Diário da Covid-19: Brasil ultrapassa os 100 dias sem enxergar o pico da doença

Ruas do SAARA, no Centro do Rio, lotadas após o relaxamento da quarentena. Foto Dikran Junior/AGIF

Maioria dos países atravessou o ponto mais alto da curva de óbitos 40 a 50 dias depois do início da pandemia. Projeções apontam para 180 mil mortes

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 28 de junho de 2020 - 09:48 • Atualizada em 29 de junho de 2020 - 10:20

Ruas do SAARA, no Centro do Rio, lotadas após o relaxamento da quarentena. Foto Dikran Junior/AGIF

O Brasil é o país que tem demorado mais tempo para atingir o pico da curva epidemiológica de óbitos da pandemia. Hoje (28/06), completamos 102 dias desde a primeira morte pelo novo coronavírus, ocorrida no dia 17 de março em São Paulo, e os números indicam que ainda não chegamos no pico da média diária de vidas perdidas.

O gráfico abaixo, do jornal Financial Times, apresenta a média móvel de sete dias no número diário de mortes e o tempo transcorrido desde o início, quando se atingiu a média de 3 mortes, para os diversos países do mundo. Nota-se que no início do mês de junho o Brasil ultrapassou os Estados Unidos (EUA) em número diário de mortes e assumiu o primeiro lugar neste triste ranking.

A Itália, o Reino Unido e os EUA, por exemplo, atingiram o pico da curva de óbitos do Sars-CoV-2 em meados de abril, menos de 40 dias após o início da fase de subida do surto e, desde então, apresentam tendência de queda. Mas no caso brasileiro a curva se estabilizou em um alto platô nas últimas 5 semanas (em torno de 1 mil mortes diárias em média) e não apresenta tendência de redução. Portanto, o Brasil é, até aqui, o país que tem ido mais longe na curva de mortalidade sem ultrapassar o cume pelo qual passam todos os países que tiveram vítimas fatais da pandemia.

A Índia e o Peru estavam vindo logo atrás do Brasil, mas, na última semana, parece que já apresentam uma leve tendência de redução. O país mais próximo do padrão brasileiro é o México (com média de 750 mortes diárias), que já está há cerca de 90 dias do início do surto e, também, não ultrapassou o pico. A excepcionalidade brasileira é preocupante e, como veremos a seguir, no balanço da 26ª semana epidemiológica, o Brasil ainda está distante de conseguir o controle sobre a pandemia.

O panorama nacional

O Ministério da Saúde informou, no sábado (27/06), que o país chegou a 1.313.667 casos e 57.070 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 4,3%. Foram 38.693 novos casos e 1.109 mortes em 24 horas.

Para avaliar o ritmo da expansão da pandemia no território nacional, o gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no Brasil por semana epidemiológica (SE), começando pela 10ª SE (de 01 a 07 de março de 2020). No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03 (17 casos no total da semana, ou 38% ao dia). Até a 13ª SE (22 a 28/03) os números relativos ficaram acima de 30% ao dia. Porém, nas semanas seguintes os números absolutos foram crescendo ao mesmo tempo que a variação percentual foi diminuindo. No mês de março houve acréscimo de 5,7 mil casos, em abril foram 80 mil casos, em maio foram 429 mil casos e, somente nos primeiros 27 dias de junho foram 799 mil casos. A variação relativa foi de 3% ao dia na 26ª SE, o que significa mais de 30 mil novas pessoas infectadas todos os dias.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número absoluto de casos no Brasil, nas diversas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas passou de 397 casos na 13ª SE, para 3,130 pessoas na 17ª SE e mais do que decuplicou até a 25ª SE. Mesmo ultrapassando a cifra de 30 mil casos diários. Na 26ª SE (21 a 27/06) a variação absoluta deu um novo salto e atingiu 35.155 casos diários. Como sempre fazemos todos os domingos e para contribuir com as avaliações das tendências epidemiológicas, apresentamos uma projeção para a 27ª SE (de 28/06 a 04/07), com a estimava de 35,4 mil casos diários e aumento relativo de 2,5% ao dia.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de vidas perdidas nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE). O primeiro óbito pela Covid-19 no Brasil ocorreu no dia 17 de março e chegou a 18 óbitos no dia 21/03, o aumento foi de 18 casos em 5 dias, o que representou um crescimento diário de 78% na 12ª SE. Nas semanas seguintes, o número absoluto de óbitos foi subindo, mas o número relativo diminuiu e chegou a 1,9% ao dia na 26ª SE.

O Brasil chegará ao fim do primeiro semestre de 2020 com 6 dezenas de mil mortes, ficando no segundo lugar em número acumulado, mas mantendo o primeiro lugar no número diário de vítimas fatais. Como já mostramos em outros momentos, a tendência internacional é que o lado direito da curva seja duas vezes maior do que o lado esquerdo, assim se o Brasil teve 60 mil mortes no primeiro semestre, poderá chegar, no mínimo, a 180 mil mortes até o final do ano.

