Diário da Covid-19: Brasil tem mais mortos em uma semana do que a Índia em toda a pandemia

O padre Lucas Mendes, usando uma máscara protetora, celebra a missa na igreja de Nossa Senhora das Dores, em Porto Alegre. Foto Sílvio Avila/AFP

Nos próximos 15 dias país vai ultrapassar a Itália, o Reino Unido e assumirá o segundo lugar em número de óbitos

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 31 de maio de 2020 - 10:54 • Atualizada em 19 de dezembro de 2021 - 11:56

O padre Lucas Mendes, usando uma máscara protetora, celebra a missa na igreja de Nossa Senhora das Dores, em Porto Alegre. Foto Sílvio Avila/AFP

O Brasil tinha tudo para evitar uma tragédia, mas está perdendo a batalha contra o coronavírus e sofreu vários reveses negativos na 22ª Semana Epidemiológica (24 a 30 de maio), pois  consolidou o segundo lugar isolado do ranking ao acrescentar 151.042 novas pessoas infectadas em 7 dias, número maior do que todos os casos do Irã (que já foi um dos epicentros da pandemia em fevereiro) e somente ontem, dia 30/05, teve 33.274 casos, mais do que todos os 25.773 casos acumulados pela Indonésia (que tem uma população de 273 milhões de habitantes).

Em número acumulado de óbitos, o Brasil passou a Espanha e a França na semana e deve ultrapassar a Itália até dia 06/06 e o Reino Unido até 15/06, assumindo também o segundo lugar no triste ranking global de mortes da covid-19. Ao acrescentar 6.821 falecimentos em 7 dias, superou todos os 5.185 óbitos da Índia (que tem uma população de 1,38 bilhão de habitantes) e, somente ontem (30/05), teve 956 óbitos, número superior a todas as 890 mortes da Colômbia.

Mas a despeito de todas essas lamentáveis cifras, o Ministério da Saúde, dirigido atualmente apenas por militares não especializados em ciências médicas, adotou uma peça de divulgação que eles chamam de “Placar da Vida”, onde destacam o número de pacientes recuperados e jogam para segundo plano o número de óbitos. O ministério também já havia trocado, anteriormente, o slogan “O Brasil não pode parar” por “Ninguém fica para trás”. Enquanto isso, o sistema de saúde não consegue aumentar o número de testes, milhões de pessoas não têm as suspeitas de infecção confirmadas, faltam leitos para os doentes graves, milhares de vidas já foram perdidas e muitas famílias sequer tiveram o direito de fazer um enterro decente de seus entes queridos.

Fiéis usando máscaras protetoras mantêm a distância social necessária durante a oração de sexta-feira do lado de fora da Mesquita Fatih, em Istambul. Foto Bulent Kilic/AFP
Fiéis usando máscaras protetoras mantêm a distância social necessária durante a oração de sexta-feira do lado de fora da Mesquita Fatih, em Istambul. Foto Bulent Kilic/AFP

O panorama nacional

Os números da pandemia do coronavírus no Brasil divulgados no sábado (30/05) indicam 498.440 casos e 28.834 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 5,8%. Foram impressionantes 33.274 novos casos e 956 vidas ceifadas em 24 horas. Em números diários, o Brasil está revezando o primeiro lugar como os Estados Unidos (que vive um momento de grandes protestos depois que um homem negro de 46 anos, George Floyd, ter sido morto após ter sido detido, algemado e imobilizado por um policial branco, na cidade americana de Minneapolis).

Para avaliar o ritmo da expansão da pandemia no território nacional, o gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no Brasil por semana epidemiológica (SE), segundo a definição do Ministério da Saúde que aponta a 10ª SE como a semana de 01 a 07 de março de 2020.

