mortes está subindo em países que possuem maior proporção de pessoas plenamente vacinadas acima das taxas do Brasil, como é o caso de Reino Unido, Israel, EUA, Malásia e Cuba.
Ou seja, os exemplos apresentados destes países com novos surtos, à despeito da vacinação, servem de alerta para o Brasil, pois embora a pandemia esteja em retração no território nacional, há o perigo de um nova onda em função da difusão de outras variantes do SARS-CoV-2, como mostramos no “Diário da Covid-19: Brasil tem as menores médias do ano, mas o perigo continua”, aqui no #Colabora, de 15 de agosto.
A covid-19 em países que enfrentam desastres naturais e sociais: Líbano, Haiti e Afeganistão
Para deter a covid-19 os países precisam fazer uma barreira sanitária e impedir a transmissão comunitária do vírus. Quando a barreira sanitária é insuficiente para deter as infecções é preciso testar, rastrear e monitorar os doentes, além de tomar medidas preventivas (uso de máscaras, higiene das mãos, quarentenas etc) para evitar a propagação do coronavírus. Países que fizeram o dever de casa (como é o caso da Nova Zelândia) conseguiram deter o avanço da pandemia.
O Líbano, antes da explosão do porto de Beirute, em 04/08/2020, parecia que estava controlando a doença, pois tinha média de 200 casos diários e de 5.271 casos acumulados, além de uma média de 2 mortes diárias e 77 mortes acumuladas. Mas depois do caos provocado pela explosão em Beirute a pandemia se espalhou por todo o país e, no dia 20/08/2021, já havia o acúmulo de 590 mil casos e de 8 mil mortes (números 100 vezes maiores).
No início de agosto de 2020 o Líbano tinha coeficientes de incidência e de mortalidade menores do que o Afeganistão e o Haiti. Mas com a perda de controle da pandemia nos últimos 12 meses o Líbano saltou para um coeficiente de incidência de 86 mil casos por milhão e 1.173 óbitos por milhão de habitantes no dia 20 de agosto de 2021. Neste mesmo dia, o Haiti registrou 1,8 mil casos por milhão e 51 óbitos por milhão, enquanto o Afeganistão apresentou 3,9 mil casos por milhão e 181 óbitos por milhão por milhão de habitantes, conforme mostram os gráficos abaixo.
Todavia, o Haiti (com mais de 11 milhões de habitantes) pode enfrentar muitas dificuldades para controlar a pandemia, pois sofreu dois desastres naturais em sequência, sendo um terremoto de magnitude 7,2 no dia 14 de agosto, que deixou mais de 2 mil mortos, e o ciclone tropical Grace no dia 16 de agosto que provocou inundações e dificultou o resgate das vítimas do tremor, além de agravar o quadro de dezenas de milhares de pessoas desabrigadas. No cenário de desespero e de desorganização provocado pelas adversidades da natureza, o Haiti – que tem sido o país das Américas com menores números da pandemia – pode passar por um surto pandêmico ao estilo do que ocorrido no Líbano.
No Afeganistão (com cerca de 40 milhões de habitantes), no dia 15 de agosto de 2021, o grupo fundamentalista Talibã tomou a capital do país, Cabul, e voltou ao poder cerca de 20 anos depois de ter sido expulso por tropas norte-americanas. A chegada do Talibã provocou a fuga do presidente afegão, Ashraf Ghani, e as forças norte-americanas estão tendo de lidar com a evacuação de dezenas de milhares de pessoas entre estadunidenses e aliados. Evidentemente, a mobilização de tropas e a fuga de civis criam aglomerações que só favorecem a propagação do coronavírus. Da mesma forma que aconteceu no Líbano, o Afeganistão também pode enfrentar um surto pandêmico em meio ao caos da guerra civil.
A covid-19 na Oceania: Polinésia Francesa, Austrália e Nova Zelândia
A Oceania é o continente menos impactado pela covid-19, tendo um coeficiente de mortalidade de apenas 38 óbitos por milhão de habitantes em 20 de agosto de 2021, valor bem menor do que os coeficientes da África (140 óbitos por milhão), da Ásia (214 óbitos por milhão), da Europa (1.550 óbitos por milhão), da América do Norte (1.612 óbitos por milhão) e da América do Sul, continente mais impactado, com 2.597 óbitos por milhão de habitantes.
Dentro da Oceania o país com os menores indicadores (até 20/08) é a Nova Zelândia com um coeficiente de incidência de 598 casos por milhão e de mortalidade de apenas 5 óbitos por milhão, enquanto a Austrália apresenta um coeficiente de incidência de 1,7 mil casos por milhão e de 38 óbitos por milhão e a Polinésia Francesa, um coeficiente de incidência de 129 mil casos por milhão e de 909 óbitos por milhão de habitantes.