O gráfico abaixo mostra que o número de vítimas fatais foi de 13 óbitos ao dia na 13ª SE, passou para 46 óbitos na 14ª SE e se multiplicou por 20 vezes até a 21ª SE, com tristes 910 óbitos diários. Os números continuaram subindo até 1.014 óbitos na 23ª SE. Mas houve uma queda na 24ª SE (de 07 a 13/06) para 970 óbitos por dia. Porém, na 25ª SE o número de mortes voltou a subir e bateu o recorde de 1.037 óbitos. Uma nova pequena queda ocorreu na 26ª SE que apresentou 1.103 mortes diárias. Nossa projeção é que vai haver um pequeno aumento para 1.021 mortes diárias na 27ª SE (28 a 04/07).

O panorama global

O dia 27 de junho registrou a marca histórica de 10 milhões de casos e de 500 mil mortes. O recorde de casos diários aconteceu no dia 26/06 com 194 mil pessoas infectadas em 24 horas e no dia 24/06 houve o registro de quase 7 mil mortes. Na semana foram mais de 1 milhão de casos e 35 mil mortes. O gráfico abaixo mostra as variações absolutas e relativas, sendo que as percentagens estavam caindo rapidamente até a 20ª SE, mas diminuíram o ritmo e variaram apenas de 2,0% para 1,8% até a 26ª SE.

O gráfico abaixo mostra que o aumento absoluto do número de mortes foi muito grande passando de 3.050 óbitos no dia 01/03 para 500.626 no dia 27 de junho. Mas a variação relativa, que chegou ao máximo na 13ª SE (com 13,1% ao dia), diminuiu constantemente nas semanas seguintes até atingir 1% ao dia na 24ª SE. Contudo, na 25ª SE (de 14 a 20/06) houve uma reversão e a percentagem subiu ligeiramente. Na 26ª SE a percentagem voltou para 1% ao dia.

Todos os dados acima mostram que a pandemia continua avançando na 26ª SE, tanto no Brasil quanto no mundo. O gráfico abaixo mostra que o Brasil estava acelerando em relação ao mundo até a semana de 17 a 23 de maio (21ª SE) e depois passou a desacelerar. O número de casos brasileiros chegou a subir 3 vezes mais rápido do que os casos mundiais, mas na 25ª SE (14-20/06) esta diferença caiu para 1,8 vezes e na 26ª SE caiu para 1,7 vezes. Ou seja, o aumento do número de casos cresce a um ritmo 70% maior no Brasil do que na média mundial.

Da mesma forma, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro chegou abaixo de 1,5 vez o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença passou para mais de 3 vezes. Contudo, no mês de junho houve desaceleração do ritmo brasileiro e a diferença caiu de 3,5 para 2,5 vezes entre a velocidade brasileira e global na 24ª SE. Mas na semana retrasada (25ª SE) houve aumento do ritmo das mortes no mundo e a diferença caiu para 2 vezes entre o ritmo brasileiro e mundial. Na 26ª semana a diferença caiu para 1,9 vezes.

Os dados globais mostram que a pandemia continua avançando e que o pico do número diário de casos ainda não foi alcançado no mundo, porém o pico do número diário de mortes já foi ultrapassado em abril e, apesar das oscilações, existe uma tendência global de declínio do volume diário das mortes pela covid-19.

No Brasil, o número diário de novas pessoas infectadas cresce continuamente desde o início da pandemia e não há ainda, no horizonte, um limite para o aumento do número de casos. O número diário de mortes está aproximadamente estável nas últimas 5 semanas, em torno de 1 mil óbitos por dia. Como o número de casos tem aumentado muito nas últimas semanas pode ser que o número de mortes aumente logo em seguida.

O Brasil tem sido um caso excepcional no mundo, pois a grande maioria dos países atravessou o pico da curva de mortalidade 40 a 50 dias depois do início do surto. O Brasil já está há 102 dias depois da primeira morte e ainda não apresenta sinais claros de declínio consistente do número de óbitos.

Como o Brasil não controlou a pandemia vai ter que pagar um alto preço na economia. Em abril, o Fundo Monetário Internacional (FMI) havia previsto uma queda de 5,3% do PIB brasileiro em 2020. Mas agora em junho, em nova avaliação divulgada no dia 24/06, o FMI refez as contas para uma queda de 9,1% do PIB brasileiro. Isto significa que teremos a maior recessão da história nacional, desde que começaram as medições em 1900. E o mais grave, a década de 2011 a 2020 será não só uma década perdida, mas a década com o pior desempenho do crescimento do PIB e com a maior queda na renda per capita de todos os tempos. A atual década (2011-20) será a primeira a apresentar queda da renda total e a apresentar a maior redução da renda per capita. O brasileiro médio não só está mais pobre, como está voltando ao nível de renda per capita do ano de 2008.

A nação empobreceu e a economia ficou mais frágil e desequilibrada em termos macroeconômicos. O recente relatório do FMI também prevê um déficit fiscal de incríveis 16% do PIB, com uma dívida bruta alcançando 102,3% do PIB em 2020. Soma-se a isto o dado, divulgado pelo IBGE, de que, pela primeira vez na história, menos de 50% da população em idade economicamente ativa (PIA) está inserida no mercado de trabalho.

Portanto, a covid-19 agrava a situação econômica do Brasil e quanto mais tempo o país necessitar para colocar a pandemia sob controle, tanto maior será o preço a pagar na economia e na qualidade de vida da população na terceira década do terceiro milênio.

Frase do dia 28 de junho de 2020

“Uma das situações da vida mais cheia de esperanças é aquela em que estamos tão mal que já não poderíamos estar pior”

Thomas Mann (1875-1955)

Escritor alemão

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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