No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03. Foram apenas 17 casos, mas o aumento foi de 9,5 vezes (o que representa 37,9% ao dia). No dia 14/03 chegou a 121 casos, mas os 102 casos da 11ª SE significaram um aumento semanal de 6,4 vezes (ou 30,3% ao dia). Os dados disponíveis da penúltima semana (21ª SE), indicavam 347 mil casos e uma taxa de 5,9% ao dia. Na semana que passou (22ª SE) o número de casos chegou a praticamente meio milhão, com uma variação percentual diária de 5,3% ao dia, que é a menor taxa deste o início da pandemia, mas é uma taxa muito elevada para esta etapa epidemiológica e está muito acima da média mundial como veremos mais abaixo.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos no Brasil, nas diversas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas crescia em média ao ritmo de 397 pessoas infectadas ao dia na 13ª SE, mas passou para 2.267 pessoas na 17ª SE, e mais do que decuplicou na 22ª SE, com impressionantes 21,6 mil casos diários. Observa-se que enquanto cresciam os números absolutos, as taxas (números relativos), em geral, estavam caindo de 19,4% na 13ª SE para 5,3% na 22ª SE. Para contribuir com as avaliações e a orientação das políticas de saúde, fizemos uma estimativa (publicada no diário do dia 24/05) de que teríamos 20,7 mil casos diários na 22ª SE, com variação de 5,1% ao dia. Mas os dados abaixo mostram que erramos para menos pois o número observado foi de 21,6 mil casos, com taxa de 5,3% ao dia. A previsão para a próxima semana (31/05 a 06/06) é de 24,4 mil casos diários em média, com uma variação percentual de 4,3%.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de vidas perdidas nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE). O primeiro óbito pela Covid-19 no Brasil ocorreu no dia 17 de março e chegou a 18 óbitos no dia 21/03, o aumento foi de 18 casos em 5 dias, o que representou um crescimento diário de 78,3% na 12ª SE. Na semana seguinte, o número de óbitos chegou a 111 óbitos (ou 29,7% ao dia) na 13ª SE. Na semana retrasada (21ª SE) o número de óbitos chegou a 22 mil no dia 23/05, um crescimento de 5% ao dia. Na semana que passou o ritmo caiu para 4% ao dia, mas continua sendo uma taxa muito elevada na comparação internacional.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de mortes pela covid-19 no Brasil, nas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de vítimas fatais crescia em média de 13 óbitos ao dia na 13ª SE. Passou para 46 óbitos na 14ª SE e se multiplicou por 16 vezes até a 20ª SE, com tristes 715 óbitos diários. Observa-se que enquanto crescia os números absolutos, as taxas (números relativos) estavam, continuamente, caindo.

No domingo 24/05 apresentamos a estimativa que haveria 1.077 vidas perdidas, com taxa de 4,3% ao dia na 22ª SE. O resultado observado mostrou 976 vítimas fatais e 4% ao dia. Ou seja, erramos por excesso. Para contribuir com as avaliações da próxima semana, apresentamos a estimativa de 1.086 óbitos por dia na 22ª SE, com uma taxa de crescimento de 3,4% ao dia.

O panorama global

O dia 30 de maio terminou com 6,2 milhões de casos e 371 mil vidas ceifadas no mundo, com uma taxa de letalidade de 6%. As variações diárias dos casos bateram recorde na semana e ultrapassaram a casa dos 120 mil (estabelecendo novos picos na semana), mas a variação das vítimas fatais (abaixo de 5 mil) está diminuindo.

O gráfico abaixo mostra que no dia 01/03 havia de 88,6 mil e passou para 106 mil no dia 07/03, um aumento de 1,22 vezes (ou 2,9% ao dia), na 10ª semana epidemiológica (SE). Na semana seguinte (11ª SE), passou de 110 mil casos para 156,7 mil, um aumento de 1,48 vezes (ou 5,7% ao dia). Na 12ª SE a variação diária ficou em 10% e na 13ª SE atingiu a variação diária mais elevada 11,7% ao dia. Mas nas semanas seguintes, as variações passaram para 8,9%, 5,8%, 3,9%, 3,3%, 2,6%, 2,4%, 2,0% e 1,9% 21ª SE. Nitidamente, a curva estava se reduzindo e realmente chegou abaixo de 2% como havíamos previsto. Mas na 22ª SE a taxa se manteve em 1,9% ao dia, indicando uma estagnação preocupante.

