Vai-Vai sob ataque após desfile denunciando violência policial e sistema carcerário

Ala da Vai-Vai com críticas à violência policial: organizações e políticos ligados às forças de segurança querem punir tradicional escola de samba de São Paulo (Foto: Felipe Alves / Liga-SP)

Organizações e políticos ligados às forças de segurança criticam escola de samba de São Paulo enquanto periferia escancara brutalidade da Operação Escudo

Por Guilherme Silva | ODS 16 • Publicada em 16 de fevereiro de 2024 - 21:09 • Atualizada em 21 de fevereiro de 2024 - 09:50

Ala da Vai-Vai com críticas à violência policial: organizações e políticos ligados às forças de segurança querem punir tradicional escola de samba de São Paulo (Foto: Felipe Alves / Liga-SP)

A escola de samba Vai-Vai, maior campeã do Carnaval de São Paulo, enfrenta onda de ataques e pedidos de punição após seu desfile na noite de sábado (10/02), com uma ala da escola, com a tropa de choque da Polícia Militar fantasiada como demônios. O enredo do Carnaval 2024 Vai-Vai – “Capítulo 4, Versículo 3 – da Rua e do Povo, o Hip Hop: um Manifesto Paulistano” – era uma uma homenagem aos 50 anos do hip hop e ao grupo de rap Racionais MC’s.

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A ala representava a música “Diário de um Detento”, que narra a realidade brutal do sistema carcerário e a violência policial contra a população negra, gerou reações indignadas de entidades e políticos ligados às forças de segurança. “Ao adotar tal enredo, a escola de samba, em nome do que chama de ‘arte’ e de liberdade de expressão, afronta as forças de segurança pública”, afirmou, em nota, o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp). A Associação dos Oficiais Militares da Polícia Militar do Estado de São Paulo (AOMESP) também repudiou o desfile da Vai-Vai, no que foi seguida por associações de policiais militares de outros estados, como Paraíba, Alagoas e Sergipe.

O deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) e a deputada estadual Dani Alonso (PL-SP), ligados à direita bolsonarista, chegaram a pedir o corte de verbas públicas da Vai-Vai. Em ofício ao governador Tarcísio de Freitas e ao prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, solicitam que a Vai-Vai não receba recursos públicos para o Carnaval do próximo ano. “Tal atitude não somente desrespeita a honra e a dignidade dos profissionais que dedicam suas vidas à proteção da sociedade, mas também contribui para a propagação de uma imagem negativa das forças de segurança, em um momento em que se faz mais necessário do que nunca o reconhecimento e o apoio ao seu trabalho”.

O prefeito de São Paulo decidiu enviar o ofício à Liga das Escolas de Sampa, pois administração municipal não tem contrato direto com as escolas de samba, e sim com a entidade que representa as agremiações e organiza os desfiles do Carnaval no Sambódromo. O governador Tarcísio de Freitas declarou ter achado “de péssimo gosto” o desfile da ala. “Se eu fosse jurado, daria nota zero no quesito fantasia”, afirmou o governador, ministro no governo Bolsonaro.

Existimos. Resistimos. E seguimos fazendo carnaval!”

A Vai-Vai se defendeu dos ataques, afirmando que a ala dos policiais como demônios era uma crítica à violência policial e não à corporação como um todo. “É de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundos, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época”, afirmou a escola de samba em nota pública, lembrando que o enredo foi elogiado por entidades do movimento negro e do hip hop.

Apesar de evitar a polêmica, a Vai-Vai não fugiu do tema. “Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica”, afirma a escola, destacando que “racismo, miséria e desigualdade social foram expostos como uma grande ferida aberta, vide Diário de um Detento, inspirada na grande chacina do Carandiru”. A Vai-Vai garante que não ter a intenção de promover qualquer tipo de provocação mas defende seu enredo e seu desfile. “Existimos. Resistimos. E seguimos fazendo carnaval!”, conclui a nota.

O rapper Mano Brown, líder dos Racionais MC’s, não comentou diretamente o assunto, mas, em suas redes sociais, comentou o desfile da Vai-Vai, ressaltando a importância de “manter no grupo de elite uma entidade que representa um povo, uma raça, história viva do Brasil, como o quilombo da Saracura” – a Vai-Vai – rebaixada em 2022 e campeã do Grupo de Acesso em 2023 – ficou em oitavo lugar em 2024 e desfilará novamente no grupo especial em 2025.

Paulo Galo, líder dos entregadores antifascistas, homenageado da ala em referência ao caso do incêndio a estátua do bandeirante Borba Gato em São Paulo, comentou em seu Instagram: “Foi um desfile polêmico assim como aqueles que Joãozinho 30 fazia. Carnaval que não toca nas feridas sociais é só purpurina por purpurina e a quarta-feira sempre chega e muitas vezes se perde para ganhar, é o jogo”.

Operação Escudo e seu rastro de mortes

A polêmica em torno do desfile da Vai-Vai acontece em um momento delicado para a Polícia Militar de São Paulo. A corporação está sob forte crítica pela recente Operação Escudo, que recebe denúncias diárias nas redes sociais por parte dos moradores das comunidades em alvo.

Em vídeo publicado nas redes sociais na Quarta-Feira de Cinzas, moradores da comunidade de Caminhos e São José, na Baixada Santista, denunciam o momento em que um homem baleado aguarda no chão por socorro, sem ajuda dos policiais. Na postagem, os moradores protestam: “E a opressão da PM de (Guilherme) Derrite (Secretário Estadual de Segurança Pública de São Paulo) contra as comunidades prossegue. Hoje, mais um morto em incursão policial. A PM dificultando o acionamento de ambulância para socorrer outro baleado”, e denunciam um corte de luz na região por parte dos agentes de segurança.

Nesta sexta (16/02), a Defensoria Pública de São Paulo, a ONG Conecta Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog pediram atuação da Organização das Nações Unidos (ONU) e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contra a Operação Escudo. Desde o início do ano, o governo de São Paulo tem lançado ações de reação à morte de policiais, especialmente na Baixada Santista, onde, em julho do ano passado, operação especial com o mesmo nome, provocou 28 mortes. Agora, me 2024, ao menos 26 pessoas já foram mortas pela PM na Baixada Santista somente em fevereiro.

Guilherme Silva

Jornalista formado pela Universidade Nove de Julho. Atualmente integra o time de repórteres correspondentes da Agência Mural de Jornalismo das Periferias e foi estagiário no Canal Reload. Nascido e criado nas periferias da Zona Sul de São Paulo, é apaixonado por comunicação, histórias e explorar a cidade de bicicleta.

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