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Coluna | E quem nos protege do discurso de ódio estampado no outdoor?

Um outdoor fruto do fundamentalismo religioso entre uma escola e uma igreja não tem nada de polêmico. É criminoso. Quem protege crianças e adolescentes disso? Dica: é o alvo do painel.

ODS 16 • Publicada em 13 de julho de 2022 - 23:10 • Atualizada em 18 de julho de 2022 - 09:30

Releitura de outdoor com discurso de ódio exposto em igreja do Espírito Santo (Arte: Dan Torres)

O tom da estreia da coluna seria diferente. Mas um outdoor mudou completamente o que eu havia pensado de início. Eu gostaria de chamar de um simples outdoor. Só que por trás dele e o que vem por causa dele, é muito mais obscuro. 

Vamos aos fatos: a igreja batista Pibara, considerada a primeira em Aracruz, norte do Espírito Santo, expôs um outdoor em frente às suas instalações. Nele, a ilustração de uma família – composta por um homem, uma mulher e duas crianças – debaixo de um guarda-chuva, que representa a bíblia sagrada. A intenção é mostrar que o grupo está protegido do ativismo LGBT+. A bandeira do arco-íris, símbolo da comunidade, está por cima, escorrendo sangue. Ao lado, a frase: “A bíblia é a única proteção contra o ativismo LGBTQIA+”.

O conteúdo do painel é na verdade uma adaptação da imagem instalada no Centro Islâmico Al Hedaya, em Bahrein, pequeno país do Oriente Médio. A peça foi fixada em junho em uma campanha contra o mês do Orgulho LGBT+. Não vou reproduzir nenhuma das imagens aqui justamente para não propagar ainda mais o conteúdo. Por isso, a arte de Dan Torres que ilustra essa coluna faz uma releitura em resposta. 

O ativismo LGBT+ serve, inclusive, para salvar o futuro dessas pessoas. Já que muitos líderes religiosos não conseguem – ou não querem – ouvir as preces nem sempre silenciosas de quem está implorando por aceitação e o mínimo de amor ao próximo.

Yuri Fernandes
Jornalista

No mesmo endereço onde o outdoor foi colocado no Espírito Santo, também funciona um colégio particular, que faz parte da instituição religiosa. Ele recebe crianças do maternal ao Ensino Fundamental. 

Se a escola já é por si só um dos piores lugares de violência contra crianças e adolescentes LGBT+, não é preciso nem falar sobre o impacto que uma mensagem dessa pode trazer.

Ou melhor, é preciso sim. 

Um estudo conduzido por uma das maiores organizações de pesquisa sobre saúde mental no mundo, o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH), nos Estados Unidos, mostrou que o risco de suicídio é de três a seis vezes maior para lésbicas, gays e pessoas adultas bissexuais do que para pessoas adultas heterossexuais, em todas as faixas etárias e categorias de raça/etnia.

Estresses sofridos de forma crônica por minorias – como uma vida inteira de rejeição, estigma e violência – contribui para maiores riscos na saúde física e mental destas populações em relação ao restante. Por isso a maior chance de pessoas LGBT+ sofrerem com ansiedade, depressão e também do uso abusivo de álcool e drogas. Agora, pergunto:

Quem está protegendo essas crianças e adolescentes?
Quem protege a criança que está nessa escola ou igreja ajoelhada orando por achar que está errada por ser quem é?
Quem protege o adolescente que passa pela rua ou recebe essa imagem pela redes sociais e se sente uma abominação?

O ativismo LGBT+ serve, inclusive, para salvar o futuro dessas pessoas. Já que muitos líderes religiosos não conseguem – ou não querem – ouvir as preces nem sempre silenciosas de quem está implorando por aceitação e o mínimo de amor ao próximo.

Fatos lamentáveis como este sempre me levam à célebre cena do filme “Orações para Bobby”, de 2009, baseado em fatos reais. “Antes de ecoar amém na sua casa e no lugar de adoração, pensem. Pensem e lembrem-se. Uma criança está ouvindo”, disse a norte-americana Mary Griffith em uma reunião do conselho municipal sobre a celebração de um dia para o orgulho gay – como era chamado na época. (Veja no vídeo abaixo).

Ela tentou “curar” o filho homossexual por meio das teorias bíblicas e da religião. Porém, arrependeu-se após ele pular de um viaduto e morrer, aos 20 anos, em 1983.

Arrependimento não veremos da Igreja Pibara. A instituição parece se beneficiar da repercussão. Sites religiosos de notícias colocam a igreja como vítima e afirmam que ela está sofrendo ataques. Nas redes oficiais, os administradores compartilham mensagens em apoio, ancoradas na “liberdade de expressão”. A ação recebeu parabéns de um dos filhos do presidente. Nada novo. 

O pastor da Igreja, Luciano Estevam, afirmou que não é contra os homoafetivos. E, sim, contra o ativismo. Nada novo, de novo. Dos mesmo criadores de: não temos nada contra você, mas o seu amor te levará para o inferno. 

Os incitadores de ódio nunca têm culpa. Pelo contrário, têm sempre boas intenções. A pergunta que fica é: até quando vamos tratar como polêmica o que é crime?

Yuri Fernandes
Jornalista

Enquanto pregam contra o ativismo, morre Rosinaldo Rodrigues, fundador da Associação Garotos da Noite (AGN), em Manaus. Morre o jovem professor Lindolfo Kosmaski, de 25 anos, no Paraná. Morre Marielle Franco. Todos os corpos assassinados. 

Mas os incitadores de ódio nunca têm culpa. Pelo contrário, têm sempre boas intenções. O aniversário de 50 anos interrompido nada tem a ver com o ‘vamos fuzilar’.

A pergunta que fica é: até quando vamos tratar como polêmica o que é crime? 

Em tempo: para contribuir com a igreja em questão é possível usar cartão, boleto ou pix. A mensagem afirma que a ajuda é um ato voluntário, “uma decisão de amor pela obra de Deus e pelas vidas que podem ser abençoadas por meio de nossas ações e projetos”. Em uma só frase: amor, Deus e vidas.

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3 comentários “Coluna | E quem nos protege do discurso de ódio estampado no outdoor?

  1. Marcos Fontoura disse:

    Ótima matéria. A referência ao filme “Orações para Bobby” mostra o quanto ao Brasil vem copiando o que há de pior na cultura dos Estados Unidos. Melhor seria se o Brasil se transformasse em “imenso Portugal” como cantou Chico Buarque.

  2. Observador disse:

    Há uns dois domingos, Igreja Católica, num bairro em que há muitas mães solteiras e gays, uma criança de uns 3 ou 4 anos, segurando um leque cor de arcoiris, aonde algumas senhoras já a observaram! Ontem me chamou atenção do casal não ter ficado junto, mas presumo, porque no “primeiro domingo” o pai da criança, que ficou dando atenção a ela e, ontem, teria sido a vez “acordada” com a mãe, de apoio a adversidade, isso se, numa sociedade patriarcal, ele não tiver ouvido o discurso machista de sendo pai e marido, antigamente chamado de varão, Não devesse se expor, razão presumo, de em cada domingo, um deles defendeu, digamos assim, a causa! Mas deu de perceber, dele mais convicto da possivel Bissexualidade, já que ontem, a criança ficou a metade da missa, com a mãe e a outra metade do tempo, com o pai que estava, junto de outros amigos do casal!

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