Diário da Covid-19: EUA chegam ao 4 de Julho sem nada a comemorar

Praia fechada na Califórnia no feriadão do Dia da Independência: 40 estados enfrentam aceleração do número de casos (Foto: Mario Tama/AFP)

País registra recordes consecutivos em número de casos nos três primeiros dias; em 40 estados americanos, índice de contaminação está subindo

Por Oscar Valporto | ODS 3 • Publicada em 4 de julho de 2020 - 10:08 • Atualizada em 30 de setembro de 2021 - 12:42

Praia fechada na Califórnia no feriadão do Dia da Independência: 40 estados enfrentam aceleração do número de casos (Foto: Mario Tama/AFP)

Hoje, 4 de julho, é a data nacional dos Estados Unidos, o Dia da Independência – data quando, em 1776, o Congresso Continental – representando as Treze Colônias iniciais dos EUA – proclamou sua independência do Império Britânico. O tradicional feriado – por cair no sábado – foi antecipado para esta sexta (03/07) na maioria dos estados americanos e nas repartições federais. É também tradicional dia de comemorações com fogos de artifício, festas públicas, churrascos, aglomerações. Apesar da pandemia de covid-19, muitos seguiram a tradição festiva – enquanto os dados oficiais mostram que curva de contágio está subindo em 40 dos 50 estados americanos, com o aumento na porcentagem de testes positivos.

País com maior número – quase 3 milhões – de infectados pelo coronavírus, os Estados Unidos enfrentam uma nova onda causada pela suspensão de medidas restritivas por toda parte. Os primeiros dias de julho foram de recorde de novos casos: 51.200 na quarta (01/07), 52.291 na quinta, e 54.722 na sexta. Na quinta, quatro estados – Arizona, Califórnia, Flórida e Texas – alcançaram novos patamares de infectados; juntos, eles relataram 26 mil novos casos confirmados de covid-19.

Mapa do contágio: nos EUA: vermelho significa forte alta de casos; laranja, crescente; amarelo, estável; e azul, decrescente (Reprodução)
Mapa do contágio: nos EUA: vermelho significa forte crescimento de casos; laranja, crescimento; amarelo, estável; e azul, decrescente (Reprodução)

Os mais de 50 mil casos registrados nos primeiros dias de julho representam o dobro, em média, o dobro do total diário do mês passado e é maior até do que os números testemunhados pelo país durante a fase mais letal da pandemia em abril e maio.  Dos 36 estados com aumento nos casos registrados, nas últimas duas semanas, pelo Covid Tracking Project, organização voluntária para acompanhamento da doença, Flórida, Arizona, Texas e Califórnia enfrentam os surtos mais graves – e, não por acaso, voltaram a fechar bares, restaurantes e algumas áreas públicas antes mesmo do feriadão de 4 de julho.

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Mesmo que o aumento do número de testes possa explicar a escalada de casos, há indicadores sombrios como o crescimento da taxa de hospitalização e, principalmente, o índice de testes com resultado positivo. Nas últimas duas semanas, a porcentagem de testes positivos ficou cinco vezes maior no estado do Idaho. Em Nevada, triplicou. E dobrou em Ohio, Geórgia, Kansas, Montana, Michigan, Missouri, Tennessee, Mississippi e Carolina do Sul.

As únicas boas notícias sobre a pandemia vêm do Nordeste do país, onde estão a maioria das 13 colônias iniciais dos Estados Unidos: em estados como Nova York, Massachusetts, Connecticut, Rhode Island e Nova Jersey, o número de novos casos está desacelerando. No litoral de Nova Jersey, foram liberados para o feriado circulação nos calçadões, piqueniques, apresentações de fogos de artifício, e funcionamento de parques aquáticos, parques de diversão e cassinos – todos ainda com algumas restrições.

