ODS 1
Um milhão de espécies existentes na Terra estão ameaçadas de extinção
No Dia Mundial pelo Fim do Especismo, é preciso refletir sobre as causas que estão nos levando, aceleradamente, à 6ª extinção em massa da história
“A mentira é o único privilégio do ser humano sobre todos os outros animais”
Fiódor Dostoiévski (1821-1881)
O Dia Mundial pelo Fim do Especismo, que ocorre pela nona vez, será realizado no dia 26 de agosto de 2023, sendo um evento importante para debater e conscientizar as pessoas sobre o sofrimento animal e a necessidade de tratamento igualitário de todos os seres vivos, independentemente de sua espécie. Essa data também tem como objetivo promover a reflexão sobre as práticas antrópicas que estão provocando a 6ª extinção em massa das espécies. Antes de seguir adiante, vale explicar que especismo é um termo que se refere ao processo de discriminação ou tratamento desigual de seres vivos com base na sua espécie. Especismo é um fenômeno análogo ao racismo, ao sexismo, ao etarismo, à homofobia e à xenofobia que envolvem, respectivamente, discriminação com base na raça, gênero, geração, orientação sexual e aversão ao estrangeiro.
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No contexto do especismo, os seres humanos frequentemente dão tratamento preferencial aos membros da sua própria espécie em detrimento de outras espécies, muitas vezes justificando essa preferência com base em características arbitrariamente escolhidas, como a capacidade de raciocínio complexo e a autoconsciência. Essa discriminação pode ser observada em várias áreas, como a exploração e consumo de animais para alimentação, entretenimento, pesquisa científica, vestuário e outras finalidades. O especismo levanta questões éticas sobre a maneira como os seres humanos tratam os outros seres sencientes e sobre se é justo ou justificável dar preferência aos interesses humanos em detrimento dos interesses de outras espécies.
Defensores dos direitos dos animais e filósofos éticos frequentemente questionam a justificação do especismo, argumentando que os critérios frequentemente utilizados para legitimar o tratamento diferenciado entre espécies não são consistentes e, geralmente, são aplicados de maneira injusta. O antiespecismo visa promover uma consideração mais igualitária e compassiva de todas as formas de vida sencientes. O egoísmo humano e o especismo têm levado à 6ª extinção em massa das espécies, que decorre da perda acelerada e significativa da biodiversidade da Terra. É considerada a 6ª grande extinção em massa na história do planeta, com base em registros fósseis e na análise de evidências geológicas. O que a torna única é que está sendo causada principalmente pelas atividades humanas.
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Veja o que já enviamosA extinção em massa é definida como um evento em que uma proporção substancial das espécies existentes em um determinado período desaparece em um curto período geológico. As cinco extinções em massa anteriores ocorreram ao longo de centenas de milhões de anos, muitas vezes associadas a eventos catastróficos, como impactos de asteroides, atividade vulcânica em larga escala e mudanças climáticas extremas.
No entanto, a sexta extinção é impulsionada principalmente por fatores antropogênicos, ou seja, causados pelas atividades humanas, incluindo:
- Destruição do Habitat: a conversão de florestas em áreas agrícolas, urbanização desenfreada e destruição de ecossistemas naturais têm levado à perda de habitats vitais para muitas espécies.
- Mudanças Climáticas: as emissões de gases de efeito estufa resultantes da queima de combustíveis fósseis estão causando um aumento nas temperaturas globais, afetando os padrões climáticos, gerando eventos meteorológicos extremos, o que aumenta a incidência de incêndios florestais e ameaça as espécies que não conseguem se adaptar rapidamente o suficiente.
- Poluição: a poluição do ar, água e solo, bem como a disseminação de poluentes químicos, estão afetando negativamente a saúde e a sobrevivência de várias espécies.
- Espécies Invasoras: a introdução de espécies não nativas em ecossistemas pode desencadear competição por recursos e predação, levando à diminuição das populações de espécies nativas.
- Acidificação dos Oceanos: a absorção de CO2 pelos oceanos leva à acidificação da água do mar, o que afeta negativamente os organismos marinhos que dependem de conchas e esqueletos de carbonato de cálcio para sua estrutura. Isso inclui moluscos, corais, ouriços-do-mar e outros organismos, que podem ter dificuldades em construir e manter suas estruturas em águas mais ácidas. Toda a vida marinha está ameaçada pelo aquecimento global.
- Exploração Excessiva: a caça excessiva, a pesca insustentável e a exploração de recursos naturais estão esgotando populações de animais e plantas em todo o mundo.
A perda de espécies e a sexta extinção tem consequências danosas para os ecossistemas e para a própria humanidade, pois a biodiversidade desempenha papel fundamental na polinização de culturas agrícolas, na purificação da água e do ar, na regulação do clima e em muitos outros serviços ecossistêmicos que sustentam a vida no planeta. O gráfico abaixo (Ron Patterson, 05/07/2014) mostra que há 10.000 anos, os humanos e seus animais representavam cerca de um décimo de um por cento da biomassa de vertebrados da terra e do ar. Ou seja, as espécies “selvagens” (não-humanas) constituíam 99,9% da vida da Terra e, agora, elas são apenas 3%, enquanto o ser humano e seus animais domesticados se espalham por 97% das áreas habitáveis do Planeta.
O Relatório Planeta Vivo 2022, do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), confirma não apenas a existência da 6ª extinção em massa das espécies, mas também indica que o ritmo de redução da biodiversidade está se acelerando. O Índice Planeta Vivo (IPV) rastreia a abundância de populações de mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios em todo o mundo. Em 2022, o Índice incluiu quase 32.000 populações de espécies, 11.000 a mais que em 2020 – o maior aumento em número de populações entre duas edições deste relatório. Essas populações, ou tendências de abundância relativa, são importantes porque fornecem uma imagem instantânea das mudanças em um ecossistema. Essencialmente, os declínios na abundância são indicadores precoces de alerta da saúde geral do ecossistema.
