Resíduo da erva-mate combate praga do arroz

Pesquisa da UFRGS aponta que, quando submetidos a extrato produzido com o fruto da erva-mate, 100% dos caramujos morrem em até 48 horas

Por Cibele Carneiro | ODS 2ODS 4 • Publicada em 2 de agosto de 2019 - 08:00 • Atualizada em 5 de agosto de 2019 - 18:40

O pesquisador Fabiano Brito no Laboratório de Ecotoxicologia e Mutagênese Ambiental: extrato de fruto da erva-mate mata caramujo que ataca arroz (Foto: Cibele Carneiro)
O pesquisador Fabiano Brito no Laboratório de Ecotoxicologia e Mutagênese Ambiental: extrato de fruto da erva-mate mata caramujo que ataca arroz (Foto: Cibele Carneiro)

O Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz do Brasil. Na safra de 2017/2018, foram colhidas 8,4 milhões de toneladas no Estado, quase 70% da produção nacional. Desde a década de 1990, porém, os arrozeiros que trabalham principalmente com arroz pré-germinado lutam contra o caramujo Pomacea canaliculata, uma praga nativa da Região Sul que devora plantações no Brasil e na Ásia. Sem produtos químicos eficientes para combater o problema, arrozeiros brasileiros testam diversas técnicas, como o uso de gaviões, marrecos, cal e até óleo de soja, para buscar conter o molusco.  Quatro caramujos conseguem consumir, em apenas um dia, 100% do arroz plantado em um metro quadrado. Segundo o Instituto Riograndense do Arroz (Irga), a praga atinge cerca de 8% do arroz plantado no Estado – algo em torno de 80 mil hectares – e, em alguns casos, é preciso refazer toda a semeadura.

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Os gaúchos também listam entre os maiores produtores de erva-mate do país e são, sem dúvida, os maiores consumidores: anualmente, o o Rio Grande do Sul consome cerca de 65 mil toneladas de chimarrão (65% do total brasileiro). Os agricultores, porém, não sabem o que fazer com os frutos da erva-mate, que dão um gosto ruim para o chimarrão e não são aproveitados. A maioria das ervateiras evita a colheita das folhas nas épocas de frutificação e, algumas, retiram os frutos manualmente para depois colher as folhas. Com essas informações, o estudante de biologia Fabiano Brito, ainda na graduação, se fez a seguinte pergunta: e se fosse possível combater o caramujo do arroz com o resíduo da erva-mate? A resposta chegou anos mais tarde: era possível. Brito descobriu que 100% dos caramujos morrem em até 48 horas quando submetidos ao extrato produzido com fruto de erva-mate, planta-símbolo do Rio Grande do Sul.

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Após a hipótese ter sido levantada, já em 2012, no seu Trabalho de Conclusão de Curso, ela acabou aceita, no ano seguinte, como tese de mestrado em uma composição inusitada: Brito dividia a pesquisa entre o Laboratório de Fisiologia Animal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e o Laboratório de Farmacognosia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Este processo entre as universidades foi muito amigável. Conseguimos colher os extratos dos frutos de erva-mate na UFRGS e aplicar no molusco, na PUC. Tivemos um resultado muito bom, pois descobrimos que o extrato é tóxico para os caramujos. Este resultado foi publicado na revista Natural Products Research e patenteado pela PUC”, lembra Brito.

Há muita coisa a ser estudada com relação à erva-mate e eu gostaria muito de continuar minha pesquisa. Mas infelizmente as vagas de pós-doc reduziram bastante com os cortes que estão sendo promovidos pelo governo federal. Estão liberando agrotóxicos já barrados em outros países, com formulações antigas e cancerígenas, que afetam a flora e a fauna. Por outro lado, estão reduzindo recursos para pesquisa. Tomara que a gente consiga reverter isso

A patente, porém, não atraiu interessados em patrocínio e acabou arquivada. A falta de interesse externo não desmotivou Brito, que conquistou uma bolsa de doutorado na UFRGS, em 2016, para aprofundar a pesquisa. Sob a orientação da professora Vera Ferrão Vargas, especialista em riscos ambientais, Brito ampliou os testes no Laboratório de Ecotoxicologia e Mutagênese Ambiental, com o apoio da Embrapa Florestas de Colombo, no Paraná, que forneceu material de erva-mate para ser estudado. Além de testar o extrato nos caramujos, Brito também descobriu que o produto não provoca câncer em humanos e que o efeito tóxico sobre peixes ocorre apenas entre 72 horas e 96 horas de exposição.

Fabiano Brito com a orientadora Vera Ferrão Vargas na UFRGS: pesquisa para aprofundar as propriedades do resíduo da erva-mate (Foto: Cibele Carneiro)
Fabiano Brito com a orientadora Vera Ferrão Vargas na UFRGS: pesquisa para aprofundar as propriedades do resíduo da erva-mate (Foto: Cibele Carneiro)

Apesar de a literatura científica apontar que os compostos dos frutos de erva-mate não são tóxicos para aves e mamíferos, a professora Vera destaca que o caminho ainda é longo até que se tenha certeza de que o extrato não afeta outros organismos e que se chegue, quem sabe, a um produto com tempo de ação específico para o caramujo. “A resposta de que uma determinada seleção que fizemos é mais sensível ao caramujo do que ao peixe é promissora. Mas ainda estamos numa fase inicial e precisamos identificar e tentar isolar o tipo de composto que está dando esta resposta positiva para se avançar”, explica a orientadora.

Brito, que irá defender a tese em março de 2020 e trabalha para publicar os resultados em outra revista científica, não esconde seu desejo de continuar a pesquisa numa vaga de pós-doutorado. “Há muita coisa a ser estudada com relação à erva-mate e eu gostaria muito de continuar minha pesquisa. Mas infelizmente as vagas de pós-doc reduziram bastante com os cortes que estão sendo promovidos pelo governo federal. Estão liberando agrotóxicos já barrados em outros países, com formulações antigas e cancerígenas, que afetam a flora e a fauna. Por outro lado, estão reduzindo recursos para pesquisa. Tomara que a gente consiga reverter isso”, afirma o pesquisador.

77/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância  das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil

 

Cibele Carneiro

Cibele Carneiro é jornalista, professora de yoga e feminista. Gosta de se envolver com temas ligados à sustentabilidade

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