A Pensilvânia, uma exceção entre os estados do Nordeste, registrou, quinta-feira, o maior número de casos novos em um dia desde maio, com mais de 830. Segundo maior cidade do estado, Pittsburgh, com pouco mais de 300 mil habitantes, Pittsburgh, decretou o fechamento de bares e restaurantes e proibiu reuniões de mais de 25 pessoas por uma semana a partir de sexta (3/7).

É Flórida

Principal destino de imigrantes e turistas brasileiros nos EUA, o estado da Flórida vem estabelecendo novos recordes de casos desde a semana passada: na quinta (2/7), quebrou, pela primeira vez a marca de 10 mil novos casos confirmados (10.109). Esse número é seis vezes maior que a média diária de um mês atrás. Na sexta, feriado no estado pelo Dia da Independência, foram registrados 9.488. A Flórida teve 25 mil casos nos três primeiros dias de julho: se a média for mantida, chegará a 250 mil no mês, mais do que os 153 mil registrados do começo da pandemia até o último dia de junho.

Praia cheia em Miami Beach: Flórida tem recorde de novos casos e retoma restrições (Foto: Chandann Khanna/AFP)
Praia cheia em Miami Beach: Flórida tem recorde de novos casos e retoma restrições (Foto: Chandann Khanna/AFP)

A Flórida chegou ao 4 de Julho como o quarto estado com maior número de casos nos EUA, ultrapassando Nova Jersey e ficando atrás apenas de Nova York, California e Texas. Na fatídica quinta-feira do novo recorde de casos, o estado também registrou 67 mortes pela segunda vez em uma semana e 325 novas hospitalizações, um dos maiores saltos em 24h na Flórida até o momento. Da mesma forma, a vizinha Geórgia também testemunhou na quinta seu maior aumento em um único dia: quase 3.500 novos casos.

A Flórida contabilizou quase o triplo do número de caos desde o começo da Fase 2 da reabertura do estado, em 5 de junho. Até então, a o estado, que havia entrado em lockdown no começo de abril, parecia ter a pandemia sob controle, especialmente em comparação com estados como Nova York, Nova Jersey, Illinois e Massachusetts, onde a situação era mais grave. Naquele mês, foram registrados 1.413 novos casos por dia, enquanto Nova York tinha uma média de mais de 10 mil. A média estadual permaneceu no mesmo patamar em maio quando o governo determinou relaxamento progressivo das medidas de isolamento social, que culminou na reabertura de praias, hotéis, bares e restaurantes no início de junho.

A disparada de casos na segunda quinzena assustou as autoridades estaduais.  A proporção de resultados positivos está aumentando de maneira acelerada — eram 5% no começo de junho e são 15% agora. O governador republicano Ron DeSantis decretou novamente o fechamento de bares e restaurantes a partir do fim de semana passado para tentar limitar a propagação do vírus. Esta semana, municípios do sul da Flórida decidiram fechar praias para afastar grandes multidões das festas do 4 de Julho que poderiam espalhar ainda mais o vírus.

Sob o sol da Califórnia

Também no dia 2 de julho, a Califórnia registrou seu recorde de novos casos em 24h: 9.352, confirmando uma tendência de alta na curva de contágios. O mês da Independência chegou com alta na taxa de testes positivos para a covid-19: 5,4%, um terço a mais do que a taxa registrada no começo de junho. Nas últimas duas semanas, o estado teve, em média, pouco mais de 6 mil novos casos por dia, a média mais alta desde o inicío da pandemia

Californianos lotam a Huntington Beach, uma das poucas abertas no feriado: Califórnia retoma medidas restritivas (Foto: Michael Heiman/Getty Images/AFP)
Californianos lotam a Huntington Beach, uma das poucas abertas no feriado: Califórnia retoma medidas restritivas (Foto: Michael Heiman/Getty Images/AFP)

A Califórnia chegou no feriadão da Independência, sob um clássico céu e um dia ensolarado de verão. Mas novas decretos sanitários fecharam temporariamente muitas praias populares e cancelaram shows de fogos de artifício, em um esforço para evitar o avanço da covid-19.