A Polinésia Francesa, com 280 mil habitantes, tem vivenciado um novo surto da pandemia e chegou a registrar mais de 2 mil casos diários e mais de 20 mortes, agora em agosto. A Austrália bateu o recorde de casos no dia 21 de agosto com mais de 800 infectados em 24 horas e média de 4 óbitos diários. Mas ao contrário dos “vizinhos” da Oceania, a Nova Zelândia tem apresentado uma média de apenas 8 casos diários e nenhuma morte. Houve apenas um óbito da covid-19 na Nova Zelândia durante todo o ano de 2021, conforme mostram os gráficos abaixo.
A Nova Zelândia não registrava transmissão local há 6 meses, mas a primeira-ministra, Jacinda Ardern, decretou no dia 17/08, um confinamento de três dias em todo o país após o registro de um caso local de transmissão comunitária da covid-19. A estratégia de covid-zero é muito difícil de ser alcançada, mas a Nova Zelândia tem tido sucesso até aqui, pois o país tem um coeficiente de mortalidade muito baixo (5 óbitos por milhão), valor 540 vezes menor do que o coeficiente brasileiro. Se o Brasil tivesse o mesmo coeficiente de mortalidade da Nova Zelândia teria apenas 1.063 óbitos da covid-19 e não as 574.209 vidas perdidas registradas pelo Ministério da Saúde em 21 de agosto de 2021.
O sucesso da Nova Zelândia em erradicar o novo coronavírus contribuiu para o menor impacto recessivo na economia. Segundo o FMI, o PIB neozelandês caiu 2,9% em 2020, mas deve crescer 4% em 2021 e 3,2% em 2022, enquanto o Brasil, nos mesmos anos, respectivamente, tem as seguintes taxas: – 4,1%, 3,7% e 2,6%. Em consequência, a renda per capita em poder de paridade de compra, em termos constantes, caiu menos na Nova Zelândia em 2020 e está se recuperando de forma mais rápida do que o Brasil em 2021 e 2022.
Ou seja, a renda per capita neozelandesa era 2,4 vezes maior do que a brasileira em 2011 e agora está 2,8 vezes maior. As políticas públicas da primeira-ministra Jacinda Ardern demonstram que as ações na área de saúde são aliadas das ações na área econômica e o sucesso na erradicação do coronavírus é um grande incentivo para a retomada das atividades produtivas.
Todo o panorama internacional apresentado acima mostra que a covid-19 tem se mostrado mais resistente do que o previsto anteriormente e poucos países conseguiram manter os casos e os óbitos em níveis baixos. Como a pandemia segue ciclos de expansão e retração, o Brasil, que está em fase de refluxo, deveria se precaver e evitar passar por um novo repique como tem acontecido em Israel, EUA e Reino Unido (países que já vacinaram mais do que o Brasil).
Como alertou a Fiocruz, em edição do Boletim InfoGripe, divulgado em 18 de agosto, os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) interromperam o cenário de queda e há sinais de retomada de crescimento. A variante delta da covid-19 já é a mais encontrada nas amostras coletadas em pacientes do estado do Rio de Janeiro. Quatro cidades da região metropolitana (Seropédica, Itaguaí, Mesquita e Nilópolis) estão com alto risco de transmissão. Dados da Secretaria Estadual de Saúde com base em informações do sistema da Subsecretaria de Vigilância em Saúde mostram que o número de óbitos em idosos com esquema vacinal completo aumentou no Estado do Rio, sendo que a quantidade de mortes de quem já tomou as duas doses da vacina ficou maior do que o número de pessoas com apenas a primeira dose.
Em função de tudo isso, o referido boletim da Fiocruz mantém a “recomendação da cautela em relação à medidas de flexibilização das recomendações de distanciamento para redução da transmissão da covid-19 enquanto a tendência de queda não tiver sido mantida por tempo suficiente para que o número de novos casos atinja valores significativamente baixos, bem como a necessidade de reavaliação das flexibilizações já implementadas nos estados com sinal de retomada do crescimento ou estabilização ainda em patamares elevados”. Ou seja, não é hora de relaxar, mas sim de redobrar os esforços para vencer a pandemia, minimizando o número de casos e de mortes e maximizando o bem-estar da população.
Frase do dia 22 de agosto 2021
“Sabemos o que somos, mas não sabemos o que poderemos ser”
William Shakespeare (1564-1616)
Referências
ALVES, JED. “Diário da Covid-19: Brasil tem as menores médias do ano, mas o perigo continua”, #Colabora, 15 de agosto de 2021
FIOCRUZ. Resumo do Boletim InfoGripe, Semana Epidemiológica (SE) 32, 2021, RJ, 18/08/2021
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.