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Tiros na Avenida Brasil: no Rio, voltar para casa é um luxo

Estudo mostra que 98% das operações policiais são ineficientes ou desastrosas; a do Complexo de Israel foi também trágica

ODS 16 • Publicada em 25 de outubro de 2024 - 09:49 • Atualizada em 28 de outubro de 2024 - 10:08

Eles sabiam que sairiam de casa, só não esperavam que algo no meio do caminho pudesse mudar a rota dos fatos: uma megaoperação policiai, com foco em ‘desmantelar’ o tráfico de drogas e reprimir o roubo de cargas e veículos no Complexo de Israel, área sob domínio de traficantes em Parada de Lucas, Cidade Alta, Vigário Geral, Cinco Bocas e Pica-pau, além de outras três comunidades. Na previsível reação, tiros voando na Avenida Brasil, a via expressa mais importante da cidade.

Leu essa? Quem vai defender a Israel aqui do Rio de Janeiro?

Renato de Oliveira, por exemplo, levava na mochila, refrigerante e mortadela para compartilhar no trabalho. Era dia de animação, já que haveria café da manhã dos amigos. Sua contribuição não chegou à mesa, mas sim, a notícia de que havia levado um tiro que destruiu sua cabeça durante o tiroteio, bem de dentro da linha 493, Central X Ponto Chic, enquanto ia na direção do frigorífico onde batia ponto,

Policiais se protegem dos tiros na Avenida Brasil parada: três trabalhadores mortos na principal via expressa do Rio (Foto: Reprodução / TV Globo)
Policiais se protegem dos tiros na Avenida Brasil parada: três trabalhadores mortos na principal via expressa do Rio (Foto: Reprodução / TV Globo)

Paulo Roberto de Souza, era motorista de aplicativo e Geneilson Eustáquio Ribeiro, motorista de caminhão que trabalhava para a…Secretaria Municipal de Educação.

Foram três vítimas fatais e poderiam ser mais. “A gente não sabe se volta pra casa, nossa vida é assim, um piscar de olhos. E agora? Quem vai sustentar essa família?”, perguntava aos prantos Adonias dos Santos, amigo de Renato, na frente do hospital.

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Assim, só o Rio de Janeiro desponta num ranking em que sair pro trabalho e não voltar pela possibilidade de ser morto numa operação é modus operandi de vida, uma quase-certeza de 50%. Quem parte, mal sabe os motivos; quem fica, se pergunta: quando serei eu?

Inúmeras são as cenas de moradores abaixando-se para proteção, sem saber se a tal da ‘bala perdida’ poderia encontrá-los. Perigo tanto para quem estava na via, quanto para quem era morador de uma dessas favelas.

O estado ficou mais de um ano sem secretário de segurança pública, pela inanição do governador Cláudio Castro, que achava desnecessário. Quando foi a ocupada, a cadeira tratou de operar o espetáculo. Se o desejo era pôr fim às práticas ilícitas, deu de cara na parede: na operação contra os criminosos do Complexo de Israel que parou a Avenida Brasil, a Polícia Militar só apreendeu apenas três granadas.

Claudio Castro com seus três secretários da área de segurança: governador viu reação "desproporcional" dos criminosos (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)
Claudio Castro com seus três secretários da área de segurança: governador viu reação “desproporcional” dos criminosos (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

Segundo a porta-voz da corporação, a PM não esperava que os criminosos da área com conjuntos habitacionais e favelas – hoje considerada a mais perigosa do Rio e uma caixa de pandora – revidassem com um tiroteio intenso. O governador Claudio Castro disse que a reação do bando do Complexo de Israel foi “desproporcional” – o mesmo adjetivo usado quando milicianos incendiaram 35 ônibus pela cidade em outubro de 2023.

Dados do Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense) revelam que apenas 1,4% das 22.198 operações policiais no Rio de Janeiro (2007-2024) foram consideradas eficientes nos últimos 18 anos, com a maioria sendo classificada como ‘ineficiente’ ou ‘desastrosa’, segundo aponta o repórter Luís Adorno, no UOL. A desta quinta-feira, com pessoas morrendo com a cabeça explodida, seria classificada como?

Renato, Paulo e Genilson. Três nomes, três vidas ceifadas pela violência que assola o Rio de Janeiro. Três famílias destruídas e com sonhos interrompidos, justamente na avenida que leva o nome de Brasil. De acordo com levantamento feito pelo Instituto Fogo Cruzado, nos últimos oito anos, ao menos 1.528 tiroteios foram mapeados no entorno da Avenida Brasil. Somente em 2024, foram registrados 61 tiroteios nos arredores da principal via expressa da cidade do Rio de Janeiro, que liga a região central da cidade à Zona Oeste, cortando boa parte da Zona Norte.

Que você que me lê e mora no Rio, consiga voltar pra casa.

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Um comentário em “Tiros na Avenida Brasil: no Rio, voltar para casa é um luxo

  1. Renan disse:

    nesse dia, eu estava na AV. Brasil dentro do BRT indo pro trabalho, meu ônibus parou em cima do viaduto de Parada de Lucas porque o trânsito estava todo parado, não se sabia direito o que estava havendo, só escutamos muitos, muitos tiros de uma vez só, as pessoas se jogaram desesperadas no chão, muitos gritos, pedidos pro motorista andar, abrir as portas. Eu consegui sair pela porta da frente e me esgueirar entre a muleta que divide a pista e o ônibus, uma sensação horrível, só pensava na minha esposa e filha na hora, sensação de estar em um filme de terror

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