Com o índice de novos casos em curva ascendente e número crescente de internações crescentes, o governador democrata Gavin Newsom reverteu ou limitou a reabertura de negócios em Los Angeles e 18 outros municípios da Califórnia onde moram quase três quartos da população do estado. Bares reabertos recentemente, restaurantes em locais fechados e outros locais de entretenimento em ambientes fechados foram fechados nesses condados por pelo menos três semanas.

No feriado desta sexta, poucos surfistas estavam no mar nas famosas praias de Venice e Malibu, em Los Angeles, e muita gente passeava no calçadão, mas não havia as multidões habituais dos feriados do Dia da Independência.  A California fechou a sexta-feira com 252.252 casos e 6.314 óbitos no total.

Cowboys mascarados no Texas

Outro estado a estabelecer novos recordes para novos casos em 24h quando julho chegou foi o Texas: o estado registrou 8.076 novos casos na quarta-feira (1/7), 7.915 na quinta (2/7) e mais 7.555 novos casos de Covid-19 nesta sexta-feira (3/7). Com mais de 23 mil casos em três dias, o Texas continua em acentuada tendência de aceleração dos casos da doença.  O número de pessoas hospitalizadas mais do que triplicou. Muitos hospitais em partes do estado já estão se aproximando da capacidade.

De acordo com previsões divulgadas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, o Texas terá duas mil novas internações por dia até meados de julho. Aceleração de casos e o prognóstico assustador levaram o governador republicano Greg Abbott a determinar o uso de máscaras na maior parte do estado (onde vive 95% da população), a partir desta sexta; até recentemente, Abbott barrava iniciativas de governos locais que desejavam impor a obrigação de máscaras nos lugares públicos.

O governador também alterou ordem executiva e reduziu o limite de pessoas em eventos ao ar livre de 100 para 10 pessoas. Reuniões ao ar livre, como as realizadas normalmente em 4 de julho, devem ser aprovadas pelas autoridades locais se forem esperadas mais de 10 pessoas. As poucas exceções incluem serviços religiosos, esportes ao ar livre e acampamentos de verão. Antes dos decretos estaduais, quase 70% dos prefeitos texanos programavam eventos para comemorar o 4 de Julho no sábado.

Profissionais de saúde transferem paciente de covid-19 para outra ala pelo lado de fora de hospital em Houston: número de pessoas internadas mais do que triplicou no Texas e muitos hospitais do estado já estão se aproximando da capacidade máxima (Mike Felix/AFP)
Profissionais de saúde transferem paciente de covid-19 para outra ala pelo lado de fora de hospital em Houston: número de pessoas internadas mais do que triplicou no Texas e muitos hospitais do estado já estão se aproximando da capacidade máxima (Mike Felix/AFP)

Na sexta-feira, o Texas, que não antecipou o feriado de 4 de julho, registrou ainda 50 novas mortes em 24h por covid-19, uma marca que não alcançava desde 20 de maio – o recorde diário é de 58 óbitos em 14 de maio. No total, o estado – terceiro em número de casos com mais de 180 mil – contabilizava nesta sexta um total de 2.616 vítimas fatais da covid-19.

O canyon do Arizona

Além da Flórida, apenas o Arizona recebeu a designação de “alto risco” na análise dos estados americanos feita semana passada pelo Global Health Institute (Instituto de Saúde Global) da conceituada Universidade de Harvard. Os pesquisadores analisam o número de novos casos nos últimos sete dias por 100 mil habitantes. Por essa métrica, o Arizona e a Flórida, estão sofrendo os piores surtos atuais, com 39,1 e 30,7 novos casos diários por 100 mil, respectivamente.