O gráfico abaixo mostra que o IPV global de 2022 apresenta um declínio médio de 69% nas populações monitoradas entre 1970 e 2018. Ou seja, enquanto a população mundial passou de 3,7 bilhões de habitantes em 1970 para 7,7 bilhões de habitantes em 2018 (um aumento de 108%), as demais espécies da Terra tiveram uma redução em mais de 2/3 (dois terços).
O Objetivo 15 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) diz: “Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade”. O relatório “Avaliação Global sobre Biodiversidade e Ecossistemas” (2018), elaborado durante três anos por 145 especialistas de 50 países, com a colaboração de outros 310 cientistas, mostra que um milhão das oito milhões de espécies animais e vegetais existentes na Terra estão ameaçadas de extinção e podem desaparecer em questão de décadas se medidas efetivas, urgentes e decisivas não forem tomadas.
Segundo a Plataforma Intergovernamental Sobre a Biodiversidade e os Serviços Ecossistêmicos (IPBES), está em curso um “declínio sem precedentes” da biodiversidade e seu impacto não será só ambiental. Este declínio também ameaça boa parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável fixados pelas Nações Unidas e, obviamente, a economia global. Maltratar a natureza significa frear a luta contra a pobreza, contra a fome e por uma melhor saúde do ser humano. O processo contínuo de crescimento da produção e consumo de bens e serviços tem provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado um ecocídio da vida selvagem. Portanto, o especismo leva ao ecocídio, que é uma nova tipificação de crime contra a vida no planeta.
O ecocídio refere-se à destruição significativa, extensa e deliberada de ecossistemas naturais, seja por ação humana direta ou por negligência, resultando em danos irreversíveis à biodiversidade e aos sistemas naturais. É um termo que destaca a gravidade das consequências ambientais resultantes de ações que causam danos graves à natureza. O termo “ecocídio” combina as palavras “ecossistema” e “genocídio”, sugerindo uma analogia entre a destruição massiva de ecossistemas e a perda de vidas humanas em genocídios. Ele visa chamar a atenção para o impacto prejudicial que as atividades humanas podem ter sobre o meio ambiente e as ramificações para a saúde do planeta e das futuras gerações. O ecocídio é frequentemente discutido no contexto das mudanças climáticas, desmatamento de florestas tropicais, poluição da água, extinção de espécies e outros danos ambientais graves causados por atividades industriais, mineração, agricultura intensiva e outras práticas destrutivas.
Como vimos, as cinco extinções em massa anteriores ocorreram ao longo da história da Terra devido a eventos cataclísmicos, como impactos de asteroides, erupções vulcânicas em grande escala e mudanças climáticas extremas. No entanto, a sexta extinção é única porque é predominantemente impulsionada por ações humanas, como desmatamento, poluição, mudanças climáticas, degradação do habitat, caça excessiva e introdução de espécies invasoras. Os efeitos da sexta extinção em massa são preocupantes, pois além de erradicar espécies frágeis e inofensivas, a diminuição da biodiversidade é fundamental para a saúde dos ecossistemas e para o bem-estar humano. A perda de espécies – como a Síndrome do Colapso das Colônias das abelhas – pode levar a desequilíbrios ecológicos sérios, afetando a polinização de culturas, a qualidade do solo e a produção de alimentos.
O biólogo da Universidade de Harvard, Edward Osborne Wilson, duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer, acredita que o ser humano está provocando um “holocausto biológico” e para evitar a “6ª extinção em massa de espécies”, ele propõe uma estratégia para destinar metade do planeta exclusivamente para a proteção dos animais. A tese também é defendida no livro The Sixth Extinction, da jornalista Elizabeth Kolbert. A perda de biodiversidade é a grande distopia do Antropoceno. Não custa lembrar que a natureza não precisa das pessoas, mas as pessoas são totalmente dependentes da natureza. A humanidade necessita romper com a “escravidão animal”, ser menos autocentrada para se tornar mais altruísta e abraçar uma perspectiva de vida ecocêntrica.
O Dia Mundial pelo Fim do Especismo (DMFE) tem por objetivo denunciar a ideologia injusta e ecocida que torna possível a barbárie contra a vida selvagem e que promove a 6ª extinção em massa das espécies. Ademais, o ecocídio pode se converter em um suicídio, pois nenhuma espécie é capaz de viver só e apartada da imprescindível sinergia da comunidade biótica global.
Referências:
Ron Patterson. Of Fossil Fuels and Human Destiny, 05/07/2014
https://peakoilbarrel.com/natural-resources-human-destiny/
WWF. (2022). Relatório Planeta Vivo 2022 – Construindo uma sociedade positiva para a natureza. Almond, R.E.A., Grooten, M., Juffe Bignoli, D. & Petersen, T. (Eds). WWF, Gland, Suíça.
https://wwflpr.awsassets.panda.org/downloads/relatorio_planeta_vivo_2022_1_1.pdf
IPBES (2018). The IPBES regional assessment report on biodiversity and ecosystem services for the Americas. Rice, J., Seixas, C. S., Zaccagnini, M. E., Bedoya-Gaitán, M., and Valderrama N. (eds.). Secretariat of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services, Bonn, Germany https://doi.org/10.5281/zenodo.3236252
Dia Mundial pelo Fim do Especismo: https://www.end-of-speciesism.org/pt/
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José Eustáquio Diniz Alves
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.