O gráfico abaixo mostra que o ritmo de aumento das vidas extirpadas pela covid-19 foi mais acelerado do que o ritmo do aumento dos casos nos meses de março e abril. Na primeira semana de março (10ª SE), o número de óbitos passou de 3.050 no dia 01/03 para 3.599 no dia 07/03, um aumento de 1,21 vezes (ou 2,8% ao dia). Nas semanas seguintes o número absoluto de óbitos cresceu muito e a velocidade da pandemia também aumentou até a 13ª SE, quando o número de vítimas fatais passou de 14,6 mil óbitos no dia 22/03 para 30,9 mil mortes no dia 28/03, um aumento de 2,23 vezes ou 13,1% ao dia.

Nas semanas seguintes o número absoluto de óbitos continuou aumentando, mas com desaceleração do ritmo. Na última semana (22ª SE), o número de vidas eliminadas passou de 346,4 mil no dia 24/05 para 370,5 mil no dia 30/05 (um aumento de 1,1% ao dia). Assim, o ritmo de aumento dos óbitos  diminuiu mais rápido do que o ritmo dos casos e caminha para ficar abaixo de 1% ao dia.

Todos os dados acima mostram que a pandemia no Brasil cresce a um ritmo mais rápido do que o ritmo da média mundial. O gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo dos casos da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro estava crescendo um pouco abaixo de 2 vezes o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença passou a ser de 3 vezes e chegou à casa de quase 3,5 vezes na 21ª SE. Porém, na semana passada (24 a 30 de maio) a diferença voltou a cair, mas o número de casos no Brasil ainda cresce 3 vezes mais rápido do que na média mundial.

Na comparação dos óbitos, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro chegou abaixo de 1,5 vez o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença passou para mais de 3 vezes, evidenciando que existia um fosso entre o ritmo nacional e global. Na última semana (24 a 30 de maio) a diferença diminuiu um pouco, mas continua na casa de 3 vezes.

A pandemia continua avançando no Brasil, se espalhando por todo o território nacional. O país tem perdido a batalha para evitar a propagação comunitária generalizada do coronavírus. Já é praticamente impossível evitar o contágio amplo, geral e irrestrito. Como não houve prevenção, agora só nos resta remediar e minimizar os danos, em meio ao agravamento da crise econômica.

Na semana que passou, o Ministério do Trabalho divulgou os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) que indicaram uma perda de 1,1 milhão de vagas de emprego formal, somente nos meses de março e abril de 2020. Desde novembro de 2014 até abril de 2020, em 65 meses, o Brasil perdeu 3,4 milhões de empregos formais, sendo 50 mil por mês ou 1,7 mil postos de trabalho por dia.

Também o IBGE divulgou, na quinta-feira (28/05), os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. A taxa de desemprego no Brasil subiu para 12,6% no trimestre encerrado em abril, atingindo 12,8 milhões de pessoas, com um fechamento de quase 5 milhões de postos de trabalho formais e informais, em relação ao trimestre anterior. A taxa de subutilização da força de trabalho subiu para 25,6%, recorde da pesquisa que começou em 2012, sendo que população subutilizada atingiu 28,7 milhões de trabalhadores. A pandemia tem tido um impacto mortal no mercado de trabalho e está inviabilizando o possível aproveitamento do bônus demográfico brasileiro.

A crise sanitária e econômica se agrava e as condições de vida da maior parte da população brasileira está se deteriorando com muita rapidez, enquanto o governo central pouco faz para mudar esta situação. O copo da insatisfação popular já está cheio e qualquer fato inesperado pode ser a gota d’água da explosão social. O Brasil, que tem seguido os mesmos passos da pandemia nos EUA, pode também estar seguindo os passos do pandemônio econômico. Infelizmente, também aqui, não está descartada eclosão de um caos político e social.

Frase do dia 31 de maio de 2020

“Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens”

Manoel de Barros (1916-2014)

Poeta mato-grossense

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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