A buraco em que o estado do Grand Cayon se meteu durante a covid-19 não para de crescer. Dos 91.858 casos registrados pelo Arizona desde o início da pandemia em janeiro, 25.400 – 27,6% – ocorreram nos últimos sete dias. No primeiro dia de julho, o estado estabeleceu um novo recorde diário de casos (4.868 casos) e de mortes (88). Nesta sexta (3/7), o número de novos casos prosseguiu alto, com 4.433, mas o registro de óbitos – possivelmente por conta do feriado – fechou em 31.

Academia no Arizona: governador determinou fechamento mas estabelecimentos apelaram à Justiça para manter portas abertas (Foto: Christian Petersen/Getty Images/AFP)
Academia no Arizona: governador determinou fechamento mas estabelecimentos apelaram à Justiça para manter portas abertas (Foto: Christian Petersen/Getty Images/AFP)

Atualmente, 1.520 dos leitos de UTI do estado estão em uso – 91% de sua capacidade, de acordo com dados do governo do Arizona: 741 desses pacientes estão sendo tratados com o Covid-19. Apenas 156 leitos de UTI permanecem vazios – este é o menor número de leitos disponíveis que o estado já teve, desde o começo de março.

O Arizona começou a ver a contaminação disparar no fim de maio depois que o governador, o republicano Doug Duce, permitiu que seu decreto de permanência em casa expirasse em 15 de maio, deflagrando um plano de abertura acelerada. Nos últimos dias de junho, quase um em cada quatro testes de coronavírus feitos no Arizona teve resultado positivo, uma taxa muito superior a qualquer outro estado.

Com a pandemia fora de controle, o governador baixou nova ordem executiva determinando o fechamento de bares, academias, cinemas e parques aquáticos a partir de 29 de junho.  As academias de ginástica entraram na justiça para manter as portas abertas aos clientes, apesar da disparada de casos. No Arizona, já foram registradas 1.788 mortes desde o começo da pandemia.

Cá como lá

Na sexta-feira do Brasil, o país registrou 1.264 mortes pela covid-19 em 24 horas e passou da marca de 1,5 milhão de infectados, de acordo com levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias estaduais de Saúde nesta sexta-feira (3). Com isso, chega a 63.254 o número total de óbitos pela covid-19 no país no total. Foram 41. 988 novos casos da doença na sexta.

Quadro oficial da Covid-19 do Ministério da Saúde: casos acima de 40 mil e estados com recorde de óbitos (Agência Brasil)
Quadro oficial da Covid-19 do Ministério da Saúde: casos acima de 40 mil e estados com recorde de óbitos (Agência Brasil)

Nos três primeiros dias de julho, o Brasil registrou 3.598 mortes. Se mantiver essa média, o país chegará ao fim do mês com mais de 36 mil óbitos, mais do que os 30 mil de junho. Alguns estados registraram  recordes de vítimas fatais esta semana. No Nordeste, o Piauí contou 29 óbitos em 24h pela primeira na quinta-feira (2/7); o Rio Grande Norte alcançou o recorde de 73 na sexta (3/7); Sergipe chegou a 39 mortes também na sexta.

No Centro-Oeste, em marcha acelerada, Mato Grosso chegou ao recorde de 43 mortes na quinta; na sexta, foram mais 35. No mesmo dia, Mato Grosso estabeleceu sua nova marca máxima em 24h: 16 óbitos. Goiás bateu recorde de mortes pela terceira vez consecutiva na sexta-feira: foram 57 vítimas fatais no dia 3, superando as 46 da quinta e as 38 de quarta. Também foram registrados recordes de mortes em Minas Gerais e no Paraná nos primeiros dias de julho.

Frase do dia 4 de julho

“Fortalecer nossas mentes contra os ataques dessas calamidades e infortúnios deve ser um dos principais estudos e empreendimentos de nossas vidas”

Thomas Jefferson (1743 – 1826) – autor da Declaração de Independência e terceiro presidente dos Estados Unidos

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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